Abolicionismo

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A abolição da escravatura: quadro de François-Auguste Biard (1798-1882)

O abolicionismo foi um movimento político que visou à abolição da escravatura e do comércio de escravos. Desenvolveu-se durante o iluminismo do século XVIII e tornou-se uma das formas mais representativas de activismo político do século XIX até a actualidade. Teve, como antecedentes, o apoio de alguns papas católicos.

Até hoje, as repercussões emotivas do termo "abolicionismo" suscitam inconvenientes usos analógicos do termo, especialmente entre retóricas maniqueístas de grupos de pressão, partidos políticos ou grandes debatedores públicos[carece de fontes?].

História do abolicionismo

Os papas

Os papas da época dos descobrimentos em África, Ásia e América, prosseguindo na senda dos Padres da Igreja e de seus antecessores, combateram a iniquidade da escravidão e a subjugação dos povos não europeus.[1]. Em 13 de janeiro de 1435, através da bula Sicut Dudum,[2] o papa Eugénio IV mandou restituir à liberdade os cativos das ilhas Canárias, por efeitos de estabelecer a estes uma justiça. Em 1462, o papa Pio II (1458-1464) deu instruções aos bispos contra La tratta dei Negri proveniente da Etiópia; o papa Leão X (1513-1521) despachou no mesmo sentido para os reinos de Portugal e Espanha. Em 1537, o papa Paulo III (1534-1549), através da bula Sublimus Dei[3] (23 de maio) e da encíclica Veritas ipsa[4] (9 de Junho), lembrou aos cristãos que os índios "das partes ocidentais, e os do meio-dia, e demais gentes", eram seres livres por natureza. Nunca, como veremos, a escravatura foi proibida até ao século XIX, e sempre os papas se dirigiram a casos pontuais, tanto que por várias bulas Portugal tinha privilégio do comércio de escravos, mas não de fazer escravos. O papa Gregório XIV (1590-1591) publicou a Cum Sicuti[5] (1591) e, nos séculos seguintes se pronunciaram também os papas Urbano VIII (1623-1644), na Commissum Nobis[6] (1639) e Bento XIV (1740-1758) na Immensa Pastorum[7] (1741). No século XIX, no mesmo sentido se pronunciou o papa Gregório XVI (1831-1846) ao publicar a bula In Supremo[8] (1839). Em 1888, o Papa Leão XIII, na encíclica In Plurimis,[9] dirigida aos bispos do Brasil, pediu-lhes apoio para o Imperador D. Pedro II e a sua filha a princesa D. Isabel, na luta que estavam a travar pela abolição definitiva da escravidão. Portanto, apenas um papa, no século XIX, fez uma condenação à escravatura pelo que ela se tinha tornado, e estando já num tempo em que o próprio conceito estava já alterado. O comércio de escravos que no renascimento Portugal tinha iniciado em África tinha sido louvado pela Cristandade como um feito caritativo que foi celebrado por Miguel Ângelo na parede principal da Capela Sistina na cena "resgate dos escravos", onde aparece Portugal a lançar um rosário e a puxar nele a África e a Ásia.

Portugal

O Reino de Portugal, pela mão do Marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José, aboliu a escravidão nos seus territórios a 12 de fevereiro de 1761, passando Portugal a ser o pioneiro no abolicionismo. Contudo, pela grande extensão de território e dificuldade de controle, muitos negreiros continuaram a fazer transporte dos escravos africanos para a América espanhola e portuguesa. No início do século XIX, juntamente com a Grã-Bretanha, Portugal proibiu novamente o comércio de escravos, e em 1854 por decreto foram libertos todos os escravos que restavam. Dois anos mais tarde, também foram libertos todos os escravos da Igreja nas colónias. A 25 de fevereiro de 1869 produziu-se finalmente a abolição "prática" e completa da escravatura no Império Português.

Brasil

Ver artigo principal: Abolicionismo no Brasil

Como parte integrante de Portugal, o Brasil recebeu a abolição igualmente a 12 de fevereiro de 1761. Posteriormente os movimentos revolucionários independentistas, particularmente a Conjuração Baiana (1798) pretenderam também retirar a condição de escravos àqueles que já o eram, e aproveitar a revolta destes contra os seus senhores, contando assim com maior facilidade no processo revolucionário contra Portugal. Após a Independência do Brasil, as discussões a seu respeito estenderam-se pelo período do Império, tendo adquirido relevância a partir de 1850 e caráter verdadeiramente popular a partir de 1870, mas apenas atingindo seu fim com a Lei Áurea (13 de maio de 1888).

França

Após a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, foi abolida a escravidão em 4 de fevereiro de 1794 na Convenção Nacional. Contudo, Napoleão restabeleceu a escravidão a 20 maio de 1802. A abolição definitiva chegou em 27 de abril de 1848. [carece de fontes?]

Chile

O primeiro Congresso Nacional convocado em 1811, oito meses depois da criação da Junta de Governo, declarou, entre outras iniciativas, a Liberdade de ventre, em virtude da qual os filhos de escravos que nasceram em Chile seriam livres. Em 1818, em consequência da participação de batalhões de escravos negros entre as forças patriotas pertencentes ao exército libertador dos generais José de San Martín e Bernardo O'Higgins, prometeu, a estes, a liberdade completa, feito que foi levado à prática em 1823, sob a presidência interina de Ramón Freire, fazendo, do Chile, um dos primeiros países em declarar a liberdade dos escravos. [carece de fontes?]

Reino Unido

A escravatura praticada pelo Reino Unido foi de longe a mais grave, e dela vem a fama que se alastrou injustamente aos outros casos. Por fim a Society for Effecting the Abolition of Slavery (Sociedade para efetuar a abolição da escravatura) foi fundada em 1789 por Thomas Clarkson. Nas suas apresentações informou das condições dos escravos e buscou o apoio do parlamento. Por outro lado, havia interesses económicos da banca inglesa relativamente aos novos territórios americanos bastante apoiados na mão-de-obra escrava; derrubado tal sistema, poderia então entrar a financiamento inglês por meio do endividamento.

Depois de uma campanha do parlamentar William Wilberforce, em 25 de março de 1807 foi aprovado pelo Parlamento Britânico o Slave Trade Act ou Ato contra o Comércio de Escravos, que proibia o comercio de escravos em todo o Império Britânico e que estipulava uma multa de £100 para cada escravo encontrado nos barcos ingleses. Com este feito a Inglaterra propunha-se como modelo.

Por conta da pressão de burgueses que lideraram a Revolução Industrial que estavam interessados em ter mão de obra rotativa assalariada e mercado consumidor[10], em 23 de agosto de 1833, foi aprovada a Slavery Abolition Act (Ata de abolição da escravidão) pela qual desde 1 de agosto de 1834 ficavam livres todos os escravos das colônias britânicas. Durante um período de transição de quatro anos permaneceriam, em troca de um soldo, ligados ainda com o seu amo. Os proprietários de plantações do Caribe foram indemnizados com vinte milhões de libras esterlinas. [carece de fontes?]

Estados Unidos da América

Caricatura contemporânea do abolicionismo

O movimento abolicionista foi formado em 1830 nos estados do norte dos Estados Unidos, nos quais teve muita publicidade. Em 1831, foi fundada a New-England Anti-Slavery Society (Sociedade antiescravatura de Nova Inglaterra).

O movimento tinha as suas raízes no século XVIII, onde nascera visando a proibir a trata de escravos. A posse de escravos foi permitida até o final da Guerra de Secessão, particularmente nos estados do sul. A constituição tratava, em certos pontos, da escravatura, embora em nenhum ponto fosse usada esta palavra.

Todos os estados a norte de Maryland aboliram a escravidão entre 1789 e 1830, gradualmente e em diferentes momentos. Contudo, o seu status permaneceu inalterado no sul e os costumes e o pensamento público desenvolveram-se na defesa da escravidão como resposta ao crescente fortalecimento da atitude antiescravidão do norte. O ponto de vista contra a escravidão que mantinham muitos homens do norte após 1830 foi levando lenta e imperceptivelmente para o movimento abolicionista. A maioria dos estados do norte não aceitavam as posições extremas dos abolicionistas. Abraham Lincoln, apesar de ser contrário à escravidão, também não aceitava o abolicionismo.

O abolicionismo como princípio era um pouco mais que um mero desejo de ampliar as restrições à escravatura. A maioria dos nortistas aceitavam a existência da escravidão, não tinham como objetivo mudar isso, mas favorecer uma política de libertação indenizada e gradual. Os abolicionistas, por outro lado, queriam terminar com a escravidão para sempre e o movimento caracterizou-se pelo apoio da aplicação da violência para precipitar o fim, como mostram as atividades de John Brown.

Muitos abolicionistas americanos desempenharam um papel ativo contra da escravidão no Underground railroad, que, visava a ajudar os escravos fugitivos apesar das grandes penas que isto podia acarretar segundo a lei federal que entrou em vigor em 1850.

Mediante a Declaração de Emancipação (promulgada pelo presidente Abraham Lincoln, na que foi declarada a liberdade de todos os escravos em 1863 e entrou em efeito pela primeira vez no final da Guerra Civil (1865) os abolicionistas americanos obtiveram a libertação dos escravos nos estados que continuava havendo escravidão. O movimento abolicionista abonou o campo para o movimento para os direitos civis norte-americano.

Espanha, Cuba e Porto Rico

Agustín Argüelles e José Miguel Guridi apresentaram às Cortes de Cádis uma proposta abolicionista a 1 de abril de 1811, sem sucesso. A 13 de agosto de 1813, o deputado Isidoro de Antillano y Marzo faz uma nova proposição, mas sem eficácia (foi mesmo objeto de um atentado que quase acaba com a sua vida). A Constituição de Cádis pôs especial cuidado em distinguir as condições de "espanhol", "homem livre", "avizinhado", "liberto" (artigo 5), "cidadão espanhol" e "servente doméstico" (artigo 25.3), estabelecendo requisitos especiais para a obtenção da cidadania para os "originários da África" (artigo 22).[11]

José María Blanco White criticou a escravidão em Bosquejo de comercio de esclavos y reflexiones sobre este tráfico considerado moral, política y cristianamente (Londres, 1814).

Cuba e Porto Rico eram as últimas colônias espanholas na América, e nelas a escravidão tinha um peso econômico decisivo. A posição internacional de Inglaterra contra o tráfego de escravos impedia um fácil abastecimento. O caso do barco Amistad cujos escravos se rebelaram, e que foi conduzido para os Estados Unidos, ocasionou um conflito jurídico e diplomático (sobre o assunto fez-se um filme de Steven Spielberg, 1997). As sucessivas sublevações em Cuba do último terço do século XIX, até a Guerra de Independência Cubana de 1895-1898, tiveram como uma das suas causas as polêmicas entre escravidão e abolicionismo.

A pressão internacional promoveu leis contrárias ao comércio de escravos em 1817 (em troca de um pagamento por Inglaterra de 400 000 libras como compensação), 1835 e 1845. A reiteração das leis era prova da sua ineficácia. Em 1837, foi promulgada a abolição da escravidão no território metropolitano, mas não nos territórios de ultramar, onde a presença de escravos era realmente significativa, demográfica e economicamente.[12]

A Sociedade Abolicionista Espanhola foi fundada em 2 de abril de 1865 a iniciativa do porto-riquenho Julio Vizcarrondo. A Sociedade Abolicionista abriu seções em Sevilha, Leão, Barcelona e Saragoça. Em 1866, a Sociedade foi fechada pelo governo do general Ramón María Narváez, coincidindo com a agudização da repressão política contra os progressistas. Após a Revolução de 1868, o ativismo abolicionista impulsionou a lei Moret (4 de Julho de 1870, chamada assim por Segismundo Moret, ministro de Ultramar e posteriormente de Fazenda; também recebeu o nome de lei de ventres livres ou de liberdade de ventres). Com ela, foi concedida a liberdade a qualquer nascido posteriormente a 17 de Dezembro de 1868, bem como aos escravos maiores de 60 anos ou que ajudassem a repressão da sublevação independentista simultânea em Cuba e Porto Rico.

Posteriormente, com a Primeira República Espanhola (1873-1874), foi proclamada a abolição da escravidão em Porto Rico (22 de Março de 1873), embora não em Cuba. O número de escravos em Porto Rico era significativamente menor (31 000).

A Restauração (1875) começou impedindo o funcionamento da Sociedade Abolicionista, mas em 1880 foi permitida. Em 7 de Outubro de 1886, a escravidão desapareceu legalmente. A Sociedade Abolicionista dissolveu-se em 1888.[13]

Ver também

Referências

  1. BALMES, Jaime - A Igreja Católica em face da Escravidão. Centro Brasileiro de Fomento Cultural (1988)
  2. «Sicut Dudum». Consultado em 29 de Dezembro de 2010 
  3. «Sublimus Dei – Pope Paul III – The Papal Library». Consultado em 29 de Dezembro de 2010 
  4. [1]
  5. Um artigo que cita tal publicação pode ser encontrado aqui: http://users.binary.net/polycarp/slave.html
  6. «Annaes da Biblioteca e Archivo Publico do Pará. Colônia - Período Jesuítico. Fontes Escritas. Acervo. História, Sociedade e Educação no Brasil - HISTEDBR - Faculdade de Educaç...». Consultado em 29 de Dezembro de 2010 
  7. [2]
  8. «Gregório XVI, Carta Apostólica In Supremo». Consultado em 29 de Dezembro de 2010 
  9. «Leo XIII - In Plurimis». Consultado em 29 de Dezembro de 2010 
  10. The Technological Revolution and the Future of Freedom. Part 1: The Global Political Awakening and the New World Order, Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marshall, Montreal, Global Research Publishers. Centre for Research on Globalization (CRG), 2010. ISBN: 978-0-9737147-3-9 (416 páginas)
  11. Os deputados abolicionistas fracassam nas Cortes de Cádis
  12. Os abolicionistas entre 1833 e 1868
  13. Biografias de abolicionistas. Comemoração de 120 aniversário da abolição da escravidão na Espanha.

Bibliografia

  • Martin Duberman (Hrsg.), The Antislavery Vanguard: New Essays on the Abolitionists, Princeton 1965
  • James McPherson, The Struggle for Equality: Abolitionists and the Negro in the Civil War and Reconstruction, Princeton 1964
  • Leonard L. Richards, Gentleman of Property and Standing: Anti-Abolition Mobs in Jacksonian America, New York 1970
  • John L. Thomas (Hrsg.), Slavery Attacked: The Abolitionist Crusade, Englewood Cliffs/New Jersey 1965
  • Edward P. Jones, The Known World (Roman, 2003), Prêmio Pulitzer 2004.