Acoplamento de maré

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O acoplamento de maré faz com que a Lua gire em torno do seu eixo aproximadamente no mesmo tempo que ela leva para orbitar a Terra. Exceto por efeitos de libração, isto faz com que a Lua mantenha a mesma face voltada para a Terra, como mostra a figura da esquerda (a Lua é mostrada em vista polar e não está em escala). Se a Lua não possuísse rotação, ela mostraria ambos os lados para a Terra durante seu movimento em torno da Terra, como mostrado na figura à direita.

O acoplamento de maré ocorre quando o gradiente gravitacional faz com que um lado de um corpo celeste esteja sempre voltado para outro corpo celeste, um efeito conhecido como rotação síncrona. Por exemplo, o mesmo lado da Lua está sempre voltado para a Terra. Um corpo com acoplamento de maré leva para girar em torno do seu eixo o mesmo tempo em que ele gira em torno do seu companheiro. Geralmente, em um dado momento, apenas o satélite está acoplado em torno do corpo maior, porque este é o primeiro estágio que acontece e é necessário muito mais tempo para acoplar o corpo mais pesado ao seu companheiro. Entretanto, com tempo suficiente, cada um dos corpos ao final poderá estar acoplado ao outro por maré. Isto ocorrerá mais rápido quando a diferença de massas entre os dois corpos e sua separação física forem pequenas; esta é provavelmente a razão pela qual isto já acontece com Plutão e sua lua Caronte.

Este efeito é utilizado para estabilizar alguns satélites artificiais.

Mecanismo

A mudança de velocidade de rotação necessária para acoplar por maré um corpo B a um corpo maior A é provocada pelo torque aplicado pela gravidade de A em protuberâncias que ele induziu em B pelas forças de maré.

Protuberâncias de maré

A gravidade do corpo A produz uma força de maré em B que distorce ligeiramente a sua forma em equilíbrio, de modo que ele fica alongado no eixo orientado em direção a A e, em compensação, sofre ligeira redução dimensional nas direções perpendiculares a este eixo. Estas distorções são conhecidas como protuberâncias de maré. Quando B ainda não está acoplado por maré, as protuberâncias viajam pela sua superfície, com uma das duas protuberâncias de maré “alta” viajando próximo ao ponto sobre o qual está o corpo A. Para grandes corpos celestes, que são quase esféricos devido à própria gravidade, a distorção por maré produz um esferoide levemente prolato, isto é, um elipsoide axialmente simétrico que é alongado no seu eixo maior. Corpos menores também sofrem distorção, mas esta é menos regular.

Arraste da protuberância

O material de B oferece resistência a esta mudança periódica de forma provocada pela força de maré. Com efeito, algum tempo é requerido para que B mude sua forma de equilíbrio gravitacional, e neste tempo as protuberâncias em formação já estão a alguma distância do eixo A– B em função da rotação de B. Visto de um ponto no espaço, os pontos de extensão máxima da protuberância estão deslocados do eixo orientado em direção a A. Se o período de rotação de B for mais curto do que o seu período orbital, as protuberâncias são carregadas à frente do eixo orientado em direção a A, na direção da rotação, enquanto se o período de rotação de B for maior, as protuberâncias ficam para trás.

Torque resultante

Como as protuberâncias estão deslocadas do eixo A – B, o empuxo gravitacional de A sobre a massa das protuberâncias exerce um torque em B. O torque na protuberância voltada para A age para alinhar a rotação de B com o seu período orbital, enquanto a protuberância “de trás”, voltada para o lado oposto de A, age no sentido oposto. Entretanto, a protuberância voltada para A está mais próxima de A do que a de trás em uma distância de aproximadamente o diâmetro de B, portanto sofre atração gravitacional e torque ligeiramente maiores. O torque resultante sobre ambas as protuberâncias, então, está sempre na direção que age para sincronizar a rotação de B com o seu período orbital, levando ao final ao acoplamento de maré.

Mudanças orbitais

Tidal Locking
Se a frequência de rotação é maior do que a frequência orbital, surge um pequeno torque contrabalançando a rotação, que ao final sincroniza as frequências (situação mostrada em verde)

.

O momento angular do sistema completo A – B é conservado neste processo, de modo que quando B se desacelera e perde momento angular rotacional, o seu momento angular “orbital” é impulsionado em quantidade similar (também há efeitos menores na rotação de A). Isto leva à elevação da órbita de B ao redor de A, em paralelo com sua desaceleração rotacional. Para o outro caso em que B começa a girar muito lentamente, o acoplamento de maré tanto acelera a sua rotação quanto “abaixa” a sua órbita.

Acoplamento do corpo maior

O efeito de acoplamento de maré também ocorre no corpo maior A, mas a uma velocidade menor, porque o menor tamanho de B torna o seu efeito gravitacional mais fraco. A rotação da Terra está diminuindo de velocidade gradualmente devido à Lua, em um valor que se torna perceptível ao longo do tempo geológico, por meio de alguns fósseis.[1] O processo ainda está acontecendo e tem reduzido significativamente a velocidade de rotação da Terra desde o começo da sua existência. Estimativas atuais são de que isto ajudou a aumentar a duração do dia terrestre (junto com a influência de maré do Sol) de cerca de 6 horas para as atuais 24 horas. E, neste momento, relógios atômicos mostram que a duração do dia da Terra aumenta em cerca de 15 microssegundos cada ano.[2] Com tempo suficiente, isto criaria um acoplamento de maré recíproco entre a Terra e a Lua, em que o comprimento de um dia aumentaria e a duração de um mês lunar diminuiria, até o ponto em que eles teriam a mesma duração. Entretanto, isto está acontecendo tão lentamente que não se espera que a Terra esteja acoplada por maré com a Lua antes que o Sol se transforme em uma gigante vermelha e engolfe tanto a Terra quanto a Lua.[3][4]

Para corpos de tamanho similar, o efeito pode ser de tamanho comparável para ambos, e ambos podem ficar acoplados por maré em relação ao outro em uma escala de tempo muito menor. O planeta anão Plutão e seu satélite Caronte são bons exemplos disso. Eles já atingiram um estágio em que Caronte só está visível para um hemisfério de Plutão e vice-versa.

Ressonância rotação-órbita

Em alguns casos em que a órbita é excêntrica e o efeito de maré é relativamente fraco, o corpo menor pode terminar numa chamada “ressonância rotação-órbita”, em vez de acoplado por maré. Neste caso, a razão do período de rotação de um corpo para o seu próprio período orbital é uma fração bem definida diferente de 1:1. Um caso bem conhecido é a rotação de Mercúrio – acoplado a sua própria órbita ao redor do Sol em uma ressonância 3:2.

Ocorrência

Luas

Devido ao acoplamento de maré, os habitantes do corpo central nunca poderão ver a área verde do satélite.

A maioria dos satélites significativos do Sistema Solar estão acoplados por maré com seus primários, porque eles orbitam muito perto e a força de maré aumenta rapidamente em uma função cúbica com o decréscimo da distância. Exceções notáveis são os satélites irregulares exteriores dos gigantes gasosos, que orbitam muito mais distante do que as grandes luas mais conhecidas.

Plutão e Caronte são um exemplo extremo de acoplamento de maré. Caronte é uma lua relativamente grande em comparação com seu primário e também tem uma órbita muito próxima. Isto tornou Plutão também acoplado por maré com Caronte. Com efeito, esses dois corpos celestes giram um em torno do outro (o baricentro do conjunto localiza-se fora de Plutão) como se estivessem unidos com uma barra conectando dois pontos opostos nas suas superfícies.

A situação de acoplamento de maré para satélites de asteroide é fundamentalmente desconhecida, mas acredita-se que binários orbitando proximamente estejam acoplados por maré, assim como asteroides binários de contato (corpos que gravitaram um ao outro até se tocarem).

A Lua

Como a Lua está acoplada por maré, apenas um dos seus lados é visível da Terra.

A rotação e o período orbital da Lua estão acoplados por maré entre si, portanto independentemente de quando a Lua é observada da Terra, é sempre visto o mesmo hemisfério da Lua. O lado oculto da Lua não foi visto até 1959, quando fotografias da maior parte do lado oculto foram transmitidas da nave soviética Luna 3.[5]

Apesar de os períodos rotacional e orbital da Lua estarem perfeitamente acoplados, cerca de 59% da superfície total da Lua podem ser vistos com repetidas observações da Terra devido aos fenômenos da libração e paralaxe. As librações se devem principalmente à variação da velocidade orbital da Lua provocada pela excentricidade da sua órbita; isto permite que mais 6° ao longo do seu perímetro sejam vistos da Terra. A paralaxe é um fenômeno geométrico: na superfície da Terra nós estamos deslocados da linha que liga os centros da Terra e Lua e, por causa disso, nós podemos observar um pouco mais (cerca de 1°) em torno do lado da Lua quando ela está em nosso horizonte.

Planetas

Pensou-se por algum tempo que Mercúrio estava acoplado por maré com o Sol. Isto se deveu ao fato de que sempre que Mercúrio estava em posição adequada para observação, o mesmo lado estava voltado para o Sol. Observações por radar em 1965 demonstraram, entretanto, que Mercúrio possui uma ressonância rotação-órbita de 3:2, ou seja, gira três vezes a cada duas revoluções em torno do Sol, o que resulta no mesmo posicionamento nesses pontos de observação. A excentricidade da órbita de Mercúrio torna a ressonância de 3:2 estável.

O intervalo de 583,92 dias entre sucessivas aproximações de Vênus da Terra é igual a 5,001444 dias solares de Vênus, fazendo com que aproximadamente a mesma face esteja visível para a Terra nessas aproximações. Não se sabe se esta relação ocorreu por acaso ou se é resultado de algum tipo de acoplamento por maré com a Terra.[6]

Um planeta que está acoplado por maré com sua estrela tem um lado perpetuamente iluminado pela estrela e outro que está em perpétua escuridão.

Estrelas

Acredita-se que estrelas binárias próximas espalhadas pelo universo estejam acopladas por maré entre si, e que planetas extrassolares que foram encontrados orbitando suas estrelas muito próximo também estejam acoplados por maré a elas. Um exemplo incomum, confirmado pelo telescópio espacial MOST, é Tau Boötis, uma estrela acoplada por maré a um planeta. O acoplamento é quase certamente recíproco.[7]

Escala de tempo

Uma estimativa para o tempo que leva um corpo a ficar acoplado por maré pode ser obtida usando-se a seguinte fórmula:[8]


onde:

  • é a velocidade de rotação inicial (radianos por segundo
  • é o semieixo maior do movimento do satélite em torno do planeta (dado pela média entre as distâncias do perigeu e [[Apoastro|apogeu)
  • é o momento de inércia do satélite
  • é a função de dissipação do satélite
  • é a constante gravitacional
  • é a massa do planeta
  • é a massa do satélite
  • é o número de Love do satélite
  • é o raio médio do satélte

e são geralmente pouco conhecidos, com exceção da Lua, que tem . Para uma estimativa realmente aproximada, é comum tomar (talvez conservadoramente, dando tempos de acoplamento superestimados) e

onde

  • é a densidade do satélite
  • é a gravidade superficial do satélite
  • é a rigidez do satélite. Esta pode ser aproximadamente tomada como 3×1010 N·m−2 para objetos rochosos e 4×109 N·m−2 para objetos gelados.

Como se vê, mesmo sabendo-se o tamanho e a densidade do satélite, restam muitos parâmetros para serem estimados (especialmente “w”, “Q” e ), de modo que quaisquer tempos de acoplamento obtidos tendem a ser imprecisos em fatores de até dez. Além disso, durante a fase de acoplamento de maré o semieixo maior pode ser significativamente diferente do observado atualmente, devido a aceleração de maré subsequente, e o tempo de acoplamento é extremamente sensível a este valor.

Como a incerteza é muito alta, as fórmulas acima podem ser simplificadas para chegar a uma menos incômoda. Assumindo que o satélite é esférico, , e é sensato imaginar uma revolução a cada 12 horas no estado inicial não acoplado (a maioria dos asteroides possui períodos rotacionais entre cerca de 2 horas e 2 dias).


Com massas em quilogramas, distâncias em metros e em newtons por metro quadrado; pode ser aproximadamente tomado como 3×1010 N·m−2 para objetos rochosos e 4×109 N·m−2 para objetos gelados.


Note-se a dependência extremamente forte do semieixo maior .

Para o acoplamento de um corpo primário a um seu satélite, como no caso de Plutão, os parâmetros do satélite e do corpo primário devem ser intercambiados.

Uma conclusão é que, com outras variáveis mantidas iguais (tais como e ), uma lua grande vai se acoplar mais rapidamente do que uma lua menor na mesma distância orbital do planeta, porque cresce com o cubo do raio do satélite, . Um possível exemplo disso está no sistema Saturno, onde Hipérion não está acoplado por maré, enquanto Jápeto, que é maior e orbita a maior distância, está. Entretanto, isto não é definitivo, uma vez que Hipérion também sofre influência da vizinha Titã, que leva sua rotação a ser caótica.

As fórmulas acima para a escala de tempo do acoplamento pode estar errada por ordens de magnitude, pois elas ignoram que a frequência é dependente de .

Lista de corpos acoplados por maré conhecidos

Sistema Solar

Acoplado à Terra

Acoplado a Marte

Acoplados a Júpiter

Acoplado a Saturno

Acoplado a Urano

Acoplado a Netuno

Acoplado a Plutão

  • Caronte (Plutão está também acoplado a Caronte)

Extrassolar

  • Tau Boötis é conhecida por estar acoplada ao planeta gigante Tau Boötis b, que a orbita proximamente.

Corpos que provavelmente estão acoplados

Sistema Solar

Com base em comparação entre o provável tempo necessário para acoplar um corpo a seu primário, e o tempo em que ele está em sua órbita atual (comparável com a idade do Sistema Solar para a maioria das luas planetárias), acredita-se que um conjunto de luas estão acopladas. Entretanto, suas rotações não são conhecidas ou não são suficientemente conhecidas. Elas são:

Provavelmente acoplados a Saturno

Provavelmente acoplados a Urano

Provavelmente acoplados a Netuno

Extrassolar

Referências

  1. de Pater, Imke (2001). Planetary Sciences. [S.l.]: Cambridge. p. 34. ISBN 0521482194 
  2. Ray, R. (15 May 2001). «Ocean Tides and the Earth's Rotation». IERS Special Bureau for Tides. Consultado em 17 March 2010  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  3. Murray, C.D.; Dermott, Stanley F. (1999). Solar System Dynamics. [S.l.]: Cambridge University Press. p. 184. ISBN 978-0-521-57295-8 
  4. Dickinson, Terence (1993). From the Big Bang to Planet X. Camden East, Ontario: Camden House. pp. 79–81. ISBN 978-0-921820-71-0 
  5. http://www.universetoday.com/105326/oct-7-1959-our-first-look-at-the-far-side-of-the-moon/
  6. Gold T., Soter S. (1969), Atmospheric tides and the resonant rotation of Venus, Icarus, v. 11, p 356-366
  7. SPACE.com - Role Reversal: Planet Controls a Star
  8. B. Gladman; et al. (1996). «Synchronous Locking of Tidally Evolving Satellites». Icarus. 122. 166 páginas. Bibcode:1996Icar..122..166G. doi:10.1006/icar.1996.0117  (See pages 169-170 of this article. Formula (9) is quoted here, which comes from S.J. Peale, Rotation histories of the natural satellites, in J.A. Burns, ed. (1977). Planetary Satellites. Tucson: University of Arizona Press. pp. 87–112 )
  9. Vergano, Dan (25 de abril de 2007). «Out of our world: Earthlike planet». USA Today. Consultado em 25 de maio de 2010 
  10. «Astronomers Find Most Earth-like Planet to Date». Science, USA. September 29, 2010. Consultado em September 30, 2010  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  11. «Gliese 581g the most Earth like planet yet discovered». The Daily Telegraph, UK. September 30, 2010. Consultado em September 30, 2010  Verifique data em: |acessodata=, |data= (ajuda)
  12. Makarov, V. V.; Berghea, C.; and Efroimsky, M. 2012. «Dynamical Evolution and Spin–Orbit Resonances of Potentially Habitable Exoplanets: The Case of GJ 581d." The Astrophysical Journal, Volume 761, Issue 2, article id. 83, 14 pp. (2012).»