Aldeia Maracanã

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Aldeia Maracanã

Aldeia Marak’anà, também grafada Aldeia Maracanã, é uma aldeia urbana, universidade e movimento social indígena localizada no prédio antigo do Museu do Índio, no bairro Maracanã, no Rio de Janeiro, Brasil.[1][2][3] A ocupação indígena do prédio histórico ocorre intermitentemente desde o ano de 2006, por conta de sua ligação com a História indígena.[4][5][6] O prédio antigo do Museu do Índio situa-se próximo ao Estádio Maracanã e corre risco de demolição por parte do Governo do Estado do Rio de Janeiro. A aldeia e universidade foi ameaçada de despejo, despejada e reocupada diversas vezes. O movimento social em torno da aldeia visa a reocupação daquele território e manuntenção do prédio.[7][8] Dentro dessa história de despejo e resistência, a expressão "Aldeia resiste" é utilizado pelas pessoas apoiadoras da causa.[9][10][11]

Durante as Jornadas de Junho e ao longo dos protestos contra a Copa da FIFA, a polêmica em torno da manutenção da aldeia, considerada uma referência para esses movimentos políticos, mobilizou diversos setores da esquerda, sendo a aldeia considerada um símbolo de resistência e oposição ao governo de Sérgio Cabral Filho.[12][13]

Graffiti na Aldeia Marak'anà

No ano de 2022, a polêmica foi reacendida pelo deputado Rodrigo Amorim, explicitamente contrário a esse movimento indígena (também conhecido por ter quebrado a placa de Marielle Franco), que convocou uma motociata com ponto final na Aldeia Marak'anà para o dia 6 de agosto de 2022.[14]

História[editar | editar código-fonte]

A história da Aldeia Marak'anà pode ser dividida entre a história do prédio histórico que ela ocupa (anteriormente chamado de Museu do Índio) e a história do movimento indígena estabelecido no ano de 2006 neste mesmo prédio.

A palavra "marak'aná" é tupi-guarani, deriva da palavra maracá e significa "algo semelhante a um chocalho”. O termo aportuguesado dessa palavra, "maracanã", dá nome ao famoso estádio Mario Filho, ao rio em sua proximidade, bem como ao bairro de seu entorno.[15]

Painel com os vereadores que votaram a favor, contra, ou se abstiveram da votação em relação ao tombamento do prédio da Aldeia Maracanã.

O Museu do Índio[editar | editar código-fonte]

Características arquitetônicas[editar | editar código-fonte]

O prédio, que destoa em muito da paisagem do bairro, tem a aparência de um castelo. De acordo com o parecer do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural, o edifício é um "...imponente exemplar da arquitetura eclética do início do século XX."[16]

História do prédio histórico[editar | editar código-fonte]

O prédio onde funcionava o Museu do Índio foi construído pelo Duque de Saxe[17] em 1862[18] e doado em 1910[19] ao Serviço de Proteção aos Índios, órgão estatal comandado pelo Marechal Rondon,[19] quando de sua criação, em 1910.[19] O objetivo é que o espaço fosse uma área de preservação da cultura indígena brasileira. Inicialmente, o prédio abrigou a sede do órgão federal, e posteriormente, entre 1953 e 1977, abrigou o Museu do Índio, criado por Darcy Ribeiro.[20] Após essa data, o museu foi transferido[20] para Botafogo e o prédio ficou abandonado.[21]

Movimentação policial e civil na desocupação da Aldeia Marak'anà, em 2013.
Indígenas e pessoas apoiadoras resistem a desocupação em 2013.

Em 2006, o local foi ocupado por um grupo de cerca de 20 indígenas de diversas etnias (entre elas guarani, guajajara, pataxó, tukano), e chamaram a ocupação de Aldeia Maracanã.[21][22]

Mais tarde, o local foi comprado do Governo Federal em agosto de 2012[23] pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, que anunciou que devido às obras para a Copa do Mundo de 2014, o Antigo Museu do Índio seria demolido para facilitar a saída de torcedores do Estádio do Maracanã.[22] Também teriam o mesmo destino, a Escola Municipal Friendenreich e o Estádio de Atletismo Célio de Barros. As três propostas de demolição causaram comoção em uma parcela da sociedade civil, e setores mais ligados à esquerda, principalmente o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e parte do Partido dos Trablhadores (PT), passaram a fazer forte oposição às três propostas de demolição, demonstrando solidariedade aos grupos que sentiram-se prejudicados pelas decisões.

Inicialmente, o governo alegou que a demolição do prédio antigo do museu seria necessária para atender às exigências da FIFA, o que foi negado pela entidade máxima do futebol, a nível mundial.[22] O governo argumentou também que o imóvel não teria qualquer valor histórico.[22] Como reação, os vereadores Reimont Otoni (PT), Eliomar Coelho e Leonel Brizola Neto apresentaram em 2013 o projeto de lei 1536, prevendo o tombamento do prédio.[24]

A proposta de demolição foi muito criticada por especialistas,[20][17] que alegaram que com os 60 milhões pagos pelo governo estadual ao governo federal pela compra do imóvel, somados ao 568 mil reais que seriam pagos por sua demolição, haveria dinheiro suficiente para recuperá-lo.[20] Também foi especulada a possível intenção de utilizar o terreno para a construção de um grande estacionamento.[20][17] A Ministra da Cultura, Marta Suplicy, chegou a pedir ao governador em exercício do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, que o prédio fosse mantido.[18] Ainda em janeiro de 2013, o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural deu parecer unânime pela manutenção do prédio, mas pela primeira vez um parecer do órgão não foi seguido pelo prefeito Eduardo Paes, aliado de Sérgio Cabral.[18] Cabral, na ocasião, disse que chamar a comunidade que habitava o terreno de aldeia indígena "é um deboche",[18] por ser aquela "uma ocupação recente", qualificada ainda pelo governador como de cunho político.[18]

Após uma polêmica que já durava cinco meses, ainda em janeiro, após os indígenas obterem uma liminar na justiça impedindo a demolição,[23] o Governo do Estado voltou atrás e admitiu não mais demolir o prédio, mediante a saída dos indígenas do local, que seria reformado e mantido intacto com suas características originais. No entanto, não houve a definição de um cronograma para a reforma, nem foi informado o destino do prédio. A proposta de acordo foi rechaçada pelos líderes da aldeia, por esse motivo.[23]

O projeto de tombamento do antigo museu foi derrotado na Câmara do Rio, com apoio da base governista, em março por 17 votos a 13, com 20 abstenções.

Em 22 de março de 2013, a Aldeia Maracanã foi finalmente ocupada por forças policiais que retiraram os indígenas. Na ocasião, houve protestos de diversos segmentos sociais e políticos, tais como o deputado estadual Marcelo Freixo, que saiu com os olhos lacrimejantes após o uso de gás lacrimogêneo e criticou duramente e ação policial.[25] Ainda na ocasião, uma ativista do grupo Femen foi detida após mostrar os seios, como forma de protesto.[26][27]

Exposição fotográfica na Aldeia Marak'anà, 2013

A ONG Justiça Global denunciou às Nações Unidas o suposto abuso de poder praticado pelo estado na ocasião.[28] No momento da reintegração de posse, o número de indígenas morando na aldeia já era 60,[21] sendo 40 adultos e 20 crianças.[21]

Após a remoção, uma parte dos moradores da aldeia foram levados para um terreno em Jacarepaguá oferecido pelo Governo.[29] Os reassentados, no entanto, reclamaram da falta de infraestrutura, localização e das restrições a que passaram a sofrer, como o controle dos horários de entrada e saída, bem como a impossibilidade de receberem visitantes livremente.[29][30]

Em abril de 2017, uma parte dos indígenas voltou a ocupar o prédio.[31]

Casos relacionados[editar | editar código-fonte]

O mesmo projeto que visava a demolição do Antigo Museu do Índio também causou polêmica por prever a derrubada também da Escola Municipal Friedenreich, do Estádio de Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio Delamare. As bancadas do PSOL, tanto na ALERJ, quanto na Câmara Municipal do Rio, fizeram forte oposição a todas essas demolições.[32] A demolição da Escola Friendenreich chamou a atenção da mídia por ser esta a sétima melhor escola do Estado do Rio em qualidade de ensino.[33][34] A comunidade escolar protestou contra a remoção da escola.[35] O mesmo fizeram diversos atletas e aficionados dos esportes aquáticos e do atletismo, afetados pelo fim dos complexos esportivos.[36][37]


Referências

  1. Xavante, Júlia Muniz, and Mayara de Sá Pinto. "O ensino de cultura e arte indígenas e a resistência Aldeia Maracanã." Abatirá-Revista de Ciências Humanas e Linguagens 1.2 (2020): 649-680.
  2. Rebuzzi, Daniele da Costa (2014). «A aldeia Maracanã: um movimento contra o índio arquivad0». Revista de Antropologia da UFSCar. doi:10.52426/rau.v6i2.123. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  3. Bevilaqua, Camila (1 de julho de 2017). «A Aldeia Vertical: mistura indígena na cidade do Rio de Janeiro». Mundo Amazónico (2): 49–70. ISSN 2145-5082. doi:10.15446/ma.v8n2.64491. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  4. Rebuzzi, Daniele da Costa (2014). «A aldeia Maracanã | Revista de Antropologia da UFSCar». doi:10.52426/rau.v6i2.123. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  5. Freire, Leticia de Luna (2019). «Uma aldeia na "cidade maravilhosa": conflito e resistência no Rio de Janeiro». Latitude (2): 97–120. ISSN 2179-5428. doi:10.28998/lte.2019.n.2.10635. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  6. Barreto, Marcos Rodrigues. 2014. Vultos na Névoa: do discurso histórico do preconceito à resistência do índio urbano no cenário fluminense. Rio de Janeiro, Unirio, 2014. Dissertação-(Mestrado em Memória Social). PPG em Memória Social. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
  7. Werneck, M. (2015). Patrimônio digital e ciberativismo: a defesa da Aldeia Maracanã no Facebook. Dissertação (Mestrado em Memória Social) Programa de Pós-Graduação em Memória Social, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
  8. Santos, Vinicius Pereira dos. 2016. A Resistência da Aldeia Maracanã: um ponto de oxidação pela “revolução ferrugem”. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programade Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
  9. Pinto, Vinícius da Cruz. “Aldeia Resiste”: uma etnografia das estratégias políticas da“Aldeia Maracanã” no Rio de Janeiro, 2014. 110f. Tese (mestrado em Antropologia) −Universidade Federal Fluminense, Niterói.
  10. «Aldeia Maraka'nà mais uma vez ameaçada | Combate Racismo Ambiental». racismoambiental.net.br. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  11. Chalita, Patrick Granja e Guilherme. «"Aldeia resiste!"». A Nova Democracia. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  12. Emerique, Lilian Márcia Balmant; Khattar, Semirames; Vinicius de Oliveira, Wagner (2022). Desafios da aldeia indígena Maracanã/rj e a resposta do "Constitucionalismo Democrático Latino Americano”. Jangwa Pana (em espanhol). 21(1). [S.l.]: Universidad del Magdalena 
  13. Werneck, M., & Dodebei, V. A ocupação digital e presencial da Aldeia Maracanã: resistência indígena pelo direito à cidade e o direito à memória. Lugar Comum–Estudos de mídia, cultura e democracia, (46), 18-29.
  14. «Rodrigo Amorim marca motociata com ponto final na aldeia Maraka'nà». Terra. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  15. «Maracanã». Wikcionário. 6 de agosto de 2022. Consultado em 6 de agosto de 2022 
  16. Prefeitura impede Estado de demolir prédio do antigo Museu do Índio (9 de janeiro de 2013). «Prefeitura impede Estado de demolir prédio do antigo Museu do Índio». Consultado em 6 de abril de 2013 
  17. a b c ADUFRJ (22 de Janeiro de 2013). «Museu está ligado à história indígena». Consultado em 6 de abril de 2013 
  18. a b c d e Felipe Werneck/A Tarde (24 de janeiro de 2013). «Marta defende preservação do Museu do Índio no Rio». Consultado em 6 de abril de 2013 
  19. a b c «JFRJ promove audiência pública com grupos indígenas». Consultado em 6 de abril de 2013 
  20. a b c d e «Demolição de Museu do Índio no Rio não faz sentido, diz especialista». 15 de janeiro de 2013. Consultado em 6 de abril de 2013 
  21. a b c d «Polícia inicia retirada de índios da Aldeia Maracanã». 22 de março de 2013. Consultado em 6 de abril de 2013 
  22. a b c d Panela de Pressão. «Pela preservação da cultura indígena na Aldeia Maracanã!». Consultado em 6 de abril de 2013. Arquivado do original em 6 de abril de 2013 
  23. a b c Estadão (29 de janeiro de 2013). «Governo do Rio desiste de demolir Museu do Índio». Consultado em 6 de abril de 2013 
  24. Câmara Municipal do Rio. «PROJETO DE LEI Nº 1536/2012». Consultado em 6 de abril de 2013 
  25. Flavia Vilela e Akemi Nitahara, Repórteres da Agência Brasil (22 de março de 2013). «Governo do Rio pode enfrentar ação judicial por violência na desocupação do Museu do Índio». Consultado em 6 de abril de 2013 
  26. G1 (24 de março de 2013). «Copa e Jogos levam líder do Femen no Brasil a se mudar para o Rio». Consultado em 6 de abril de 2013 
  27. Aldeia Maracanã – A resistência pacífica e cultural contra as políticas de remoções
  28. Jornal do Brasil (26 de março de 2013). «ONG leva desocupação da Aldeia Maracanã à ONU». Consultado em 6 de abril de 2013 
  29. a b O Globo (23 de março de 2013). «Índios retirados da Aldeia Maracanã vão para alojamento em Jacarepaguá neste domingo». Consultado em 6 de abril de 2013 
  30. Jogoslimpos.org (abril de 2013). «Após saída da Aldeia Maracanã, grupos indígenas tem destinos diferentes». Consultado em 6 de abril de 2013. Cópia arquivada em 6 de abril de 2013 
  31. Folha. «Índios retomam Aldeia Maracanã, estopim de protestos de 2013 no Rio». Consultado em 2 de maio de 2017 
  32. PSOL (18 de março de 2013). «Índios e defensores do Maracanã fazem manifestação contra privatização». Consultado em 6 de abril de 2013. Arquivado do original em 6 de abril de 2013 
  33. «Escola top 10 do Rio será demolida, afirma edital». 25 de outubro de 2012. Consultado em 6 de abril de 2013 
  34. «Escola Municipal Friedenreich será transferida para prédio da antiga escola de veterinária do Exército». 8 de novembro de 2012. Consultado em 6 de abril de 2013 
  35. Globo Esporte (6 de novembro de 2012). «Pais e alunos se mobilizam contra retirada de escola Friedenreich do Maracanã». Consultado em 6 de abril de 2013 
  36. Sportv (2 de abril de 2013). «Após fim do Célio de Barros, Lauter lamenta 'perda' do Engenhão: 'Órfão'». Consultado em 6 de abril de 2013 
  37. «'Órfão' Demolição do Célio de Barros gera protestos no Rio». 2 de abril de 2013. Consultado em 6 de abril de 2013