Ampelografia

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Cachos maduros da casta Ripatella.

A ampelografia (do grego clássico Αμπελος, ' vinha' + γραφος, 'descrição') é a disciplina da botânica e da agronomia que estuda, identifica e classifica as variedades, em geral denominadas castas de videira com base na descrição morfométrica das características dos vários órgãos da planta. As características observadas incluem tradicionalmente a forma e coloração das folhas e dos cachos e bagos de uva e a morfologia das estruturas apicais dos rebentos da videira, mas recentemente estas observações, em geral complexas e sujeitas a subjectividade, estão a ser progressivamente substituídas pela determinação do perfil genético das plantas com base no estudo dos seus DNA e RNA. Para padronizar as observações, a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIVV) estabeleceu os 88 descritores que devem ser obtidos num estudo morfométrico completo e que são requeridos para o registo de uma casta. Com base nesse critério são reconhecidas no Mundo cerca de 5 000 castas diferentes de Vitis, das mais de 10 000 que se estima sejam cultivadas, as quais, com a respectiva sinonímia e variantes linguísticas, correspondem a mais de 40 000 nomes registados.

História[editar | editar código-fonte]

Desde o inicio da história do vinho, que os viticultores se têm preocupado em classificar as diferentes variedades de videira que utilizam na sua produção já que o género Vitis é naturalmente complexo e variável, características que foram amplamente exploradas durante milhares de anos de cultivo para seleccionar plantas com características produtivas e enológicas adequadas às diferentes regiões e paladares. Em resultado, existem milhares de variedades distintas, em geral chamadas castas, que sofrem frequentes mutações, originando um número crescente de variedades.

Esta variabilidade, associada ao enorme valor económico e crescente sofisticação da viticultura, cedo despertou um grande interesse pela correcta identificação das castas, variedades e clones existentes, até porque o sucesso das plantações e dos vinhos produzidos de tal depende. Já nos princípios da nossa era, Plínio o Velho descrevia com detalhe mais de 90 variedades de videira no tomo XIV da sua História Natural. Também Columela, no século I, distingue com clareza castas de alta produtividade e castas de produtividade modesta, mas de grande valor gustativo, e elenca cerca de quarenta castas, descrevendo com precisão as suas principais características ampelográficas: forma das folhas e dos sarmentos, resistência às doenças e á secura, produtividade e valor do vinho que produziam[1].

Ao longo do século XIX, particularmente depois do aparecimento de duas pragas que colocaram em perigo a sobrevivência da cultura da vinha: o oídio e a filoxera, a ampelografia foi ganhando carácter científico e crescente importância, já que dela dependia a correcta identificação dos cultivares e a determinação da sua resistência às diferentes patologias.

Particularmente após a grande crise desencadeada pela filoxera, surgiram numerosas obras destinadas a ajudar na identificação de castas, sendo a principal, e ainda hoje uma obra indispensável na disciplina, a Ampélographie française, publicada em 1857 por Victor Rendu, contendo um conjunto de soberbas litografias coloridas à mão da autoria de Eugene Grobon.

Contudo, em geral aceita-se que a ampelografia contemporânea nasceu em Montpellier, no ano de 1940, com o trabalho de Pierre Galet, um professor da École Nationale Supérieure Agronomique de Montpellier, que estabeleceu as técnicas para a identificação das distintas variedades. Enquanto até ali a ampelografia era essencialmente uma arte, o seu método baseia-se numa análise precisa e sistemática da estrutura, forma e cor de diversas partes da planta, como as flores, gomos, pecíolos, folhas e racemos, para além do aspecto, cor e sabor dos bagos.

A obra de Pierre Galet, intitulada Ampélographie Pratique, apareceu em 1952, incluindo 9 600 castas de vinha, sendo traduzida para inglês em 1979, tendo aparecido uma versão actualizada em 2000.

O método de Galet permite validar e corrigir os sinónimos, que são amplamente usados e para detectar diferentes variedades que podem receber o mesmo nome dependendo da região.

Apesar do esforço investido no seu aperfeiçoamento, o método não funciona bem quando se pretende distinguir clones, subvariantes ou mutações. Para além disso, pode induzir em erro quando não é considerado o efeito das diferenças climáticas e das patologias que tenham modificado a morfologia da planta.

Como forma de evitar esses problemas, a ampelografia moderna incorporou a análise genética das variedades logrando assim normalizar os códigos de classificação e eliminar muitas das ambiguidades existentes. Estão em curso esforços internacionais concertados no sentido de analisar sistematicamente o perfil genético das castas conhecidas e estabelecer um modelo de perfilagem genética que elimine as duplicações e as falsas inclusões.

Carole Meredith da University of California em Davis foi pioneira no uso dos perfis genéticos para a identificação de castas de videira. Entre as descobertas mais famosas que obteve com o seu método está a determinação que as vinhas Zinfandel, Primitivo e Crljenak Kaštelanski pertencem a uma única casta, e a identificação das castas ancestrais da Sangiovese como sendo as Ciliegiolo e Calabrese Montenuovo. Estes estudos têm vindo a fornecer interessantes conclusões sobre a história da viticultura e os padrões de migração e comércio que lhe estão associados.

A obtenção do perfil genético utiliza segmentos de DNA que não estão directamente ligados ao aspecto ou sabor das uvas, incluindo genes diferenciadores como os VvMYBA1 e VvMYBA2, que controlam a cor dos bagos, ou o VvGAI1 que diferencia o Pinot meunier do Pinot noir.[2]

O maior centro mundial de ampelografia está sedeado no Domaine de Vassal, no Hérault, França, sendo aí estudadas e preservadas mais de 5 000 castas.

Notas[editar | editar código-fonte]

  1. Antonio Saltini, Storia delle scienze agrarie, vol I, 1984, pag. 69-72.
  2. Paul K. Boss and Mark R. Thomas Association of dwarfism and floral induction with a grape 'green revolution' mutation Boss & Thomas, Nature 416, 847-850 (25 April 2002)

Ver também[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • di Rovasenda Giuseppe, Saggio di Ampelografia Universale (1877),
  • Cavazza Domizio, Viticoltura, in Nuova enciclopedia agraria italiana, Torino 1914
  • Marescalchi Arturo, Dalmasso Giovanni, Storia della vite e del vino in Italia, 3 voll., Unione Italiana Vini, Milano 1931-33-37
  • Saltini Antonio, Per la storia delle pratiche di cantina. I, Enologia antica, enologia moderna: un solo vino, o bevande incomparabili?, in Rivista di storia dell'agricoltura, XXXVIII, n. 1, giu. 1998
  • Saltini Antonio, Per la storia delle pratiche di cantina. II, La tradizione enologica italiana dal ritardo secolare alle ambizioni di eccellenza, in Rivista di storia dell'agricoltura, XXXVIII, n. 2, dic. 1998
  • Seltman Charles T., Wine in the ancient world, Routledge & Paul, London 1957
  • Viala Pierre, Traité generale de viticulture. Ampelografie, 7 voll., Masson & C., Paris 1901-10
  • Zaccaria Demetrio, Sulla potatura della vite al tempo degli Arabi di Ibn al-Awwa^m, in Quaderni Viticoltura e Enologia, Università di Torino, 4, Torino 1980
  • Rendu, Victor (1857) Ampélographie française Paris
  • Galet, Pierre (1952) Précis d’Ampélographie Pratique
  • Galet, Pierre trans. Lucie Morton (1979) A Practical Ampelography: Grapevine Identification Cornell University Press The long-overdue English translation
  • Galet, Pierre ed. Pierre Roller (2000) Dictionnaire encyclopédique des cépages Hachette ISBN 2012363318 is an updated version
  • Galet, Pierre (2002) Grape Varieties: A Study of Wine, Hachette Wine Library (Cassell), ISBN 0304364096 is a decent summary in English.
  • Kerridge, George & Antcliff, Allan (1999) Wine Grape Varieties CSIRO Publishing, ISBN 0643059822 is a good book from Australia aimed at growers
  • Jancis Robinson's Guide to Wine Grapes (OUP, ISBN 0198600984) versão de Vines, Grapes & Wines: The Wine Drinker's Guide to Grape Varieties