Atomismo

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A ideia do Vórtice é um dos aspectos mais significativos do pensamento epicurista, que o considerava um ponto de convergência dos átomos para a formação dos mundos.

Atomismo (em grego clássico: ἄτομον atomon o que não pode ser cortado, indivisível[1][2][3]) é uma filosofia natural que se desenvolveu em várias tradições antigas. Os atomistas teorizaram que a natureza consiste em dois princípios fundamentais: átomo e vazio. Ao contrário de seu homônimo científico moderno em teoria atômica, os átomos filosóficos vêm em uma variedade infinita de formas e tamanhos cada uma delas sendo indestrutíveis, imutáveis e cercadas por um vazio onde colidem com os outros ou se reúnem em juntos formando arranjos. O aglomerado de diferentes formas, arranjos e posições dão origem a várias substâncias macroscópicas no mundo.[4][5]

Referências ao conceito de atomismo e seus átomos são encontrados na Índia antiga e Grécia Antiga. Na Índia as escolas atomistas Jainistas,[6][7] Ajivika e Carvaka remontam ao século VI a.C..[8] As escolas Nyaya e Vaisheshika desenvolveram teorias sobre como os átomos se combinavam para formar objetos mais complexos.[9] No Ocidente, o atomismo surgiu no século V a.C., com Leucipo e Demócrito.[10] A questão sobre se cultura indiana influenciou gregos ou vice-versa, ou se ambos evoluíram de forma independente ainda está em disputa.[11]

História[editar | editar código-fonte]

Atomismo grego antigo[editar | editar código-fonte]

A teoria atomista se desenvolve em algum após a metade do século V a. c., por obra de Leucipo e Demócrito, cujas elaborações filosóficas são dificilmente separáveis nos registros transmitidos e preservados.[12] Sua formação conceitual guarda similaridades com as elaborações precedentes de Anaxagoras e Empédocles acerca da pluralidade de entidades irredutiveis, cujo movimento de composição e decomposição explica o movimento testemunhado no mundo dos fenômenos. Diferentemente desses filósofos, porém, o atomismo considera essas entidades como infinitas em número e indivisíveis, variando em forma, tamanho e possivelmente também em seu peso. Essas são particulas plenas e internamente unificadas, chamadas, por inspiração da teoria parmenideana do Ser, de 'aquilo que é', ou simplesmente Ser, que existem circulando no vácuo, chamado de vázio ou de não-ser. Esses dois conceitos formam a base simples do mundo, onde todo o resto decorre de suas misturas e composições.[13] Fragmentos preservados atribuidos aos primeiros atomistas, como o transmitido por Galeno, "Por convenção doce, e por convenção amargo, por convenção quente, por convenção frio: na realidade átomos e vácuo" (DK 68B9 = B125), demonstram a distinção colocada entre a percepção humana e a constituição própria das coisas, onde 'convenção' tem um sentido análogo ao de qualidade secundária,[14] como também o relativo ceticismo dos atomistas em relação ao conhecimento empírico.[15]

O conceito de vácuo destaca-se pelas dificuldades filosóficas que carrega, dado que deve, para que a teoria tenha validade, ser tão real e conhecível quanto o átomo, ainda que as evidências apontem que os atomistas chamavam-o de 'não-ser' ou 'aquilo que não é', o que implica uma contradição de termos em contraste com a influência eleática do atomismo. Entretanto, outros fragmentos indicam que Demócrito verdadeiramente considerava o vácuo como existente (hupostasis) e dotado de uma natureza própria (phusis), e afirmava que um corpo não 'seria mais' que o vácuo.[14] A ideia do vazio é essencial à teoria atomista, pois possibilita a ideia de movimento, a existência dos átomos enquanto unidades separadas, como também a dinâmica de corpos complexos - a doxografia testemunha que os atomistas explicavam a diferença de dureza e resistência dos metais como consequência do arranjo dos átomos que os contituem, diferindo por suas ligações mais ou menos esparsas; no mesmo sentido, é possível que Demócrito tenha afirmado que corpos macroscópicos tenham um tendência à se mover para o vácuo em razão da menor resistência oferecido, outra demonstração do efeito do vácuo na dinâmica dos corpos.[15]

Leucipo[editar | editar código-fonte]

Leucipo de Abdera[16] (em grego clássico: Λεύκιππος; primeira metade do século V a.C.) foi um filósofo grego. Tradicionalmente, Leucipo é considerado o mestre de Demócrito de Abdera e, talvez, o verdadeiro criador do atomismo (segundo a tese de Aristóteles), que relatava que uma matéria pode ser dividida até chegar a uma pequena partícula indivisível chamada átomo.

Demócrito[editar | editar código-fonte]

Demócrito de Abdera (em grego clássico: Δημόκριτος, Dēmokritos, "escolhido do povo"; ca. 460 a.C.370 a.C.) foi um filósofo pré-socrático da Grécia Antiga. Nasceu na cidade de Mileto ou Abdera, viajou pela Babilônia, Egito e Atenas, e se estabeleceu em Abdera no final do século V a.C.. Do ponto de vista filosófico, a maior parte de suas obras (segundo a doxografia) tratou da ética e não apenas da physis (cujo estudo caracterizava os pré-socráticos).

Demócrito foi discípulo e depois sucessor de Leucipo de Mileto. Sua fama decorre do fato de ele ter sido o maior expoente da teoria atômica ou do atomismo. De acordo com essa teoria, tudo o que existe é composto por elementos indivisíveis chamados átomos (do grego, "a", negação e "tomo", divisível. Átomo= indivisível). Não há certeza se a teoria foi concebida por ele ou por seu mestre Leucipo, e a ligação estreita entre ambos dificulta a identificação do que foi pensado por um ou por outro. Todavia, parece não haver dúvidas de ter sido Demócrito quem de fato sistematizou o pensamento e a teoria atomista. Demócrito avançou também o conceito de um universo infinito, onde existem muitos outros mundos como o nosso.

Embora amplamente ignorado em Atenas durante sua vida, a obra de Demócrito foi bastante conhecida por Aristóteles, que a comentou extensivamente. É famosa a anedota de que Platão detestava tanto Demócrito que queria que todos os seus livros fossem queimados.[17][18] Séculos mais tarde, na era moderna, filósofos marxistas contraporão o materialismo de Demócrato contra o idealismo de Sócrates. Há anedotas segundo as quais Demócrito ria e gargalhava de tudo e dizia que o riso torna sábio,[19][20] o que o levou a ser conhecido, durante o renascimento, como "o filósofo que ri".

Na Grécia Antiga, Protágoras de Abdera teria sido seu discípulo direto[21] e, posteriormente, o principal filósofo influenciado por ele foi Epicuro. No Renascimento, muitas de suas ideias foram aceitas (por, por exemplo, Giordano Bruno) e tiveram um papel importante durante o Iluminismo. Muitos consideram que Demócrito é "o pai da ciência moderna".[22]

Epicurismo[editar | editar código-fonte]

Ver também: Epicurismo

O epicurismo (cujos representantes principais foram Epicuro e Lucrécio), que teve uma ampla difusão na antiguidade, foi influenciado pelo atomismo de Demócrito, mas com grandes mudanças. A principal diferença foi o abandono da ideia de turbilhão de átomos e a afirmação de que os átomos possuem peso e que, por isso, os átomos percorrem linhas retilíneas paralelas, tal como objetos em queda livre. Ocasionalmente, cada átomo exibe espontaneamente um desvio mínimo da linha reta indeterminado e imprevisível, desvio esse chamado clinamen. Esse desvio mínimo é que explicaria o choque e encontro entre os átomos.

Lucrécio, filósofo epicurista latino, cuja obra De rerum natura serviu de referência do pensamento atomista na modernidade.

Temas[editar | editar código-fonte]

Geometria e átomos[editar | editar código-fonte]

Elemento Poliedro Faces Triângulos
Fogo Tetraedro

(Animação)

Tetrahedron 4 24
Ar Octaedro

(Animação)

Octahedron 8 48
Água Icosaedro

(Animação)

Icosahedron 20 120
Terra Cubo

(Animação)

Hexahedron (cube) 6 24
Corpos geométricas simples, de acordo com Platão,Timeu[23]

Platão compôs sua teoria física sobre a constituição do universo baseando-se em um modelo geométrico, ele percebeu que uma teoria da natureza apenas aritmética era impossível e que era então preciso um novo método matemático para a descrição do mundo, assim, encorajou o desenvolvimento de um método geométrico que veio até mesmo a influenciar Euclides. A teoria platônica propôs uma versão geométrica para a teoria atômica, usando o triângulo como o elemento básico de seu modelo de partículas elementares e partir dele construiu os sólidos geométricos.[24] Cada elemento de Empédocles foi associado a um sólido geométrico em partícula, assim o cubo fora associado à terra por ser o mais imóvel dos quatro elementos; então pela ordem da estabilidade: o icosaedro à água, o octaedro ao ar e o tetraedro ao fogo.[25]







Referências[editar | editar código-fonte]

  1. ἄτομον. Liddell, Henry George; Scott, Robert; A Greek–English Lexicon no Perseus Project
  2. «atom». Online Etymology Dictionary 
  3. O termo "atomismo" é registrado no Inglês desde 1670/1680 (Random House Webster's Unabridged Dictionary, 2001, "atomism").
  4. Aristotle, Metaphysics I, 4, 985b 10–15.
  5. Berryman, Sylvia, "Ancient Atomism", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2008 Edition), Edward N. Zalta (ed.), http://plato.stanford.edu/archives/fall2008/entries/atomism-ancient/
  6. Gangopadhyaya, Mrinalkanti (1981). Indian Atomism: History and Sources. Atlantic Highlands, New Jersey: Humanities Press. ISBN 0-391-02177-X. OCLC 10916778 
  7. Iannone, A. Pablo (2001). Dictionary of World Philosophy. [S.l.]: Routledge. pp. 83,356. ISBN 0-415-17995-5. OCLC 44541769 
  8. Thomas McEvilley, The Shape of Ancient Thought: Comparative Studies in Greek and Indian Philosophies ISBN 1-58115-203-5, Allwarth Press, 2002, p. 317-321.
  9. Richard King, Indian philosophy: an introduction to Hindu and Buddhist thought, , Edinburgh University Press, 1999, ISBN 0-7486-0954-7, pp. 105-107.
  10. The Atomists, Leucippus and Democritus: Fragments - A Text and Translation with a Commentary. University of Toronto Press; 2010. ISBN 978-1-4426-1212-9. p. 157–158.
  11. Teresi, Dick (2003). Lost Discoveries: The Ancient Roots of Modern Science. [S.l.]: Simon & Schuster. pp. 213–214. ISBN 0-7432-4379-X 
  12. Warren & Sheffield 2014, p. 197.
  13. Gill & Pellegrin 2006, p. 47.
  14. a b Gill & Pellegrin 2006, p. 48.
  15. a b Gill & Pellegrin 2006, p. 49.
  16. Durant, Will. A filosofia de Aristóteles. Rua Nova Jerusalém, 345 — RJ: Editora Tecnoprint S. A. p. 68 
  17. Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres
  18. RUSSELL, BERTRAND (1972). A History of Western Philosophy, Simon & Schuster.
  19. Cartas do Pseudo-Hipócrates, IV, XXXII, século I dC
  20. Seneca, de Ira, ii.10; Aelian, Varia Historia, iv.20.
  21. Encyclopedia.com - FREE online dictionary (ed.). «Democritus – Dictionary definition of Democritus». Consultado em 2 de Abril de 2010 
  22. Pamela Gossin, Encyclopedia of Literature and Science, 2002.
  23. Platão. Timeu e Critias ou a Atlantida. Hemus; 2002. ISBN 978-85-289-0281-5. p. 49–50.
  24. «2.000 Atome an zwei Orten gleichzeitig». medienportal.univie.ac.at (em alemão). Consultado em 26 de julho de 2020 
  25. Antonio S.T. Pires. Evolução das Idéais da Fisica. Editora Livraria da Fisica; ISBN 978-85-88325-96-8. p. 30–31.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Shields, Christopher (2012). Ancient Philosophy - A contemporary introduction (em inglês). [S.l.]: Routledge. ISBN 978-0-415-89659-7 
  • Shields, Christopher, ed. (2003). The Blackwell Guide to Ancient Philosophy (em inglês). [S.l.]: Blackwell. ISBN 978-0-631-22215-6 
  • Ierodiakonou, Katerina, ed. (2002). Byzantine Philosophy and its Ancient Sources (em inglês). [S.l.]: Oxford University Press 
  • Vesperini, Pierre (2019). La philosophie antique - Essai d'histoire (em francês). [S.l.]: Fayard. ISBN 978-2-213-68007-1 
  • Dumond, Jean-Paul (2012). La philosophie antique (em francês). [S.l.]: Presses Universitaires de France 
  • Mattéi, Jean-François (2015). La pensée antique (em francês). [S.l.]: Presses Universitaires de France 
  • Gill, Mary Louise; Pellegrin, Pierre, eds. (2006). A companion to ancient philosophy (em inglês). [S.l.]: Blackwell 
  • Johansen, Karsten Friis (1998). A history of ancient philosophy: from the beginnings to Augustine (em inglês). [S.l.]: Routledge 
  • Warren, James; Sheffield, Frisbee, eds. (2014). Routledge companion to ancient philosophy (em inglês). [S.l.]: Routledge 
  • Pullman, Bernard (1998). The Atom in the History of Human Thought (em inglês). [S.l.]: Oxford University Press 
  • Katerina Kolozova; Stanimir Panayotov, An Atomist Genealogy of New Materialism, Wikidata Q116602572