Balborinho

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O balborinho[1] (grafias alternativas borborinho[2], barborinho ou belborinho[3][4]) é um ser mítico do folclore português. O balborinho é um redemoinho de vento que surge nas horas abertas, principalmente nas encruzilhadas dos caminhos.[1] Dentro do balborinho vão as almas penadas de campesinos que cometeram delitos agrários[5], e não podem entrar no céu por estarem em dívida para com os vivos, tendo necessidade de lhes restituir o que surripiaram. [2]

Relatos etnográficos[editar | editar código-fonte]

Vários etnólogos e antropólogos portugueses do século XIX e XX, dos quais se destacam José Leite de Vasconcellos, Teófilo Braga, Adolfo Coelho e Pedro Tudella, recolheram um vasto rol de relatos junto de populares, de Norte a Sul de Portugal, a respeito das mais variadas críptides do folclore português, incluindo, naturalmente, o Balborinho.[6]

Dentre esses relatos, sobressaem os seguintes:

Em várias zonas do país, no século XIX, havia a crença de que no seio dos balborinhos surgem diabos e bruxas. A forma de espaventar estes seres que provêm do balborinho, porém, variava de terra para terra.[7]

  • Em Briteiros, a recomendação que se fazia era persignar-se, enquanto se lhes dizia a seguinte invocação: «Vai-te para quem te comeu as leiras». Acreditando-se que as palhas levantadas pelos balborinhos designam terras que foram usurpadas aos seus donos. [8]
  • Em Moncorvo, por sua vez, recomendava-se atirar um canivete aberto ao centro do redemoinho de vento, a fim de esmadrigar de dentro do balborinho a Feiticeira ou Bruxa, que nele se ocultava.[9]
  • No Minho em geral há referências a esta prática de lançar uma navalha ou faca ao centro do redemoinho, identificado como balborinho, por molde a dissipá-lo.[10]
  • Em Fafe a táctica para escorraçar os balborinhos era persignar-se, enquanto se proferia a invocação: «Credo, santo nome de Jesus!»[11]
Bolborinho do peccado/

Vae-te co Santigo;/

Bolborinho do demonho/

Vae-te co Sant'Antonho.
  • Em Guimarães era crendice popular que em cada folha arrebatada ao vento de um balborinho ia um diabo.[13]
  • Na Beira Alta onde lhe chamam «belborinho», descrevem-no como uma violenta rajada de vento, circunscrita a uma área exígua, capaz de arrebatar e levar consigo medas de palha inteiras, estralejando. Associa-se este inusitado fenómeno meteorológico à intervenção do diabo.[14]
  • No Carregal do Sal, para rechaçar o belborinho, usava-se a invocação: «Penico! Caqueiro velho! Vai para o Inferno! Santo Nome de Jesus!»[15][4]

Abonações literárias[editar | editar código-fonte]

Na obra «Tradições» de Adolfo Coelho, consta a seguinte passagem, alusiva ao balborinho:

"Empinando o sol, nas horas abertas, quando o grande Pan está a dormir, levanta-se ás vezes inopinadamente — de preferência nas encruzilhadas — um forte redemoinho de vento: balborinho, borborinho, berbrinho, besbrinho. N'esse caso, benzendo-nos, e depois de uma devota e benefica conjuração: Santo Nome de Jesus ! Credo ! Abrenuncio ! Vae-te para quem te comeu as leiras ! devemos seguil-o com a vista, observando onde as palhinhas e folhas acarretadas pelo vento forem cahir, na certeza que é lá que se cometteu qualquer maleficio agrario, que incumbe sanar, — está bem visto em caso que resolvamos remir a alma atormentada do malfeitor que assim nos falla e implora."[16]

No romance gráfico português, de 1987, «Mataram-no duas vezes - A lei do Trabuco e do Punhal», de Luis Avelar e Pedro Massano, à página 9, há a representação de dois bandoleiros da quadrilha de João Brandão, do século XIX, no rescaldo da guerra civil portuguesa, a dissipar um balborinho lançando-lhe uma navalha.[17]

Analogias mitológicas[editar | editar código-fonte]

Dentro do rol do folclore tradicional português, o balborinho assemelha-se ao rosemunho, manifestando-se ambos sob a forma de redemoinho, diferindo antes na sua etiologia, na hora da sua ocorrência e na forma de se dissiparem.[18] O autor Miguel Abrantes entende que ambas são a mesma entidade folclórica, apenas com nomes diferentes[1], ao passo que Teófilo Braga, por seu turno, as entendia como duas entidades distintas.[18]

José Leite de Vasconcellos, na sua obra «Tradições populares de Portugal», ao coligir as tradições orais populares a respeito do balborinho, faz uma analogia com outras tradições folclóricas de outras culturas, que poderão ter influído nesta superstição popular portuguesa.[19]

Concretamente, socorre-se dos estudos do antropólogo britânico Edward Burnett Tylor, para fazer um paralelismo entre o balborinho e a crença muçulmana de que as trombas de areia (remoinhos ou tornados que se formam no deserto) se tratam de djinn em fuga. Servindo-se da mesma obra de Tylor, alude ainda aos p'hepo do Sael e ao Boungie congolês, ambos espíritos ou demónios do vento, que se manifestam sob a forma de torvelinho.[20]

Na esteira do paralelismo traçado por José Leite de Vasconcellos, é digno de menção que Adolfo Coelho, na sua obra «Obra Etnolográfica: Festas, Costumes e Outros Materiais para uma Etnologia de Portugal», no capítulo epigrafado «As Superstições Portuguesas», ao discorrer a respeito das propriedades apotropaicas do ferro, na superstição popular portuguesa, mencionou o exemplo do balborinho, dissipado pela navalha.[21] O que deu ensejo a uma nova analogia, desta vez, a respeito dos felás egípcios que, à guisa da sobredita crença muçulmana, ao deparar-se com trombas de areia, também julgavam tratar-se de um djinn, pelo que para o escorraçar tinham de entoar a invocação: «Ferro, o malévolo».[22]

Referências

  1. a b c Abrantes, Miguel Carvalho (2023). Monstros da Mitologia Popular Portuguesa (em Portuguese). Lisboa: Amazon. p. 261. 821 páginas 
  2. a b Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «Tambem se cuida que no balborinho (borborinho) vão, não tanto os Diabos , como as almas penadas que não entraram no ceu por não fazerem certas restituições aos vivos.»
  3. Gandra, Manuel J. (2007). Portugal Sobrenatural: Deuses, Demónios, Seres Míticos, Heterodoxos, Marginados, Operações, Lugares Mágicos e Iconografia da Tradição Lusíada. Barreiro: Ésquilo. p. 490. 538 páginas. ISBN 978-989-809-218-2 
  4. a b Tudella, Pedro (1966). Beira Alta vol.25. Viseu: Junta Distrital de Viseu. p. 431 
  5. Gandra, Manuel J. (2007). Portugal Sobrenatural: Deuses, Demónios, Seres Míticos, Heterodoxos, Marginados, Operações, Lugares Mágicos e Iconografia da Tradição Lusíada. Barreiro: Ésquilo. p. 476. 538 páginas. ISBN 978-989-809-218-2  «Alma penada de camponês que tenha cometido qualquer delito agrário»
  6. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas 
  7. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «Quando se produz um redomoinho de vento, a que o povo na Beira-Alta e noutras partes chama borborinho, acredita-se que então anda no ar o Diabo , ou Bruxas ou qualquer cousa má .»
  8. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «(...)mas principalmente : vae-te para quem te comeu as leiras ! Fazem - lhe cruzes, e acompanham depois com a vista a quéda das palhas levantadas pelo vento ; onde ellas caem cuida-se que foi o silio em que houve roubo de terra (Briteiros)»
  9. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «(...) ou atira -se -lhes com um canivete aberto , - e nesse caso sae do borborinho uma Feiticeira (talvez Bruxa ). (Moncorvo)»
  10. Braga, Teófilo (1885). O povo portuguez nos seus costumes, crenças e tradições. Lisboa: Livraria Ferreira - Editora. p. 170. 558 páginas  «Muitos fenómenos naturais acham-sepersonificados, como o vento no Balborinho, ao qual se atiracom um canivete aberto (Minho);»
  11. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «(...) Para estes seres fugirem , faz- se uma cruz com a mão, ou diz -se : Credo, santo nome de Jesus ! ( Fafe)»
  12. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «Em S. Pedro do Sul dizem ao balborinho, para elle fugir: Bolborinho do peccado/Vae-te co Santigo;/Bolborinho do demonho/Vae-te co Sant'Antonho.»
  13. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «Em Guimarães ouvi dizer que quando o barborinho levanta muitas folhas , vae um Diabo em cada folha»
  14. Gandra, Manuel J. (2007). Portugal Sobrenatural: Deuses, Demónios, Seres Míticos, Heterodoxos, Marginados, Operações, Lugares Mágicos e Iconografia da Tradição Lusíada. Barreiro: Ésquilo. p. 516. 538 páginas. ISBN 978-989-809-218-2  «Termo adoptado na Beira Alta para denominar uma rajada fortíssima de vento, localizada num espaço limitado de terreno, que chega a levantar e levar medas inteiras de palha pelo ar. Por vezes, associado a este fenómeno, regra geral atribuído ao *diabo, ocorrem estalidos e até estrondos»
  15. Gandra, Manuel J. (2007). Portugal Sobrenatural: Deuses, Demónios, Seres Míticos, Heterodoxos, Marginados, Operações, Lugares Mágicos e Iconografia da Tradição Lusíada. Barreiro: Ésquilo. p. 517. 538 páginas. ISBN 978-989-809-218-2  "Em Carregal do Sal, para afastar um belborinho, gritam-lhe: «Penico! Caqueiro velho! Vai para o Inferno! Santo Nome de Jesus!»"
  16. Coelho, Adolpho (1899). A Tradição. Lisboa: Typographia Adolpho de Mendonça & Duarte. p. 26 
  17. Massano, Pedro (1987). Mataram-no Duas Vezes - A lei do trabuco e do punhal. Lisboa: Europress. p. 9. ISBN 978-972-559-099-7 
  18. a b Braga, Teófilo (1885). O povo portuguez nos seus costumes, crenças e tradições, Volume 2. Porto: .Livraria Ferreira. pp. 151–155. «À hora do meio dia encontram pelas estradas, nas encruzilhadas, umas cousas más, que se chamam rosemunhos (remoinhos). O resemunho é como uma poeirada: leva paus, pedras, e se apanha alguma pessoa no meio, leva-a também pelos ares, mas se a pessoa trouxer umas contas na algibeira e as atirar à tal cousa má, não lhe acontece mal algum.» 
  19. Leite de Vasconcelos, José (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Typographia Occidental. p. 47. 350 páginas  «Os musulmanos pensam que as trombas de areia no Deserto são levantados pela fuga de um máo djinn ; e ao E . d 'Africa chamão lhes demonios ( p'hepo). ( Tylor , - Civil. Primit., p . 335 -6 ). O vento, no Congo , é personificado em Boungie.»
  20. Burnett Tylor, Edward (1871). Primitive culture. London: J. Murray. p. 335-6 
  21. Coelho, Adolfo (1993). Obra etnográfica: Festas, costumes e outros materiais para uma etnologia de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote. p. 445-469. 748 páginas 
  22. Coelho, Adolfo (1993). Obra etnográfica: Festas, costumes e outros materiais para uma etnologia de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote. p. 428. 748 páginas  «Quando o fellah vê levantar-se um turbilhão ou uma tromba de areia grita para o dchin que crê estar assentado nesse turbilhão ou tromba: «Ferro, o malévolo» e julga ficar seguro»

Ver também[editar | editar código-fonte]

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