Boémia (estilo de vida)
Boêmia, boemia (português brasileiro) ou boémia (português europeu)[1] deriva do francês bohème o habitante da Boêmia e do topônimo latino medieval Bohemus do latim clássico Boihaemum, o país dos Boii, povo celta na Europa central.
No século XV, passou a significar também 'cigano' ou membro de tribos nômades supostamente originárias da Boêmia.
Já no século XVII, com Tallemant des Réaux, bohème passa a designar também o indivíduo "que leva uma vida desregrada", num estilo de vida caracterizado pela despreocupação com relação a bens materiais, a grandes projetos, às normas. Era para descrever uma vida à margem da sociedade e cultivar uma nova forma de liberdade de pensamento, e uma preocupação de usar nomeadamente roupas excêntricas.
O termo passa, por empréstimo, do francês ao português, na acepção do século XVII: 'vagabundo, indivíduo de vida desregrada' ou não convencional, eventualmente ligado às artes ou à literatura, ou mero aventureiro que vivia de forma despreocupada.[2][2]
Nesse sentido, mais tarde, no século XIX surge um movimento artístico e literário, constituído à margem do movimento romântico, mais "aristocrático" e fora do uso da sua época.
Será Balzac, que em 1844, ao escrever Um Príncipe da Boémia, faz rasgados elogios a tal juvenil comportamento: «A palavra Boémia diz tudo. Ela não tem nada e vive de tudo. A esperança é a sua religião, a fé em si mesma é o código, a caridade o seu orçamento. Todos esses jovens são maiores do que o seu infortúnio, abaixo da sorte, mas acima do destino».
Segundo Jerrold Seigel, trata-se de um fenômeno social e literário que teve lugar em diversos pontos do planeta e em diferentes épocas. O autor considera a boêmia como uma manifestação de jovens burgueses[3] que, no século XIX e sobretudo nas décadas de 1830 e 1840 na França, buscavam um estilo de vida especial e que se tornou popular principalmente a partir dos escritos de Henri Murger,[4] autor de Scènes de la vie de bohème. O romance foi escrito a partir das experiências de Mürger como um escritor pobre vivendo na Paris de meados do século XIX. A obra inspirou a famosa ópera La Bohème, de Puccini.
No Rio de Janeiro do séc. XIX, a experiência boêmia carioca vinculava-se imediatamente à experiência boêmia de Paris, surgida no contexto das revoluções de 1848. "Boêmia" se torna sinônimo da vida que levavam os jovens intelectuais e artistas sem fortuna, num momento histórico que, também nos trópicos, é marcado por grandes transformações sociais, políticas e estéticas.[5]
Referências
- ↑ O Dicionário Houaiss registra a forma 'boemia' como "menos correta e mais usada que boêmia" (no Brasil). Da mesma forma, no Dicionário Aurélio (1ª edição), a forma 'boemia' é citada como sendo "comuníssima no Brasil ,embora não oficial". Atualmente, as duas formas, 'boêmia' e 'boemia' estão incluídas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL.
- ↑ a b Luiz Antonio Sacconi, Mini-Dicionário Sacconi, p.108
- ↑ SEIGEL, 1992, p. 19-20
- ↑ NUNES, Elton; MENDES, Leonardo, p. 2.
- ↑ NUNES, Elton; MENDES, Leonardo, p.1
- NUNES, Elton; MENDES, Leonardo. O Rio de Janeiro no Fim do Século XIX: Modernidade, Boêmia e o Imaginário Republicano no Romance de Coelho Neto.
- SEIGEL, Jerrold. Paris boémia: cultura, política e os limites da vida burguesa. 1830-1930. Porto Alegre: L&PM, 1992.
Ver também
Ligações externas
- «Les "Bobos", critique d'un faux concept». . Crítica do livro Les Bobos - Les bourgeois bohèmes, de David BROOKS, 2000 por Anne Clerval. (em francês).
- «L'orgie bohème» (em francês). , por Anthony Glinoer .
- «Construction d'enquête et définition des groupes sociaux. Réflexions à partir de Bohemian Paris, de Jerrold Seigel» (em francês). , por Cyprien Tasset .