Célula ciliada

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Células ciliadas são os receptores sensoriais do sistema auditivo e estão presentes em todos os vertebrados, através da mecanotransdução. As células ciliadas detectam movimento em seu ambiente.[1] Em mamíferos, as células ciliadas auditivas são localizadas no órgão de Corti, numa fina membrana basilar, na cóclea da orelha interna. Seu nome é dado devido aos tufos de estereocílios que se projetam a partir da superfície apical das células, uma estrutura conhecida como feixe ciliar, em direção à escala média, um tubo preenchido por fluido dentro da cóclea. As células da cóclea de mamíferos são de dois tipos, anatômica e funcionalmente diferentes, que correspondem às células ciliadas internas e externas. Danos a estas células resultam em sensibilidade auditiva diminuída e, como tais células não se regeneram em mamíferos, o dano é permanente.[2] Outros organismos, como o peixe-zebra, por exemplo, possuem células ciliadas capazes de regenerar.[3]

Feixes ciliares como detectores e amplificadores de som[editar | editar código-fonte]

Pesquisadores demonstraram que as células ciliadas externas não mandam sinais neurais diretamente ao cérebro, mas sim amplificam o som que entra na cóclea. Essa amplificação pode ser alimentada pelo movimento das fibras ciliadas ou por motilidade do corpo celular ativada por eletricidade. As células ciliadas internas transformam as vibrações sonoras nos fluidos cocleares em sinais elétricos que são então retransmitidos através do nervo auditivo até as zonas auditivas no tronco encefálico e no córtex.

Resultados indicam ainda que mamíferos aparentemente conservam um tipo evolutivamente antigo de motilidade de célula ciliada. A chamada mobilidade do feixe ciliar amplifica sons em todos os vertebrados terrestres não-mamíferos. Ela é afetada pelo mecanismo de fechamento de canais iônicos mecanossensoriais no ápice dos feixes ciliares. Consequentemente, o mesmo mecanismo que detecta vibrações sonoras também "vibra de volta" causando amplificação do som fraco incidente.

Células ciliadas internas: do som até o sinal nervoso[editar | editar código-fonte]

Secção através do órgão de Corti, mostrando células ciliadas internas (inner) e externas (outer)

A deflexão dos esterocílios das células ciliadas abre canais iônicos mecânicos que permitem a entrada de quaisquer íons pequenos e positivamente carregados (principalmente potássio e cálcio) na célula.[4] De forma diferente de outras células eletricamente ativas, as células ciliadas não disparam potenciais de ação. No lugar disso, o influxo de íons positivos da endolinfa na escala média resulta em um potencial receptor. Este potencial leva à abertura de canais de cálcio dependentes de voltagem. Assim, íons de cálcio entram na célula e levam à liberação de neurotransmissores na extremidade basal da célula.

Os neurotransmissores difundem-se no espaço estreito entre a célula ciliada e o terminal nervoso, onde encontram receptores e, instantaneamente, estimulam o disparo de potenciais de ação no nervo. Dessa forma, o sinal mecânico do som é convertido em um sinal elétrico nervoso. A repolarização das células ciliadas também é feita de maneira especial. A perilinfa na escala timpânica tem uma concentração muito baixa de íons positivos. O gradiente eletroquímico, então, faz tais íons fluírem por canais para a perilinfa.

As células ciliadas possuem um vazamento constitutivo de Ca2+. Esse vazamento causa uma liberação tônica de neurotransmissor para as sinapses. Acredita-se que essa liberação tônica é o que permite à célula ciliada responder tão rapidamente a estímulos mecânicos. A agilidade da resposta nas células ciliadas pode também ser devido à capacidade delas de aumentar a quantidade de neurotransmissor liberado em resposta a mudanças de míseros 100 μV  no potencial de membrana [5]

Células ciliadas externas: pré amplificadores acústicos[editar | editar código-fonte]

Nas células ciliadas externas de mamíferos, o potencial receptor provoca vibrações ativas do corpo celular. Essa resposta mecânica a sinais elétricos é denominada eletromotilidade somática[6]  e gera oscilações no comprimento celular, o que ocorre na frequência de som recebida e provê uma amplificação mecânica de "feedback" .Um vídeo de uma célula ciliada externa isolada se movendo em reposta a estímulo elétrico pode ser visto aqui: link. Células ciliadas externas são encontradas apenas em mamíferos. Enquanto a sensibilidade auditiva de mamíferos é similar às das outras classes de vertebrados, sem tais células nossa sensibilidade diminuiria em aproximadamente 50 dB. Células ciliadas externas conseguem estender o espectro auditivo até 200 kHz em alguns mamíferos marinhos.[7] Elas também potencializam a seletividade de frequência (discriminação de frequências), o que é especialmente importante para os seres humanos, devido às habilidades musicais e de comunicação vocal sofisticadas 

O efeito desse sistema é a amplificação não-linear de sons quietos mais que sons largos, fazendo que um grande espectro de pressões sonoras possa ser reduzido a um intervalo muito menor  de deslocamentos ciliares.[8] Essa capacidade de amplificação é chamada de amplificador coclear.

A biologia molecular das células ciliadas presenciou progressos consideráveis nos últimos anos, com a  identificação da proteína motora (prestina) que possibilita  a eletromotilidade somática nas células ciliadas externas. Santos-Sacchi et al. mostraram que a função da prestina é dependente de sinalização de canais de cloreto e é comprometida pelo pesticida marinho comum tributil estanho (TBT). Como essa classe de compostos passa por um processo de bioacumulação na cadeia alimentar, o efeito é pronunciado em predadores marinhos como orcas e baleias dentadas[9]

Conexão neural[editar | editar código-fonte]

Os neurônios do nervo auditivo ou vestibulococlear(nervo craniano nº VIII) inervam as células cocleares e vestibulares.[10] Acredita-se que o  neurotransmissor liberado pelas células ciliadas e que estimula os neuritos dos neurônios aferentes é o glutamato. Na junção pré-sináptica, há um corpo denso pré-sináptico bem distinto. Esse corpo denso é rodeado por vesículas sinápticas e provavelmente auxilia na liberação rápida de neurotransmissores.

A inervação das células internas é muito mais densa que das células externas. Cada célula ciliada interna é inervada por numerosas fibras nervosas, enquanto uma fibra nervosa única inerva diversas células ciliadas externas. As fibras que inervam as células internas também são altamente mielinizadas, em contraste com as outras, não mielinizadas. A região da membrana basilar que fornece os 'inputs' para uma fibra aferente particular pode ser considerada o seu campo receptivo.

Projeções eferentes do cérebro para a cóclea também tem um papel importante na percepção do som. As sinapses eferentes ocorrem nas células ciliadas externas e as aferentes (em direção ao cérebro) ocorrem logo abaixo das células internas. O botão terminal pré-sináptico é carregado com vesículas contendo acetilcolina e um neuropeptídeo chamado peptídeo relacionado ao gene da Calcitonina (do inglês, CGRP). Os efeitos desses compostos são variados, hiperpolarizando algumas células ciliadas, reduzindo a sensibilidade local da cóclea.

Rebrotamento[editar | editar código-fonte]

A pesquisa na área da regeneração de células cocleares pode levar a tratamentos que recuperam a audição. De forma dissimilar a peixes e pássaros, humanos e outros mamíferos são geralmente incapazes de regenerar as células da orelha interna que convertem som em sinais sonoros quando tais células são danificadas por doença ou pela idade[11][12] Pesquisadores estão fazendo progresso nas áreas de terapia gênica e com células tronco que podem eventualmente permitir a regeneração de tais células. Como as células ciliadas dos sistemas auditivo e vestibular de pássaros e peixes regeneram, suas habilidades vem sendo estudadas extensivamente.[11][13] Em adendo, células ciliadas da linha lateral de peixes, que possuem uma função de mecanotransdução, são passíveis de regeneração em organismos como o peixe-zebra[14]

Os cientistas já identificaram um gene de mamífero capaz de agir como um "interruptor molecular", bloqueando o crescimento de novas células ciliadas da cóclea em adultos.[15] O gene Rb1 codifica a proteína do retinoblastoma (Rb), que é uma supressora de tumores. A Rb impede a divisão celular encorajando a saída do ciclo mitótico[16][17] As células ciliadas não só regeneram "in vitro" quando o gene Rb1 é deletado, como camundongos que não possuem o gene crescem com mais células ciliadas que os camundongos controle. Adicionalmente, detectou-se que a proteína sonic hedgehog é capaz de bloquear a atividade da proteína de retinoblastoma, induzindo assim a entrada de volta no ciclo e o surgimento de novas células.[18]

O inibidor do ciclo celular p27kip1 (CDKN1B) também foi mostrado como capaz de encorajar a regeneração de células ciliadas da cóclea camundongos com deleção genética ou "knock down" com siRNA específico para p27.[19][20] A pesquisa em regeneração de células ciliadas pode nos trazer mais próximos ao tratamento clínico de perda auditiva humana causada por células ciliadas danificadas ou mortas.

Imagens adicionais[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Lumpkin, Ellen A.; Marshall, Kara L.; Nelson, Aislyn M. (2010).
  2. Nadol, Joseph B. (1993).
  3. Lush, Mark E.; Piotrowski, Tatjana (2013).
  4. Müller, U (October 2008).
  5. Chan DK, Hudspeth AJ (February 2005).
  6. Brownell WE, Bader CR, Bertrand D, de Ribaupierre Y (1985-01-11).
  7. Wartzog D, Ketten DR (1999).
  8. Hudspeth AJ (2008-08-28).
  9. Santos-Sacchi Joseph, Song Lei, Zheng Jiefu, Nuttall Alfred L (2006-04-12).
  10. "Cranial Nerve VIII.
  11. a b Cotanche, Douglas A. (1994).
  12. Edge AS, Chen ZY (2008).
  13. Lombarte, Antoni (1993).
  14. Whitfield, T.
  15. Henderson M (2005-01-15).
  16. Sage, Cyrille; Huang, Mingqian; Vollrath, Melissa A.; Brown, M.
  17. Raphael Y, Martin DM (2005).
  18. Lu, Na; Chen, Yan; Wang, Zhengmin; Chen, Guoling; Lin, Qin; Chen, Zheng-Yi; Li, Huawei (2013).
  19. Löwenheim H, Furness DN, Kil J, Zinn C, Gültig K, Fero ML, Frost D, Gummer AW, Roberts JM, Rubel EW, Hackney CM, Zenner HP (1999-03-30).
  20. Ono K, Nakagawa T, Kojima K, Matsumoto M, Kawauchi T, Hoshino M, Ito J (Dec 2009).

Ligações externas[editar | editar código-fonte]