Cargo biônico

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Cargos biônicos são aqueles cujos titulares foram investidos mediante a ausência de sufrágio universal e cujo parâmetro para escolha era a sanção das autoridades de Brasília à época do Regime Militar de 1964 nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Tal centralismo garantiu a continuidade do regime e impediu que os objetivos traçados pelos militares fossem alvo de sedições políticas. Na prática, as regiões sob o jugo de governadores e prefeitos biônicos possuíam autonomia reduzida visto que as decisões de relevo vinham do governo central, o que diminuía a influência das forças políticas locais.

O termo "biônico" foi popularizado no Brasil graças ao seriado O Homem de Seis Milhões de Dólares. Nele o Coronel Steve Austin (Lee Majors) recebeu implantes cibernéticos que salvaram-lhe a vida após um grave acidente e como compensação passou a trabalhar como agente especial do governo americano usando para isso suas capacidades ampliadas. Transposta para o mundo político, tal designação serviu para apontar quem ascendeu ao poder sem o desgaste de uma campanha eleitoral.[1]

A partir de 1966 surgiram os governadores biônicos,[2] prefeitos biônicos em certas categorias de municípios[3] e até senadores biônicos. No caso dos senadores o termo "biônicos" derivou também do Pacote de Abril de 1977 que alterou as regras para o pleito de 1978. Nele, cada estado escolheria um nome pela via indireta na renovação de dois terços das cadeiras mediante votação de um colégio eleitoral, o que deu à ARENA 21 das 22 cadeiras em jogo impedindo a repetição da rotunda vitória do MDB em 1974. Na disputa pelas vinte e três vagas a serem preenchidas por voto direto[4] os arenistas conquistaram quinze. No total o placar das eleições para a Câmara Alta do parlamento foi de trinta e seis a nove para o governo.

Governador biônico

Após a queda do presidente João Goulart em 31 de março de 1964, as Forças Armadas e seus sustentáculos na sociedade civil inseriram na vida institucional do país diretrizes capazes de assegurar seu controle e debelar a resistência ao novo regime, cânones que deram arrimo à deposição de sete dos vinte e dois governadores de estado eleitos ora em 1960 (cinco anos de mandato), ora em 1962 (para um quatriênio) e cujos mandatos estavam em curso, tudo isso no bojo das cassações dos direitos políticos de adversários do novo regime. Exemplos dessa alternância forçada nos portentos estaduais foram a deposição de Miguel Arraes em Pernambuco, a cassação de Badger da Silveira no Rio de Janeiro e a subida de Jarbas Passarinho ao governo do Pará nos primeiros dias do Regime Militar. Em virtude de tais mudanças e observando critérios como a data da investidura (4 de maio) e a quebra da linha sucessória (recebeu o governo das mãos do presidente da Assembleia Legislativa), o primeiro governador biônico do país foi o fluminense Paulo Torres.[5]

Com os governos estaduais entregues a prepostos ou simpatizantes dos militares, a sucessão obedeceu ao crivo das eleições diretas que renovaram o governo de dez estados em 3 de outubro de 1965[6] entrementes a vitória de adversários dos militares em Minas Gerais e na Guanabara cimentaram a alternativa pela eleição indireta dos governadores de estado a partir de 1966 com o AI-3, na verdade uma mera ratificação dos nomes anunciados por Brasília. Durante todo esse período o único mandatário pertencente ao MDB foi Chagas Freitas que governou a Guanabara e a seguir o Rio de Janeiro.

Em 1981 Rondônia foi elevada ao patamar de estado,[7] mas só elegeu seu primeiro governador em 1986 na pessoa de Jerônimo Santana.[8] Meses antes a Paraíba ungiu o derradeiro governador biônico do país quando a Assembleia Legislativa elegeu o senador Milton Cabral após a renúncia do governador e de seu vice-governador e após um mês de interinidade do presidente do Tribunal de Justiça.[9]

Após a Constituição de 1988 todas as unidades federativas passaram a escolher seus governadores pelo voto direto graças a concessão de autonomia política ao Distrito Federal, a transformação do Amapá e de Roraima em estados e a incorporação de Fernando de Noronha a Pernambuco. Hoje a única hipótese para a existência de governadores biônicos é a criação de territórios federais, visto que estes são uma divisão administrativa da União. Tal definição, porém, não afasta as discussões sobre a natureza dos governadores que ascendem ao poder mediante decisões do Tribunal Superior Eleitoral ao cassar os eleitos por voto direto após a ocorrência de ilícitos no processo eleitoral, empossando a seguir o candidato de maior votação dentre os remanescentes em lugar de promover uma nova eleição direta.

Lista de governadores do Regime Militar

Em que pese o epíteto de "governadores biônicos" presente na relação a seguir, houve eleição direta nos estados cujos nomes estão assinalados em negrito. A partir de 15 de março de 1971 todos os governadores passaram a tomar posse numa mesma data e ter mandatos de igual duração. Nesta relação não constam os governadores dos territórios federais do Amapá, Fernando de Noronha, Rondônia e Roraima e do Distrito Federal dada a natureza jurídica dos mesmos.

Bandeira Estado Sigla Escolhido em 1965 Escolhido em 1966 Escolhido em 1970 Escolhido em 1974 Escolhido em 1978 Escolhido em 1982
Acre AC Jorge Kalume Wanderley Dantas Geraldo Mesquita Joaquim Macedo Nabor Júnior
Alagoas AL Muniz Falcão[10] João Batista Tubino[10]
Lamenha Filho
Afrânio Lages Divaldo Suruagy Guilherme Palmeira Divaldo Suruagy
Amazonas AM Danilo Areosa João Andrade Enoque Reis José Lindoso Gilberto Mestrinho
Bahia BA Luís Viana Filho Antônio Carlos Magalhães Roberto Santos Antônio Carlos Magalhães João Durval Carneiro
Ceará CE Plácido Castelo César Cals Adauto Bezerra Virgílio Távora Gonzaga Mota
Espírito Santo ES Cristiano Dias Lopes Artur Gerhardt Élcio Álvares Eurico Resende Gerson Camata
Goiás GO Otávio Lage Leonino Caiado Irapuan Costa Júnior Ary Valadão Iris Rezende
Guanabara[11] GB Negrão de Lima Chagas Freitas Cargo abolido Cargo abolido Cargo abolido
Maranhão MA José Sarney Pedro Santana Nunes Freire João Castelo Luís Rocha
Mato Grosso MT Pedro Pedrossian José Fragelli José Garcia Neto Frederico Campos Júlio Campos
Mato Grosso do Sul[12] MS Estado inexistente Estado inexistente Estado inexistente Estado inexistente Harry Amorim[13]
Marcelo Miranda[14]
Pedro Pedrossian[15]
Wilson Martins
Minas Gerais MG Israel Pinheiro Rondon Pacheco Aureliano Chaves Francelino Pereira Tancredo Neves
Pará PA Alacid Nunes Fernando Guilhon Aluísio Chaves Alacid Nunes Jader Barbalho
Paraíba PB João Agripino Ernani Sátiro Ivan Bichara Tarcísio Buriti Wilson Braga
Paraná PR Paulo Pimentel Haroldo Leon Peres[16]
Pedro Parigot[17]
Emílio Hoffmann[18]
Jaime Canet Júnior Ney Braga José Richa
Pernambuco PE Nilo Coelho Eraldo Gueiros Moura Cavalcanti Marco Maciel Roberto Magalhães
Piauí PI Helvídio Nunes Alberto Silva Dirceu Arcoverde Lucídio Portela Hugo Napoleão
Rio de Janeiro RJ Jeremias Fontes Raimundo Padilha Faria Lima Chagas Freitas Leonel Brizola
Rio Grande do Norte RN Walfredo Gurgel Cortez Pereira Tarcísio Maia Lavoisier Maia José Agripino Maia
Rio Grande do Sul RS Peracchi Barcelos Euclides Triches Sinval Guazzelli Amaral de Souza Jair Soares
Rondônia RO Território federal Território federal Território federal Território federal Território federal Jorge Teixeira[19]
Santa Catarina SC Ivo Silveira Colombo Sales Antônio Carlos Konder Reis Jorge Bornhausen Esperidião Amin
São Paulo SP Abreu Sodré Laudo Natel Paulo Egídio Martins Paulo Maluf Franco Montoro
Sergipe SE Lourival Batista Paulo Barreto José Rollemberg Augusto Franco João Alves Filho

Governadores via Justiça Eleitoral

Dentre os nomes apresentados a seguir todos foram entronizados no poder após disputas judiciais que tiveram fim com o assentimento do Tribunal Superior Eleitoral sendo que a cassação dos vitoriosos levou ao poder os candidatos situados em segundo lugar no pleito, exceto pelo caso de Tocantins onde o novo governador foi escolhido pela Assembleia Legislativa pois o governador cassado havia sido eleito em primeiro turno.

Bandeira Estado Governador eleito Cassação Substituto Observações
PI Mão Santa (1998) 6 de novembro de 2001 Hugo Napoleão Não foi reeleito em 2002
RR Flamarion Portela (2002) 8 de novembro de 2004 Ottomar Pinto Reeleito em 2006
PB Cássio Cunha Lima (2006) 17 de fevereiro de 2009 José Maranhão Não foi reeleito em 2010
MA Jackson Lago (2006) 16 de abril de 2009 Roseana Sarney Reeleita em 2010
TO Marcelo Miranda (2006) 8 de setembro de 2009 Carlos Gaguim Não foi reeleito em 2010

Senador biônico

O senador biônico era eleito indiretamente, por um Colégio Eleitoral, de acordo com a Emenda Constitucional Número Oito de 14 de abril de 1977 que, outorgada no governo Ernesto Geisel, estendeu o mandato presidencial de cinco para seis anos, aumentou a bancada federal nos estados menos populosos do país de modo a assegurar a maioria governista e manteve as eleições indiretas para governador. Os senadores biônicos foram eleitos em 1 de setembro de 1978 para um mandato de oito anos (1979-1987). A Emenda Constitucional nº 15, de 19 de novembro de 1980 extinguiu tais figuras, respeitando os mandatos vigentes. Além da fidelidade ao governo, o critério para a escolha desses senadores observou a recondução daqueles que já possuiam mandato ou a escolha de deputados federais para ocuparem as vagas.

Lista de senadores biônicos

Para efeito de informação foi considerada a extensão do mandato originalmente previsto em lei sendo que dos vinte e dois senadores listados abaixo treze haviam sido eleitos em 1970, sete eram deputados federais eleitos em 1974 e dois estavam sem mandato.

Bandeira Estado Sigla Senador escolhido Legenda[20] Suplente de senador
Acre AC José Guiomard[21] ARENA Altevir Leal
Alagoas AL Arnon de Melo[22] ARENA Carlos Lira
Amazonas AM Raimundo Parente ARENA
Bahia BA Jutahy Magalhães ARENA
Ceará CE César Cals[23] ARENA Almir Pinto
Espírito Santo ES João Calmon ARENA
Goiás GO Benedito Ferreira ARENA
Maranhão MA Alexandre Costa ARENA
Mato Grosso MT Gastão Müller[24] ARENA Valdon Varjão
Mato Grosso do Sul MS Saldanha Derzi ARENA
Minas Gerais MG Murilo Badaró[25] ARENA Morvan Acaiaba
Pará PA Gabriel Hermes ARENA
Paraíba PB Milton Cabral[26] ARENA Maurício Leite
Paraná PR Afonso Camargo[27] ARENA Roberto Wypych
Pernambuco PE Aderbal Jurema[28] ARENA José Urbano
Piauí PI Helvídio Nunes ARENA
Rio de Janeiro RJ Amaral Peixoto[29] MDB Alberto Lavinas
Rio Grande do Norte RN Dinarte Mariz[30] ARENA Moacir Duarte
Rio Grande do Sul RS Tarso Dutra[31] ARENA Octávio Cardoso
Santa Catarina SC Lenoir Vargas[32] ARENA Arnor Damiani[33]
São Paulo SP Amaral Furlan ARENA Ferreira Filho[34]
Sergipe SE Lourival Batista ARENA Albano Franco[35]

Prefeitos biônicos

Sob o tacão do Regime Militar de 1964, os alcaides das capitais, áreas de segurança nacional e estâncias hidrominerais passaram a ser nomeados pelo Executivo após ratificação da Assembleia Legislativa. Somente a partir das eleições de 1982 é que os partidos de oposição lograram nomear prefeitos[36] em dez capitais de estado.[37] Em 1985 houve eleições em 201 cidades e cujos resultados apontaram uma vitória do PMDB que triunfou em 19 capitais e em 127 cidades ao todo.

Referências

  1. Foram desconsiderados os governadores que assumiram o poder nos primeiros dias após o Golpe Militar de 1964, bem como os vice-governadores efetivados com a renúncia do titular para concorrer a um mandato eletivo. Também não constam desta relação os mandatários do Distrito Federal e dos territórios federais do Amapá, Fernando de Noronha, Rondônia e Roraima
  2. Somente a partir de 1982 seriam escolhidos pelo voto direto.
  3. Voltariam a ser eleitos diretamente a partir de 1985
  4. Mato Grosso do Sul elegeu dois senadores por voto direto por se tratar de um estado recém-criado.
  5. Nos oito primeiros meses de governo militar foram destituídos José Augusto de Araújo (Acre), Plínio Coelho (Amazonas), Mauro Borges (Goiás), Aurélio do Carmo (Pará), Miguel Arraes (Pernambuco), Badger da Silveira (Rio de Janeiro) e Seixas Dória (Sergipe).
  6. A decisão do pleito em Alagoas seria submetida ao legislativo porque o vencedor não atingiu a maioria absoluta de votos, mas a falta de consenso quanto ao nome do novo governador fez o presidente Castelo Branco nomear um interventor.
  7. Por força da Lei Complementar nº. 41 de 22 de dezembro de 1981
  8. Antes de sua eleição os últimos governadores biônicos do estado foram Jorge Teixeira de Oliveira (1979-1985) e Ângelo Angelim (1985-1987).
  9. Governou a Paraíba entre 14 de junho de 1986 e 15 de março de 1987
  10. a b Em Alagoas a eleição direta de Muniz Falcão foi invalidada ante a ausência da maioria absoluta de votos segundo previa a Emenda Constitucional nº 13 de 8 de abril de 1965 e como a Assembleia Legislativa também rejeitou seu nome o estado foi administrado pelo General João Tubino, interventor federal entre janeiro e agosto de 1966.
  11. Em 1 de julho de 1974 a Lei Complementar nº 20 determinou a fusão entre a Guanabara e do Rio de Janeiro a partir de 15 de março de 1975
  12. Criado pela Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977 e instalado em 1 de janeiro de 1979
  13. Governador entre 1 de janeiro e 12 de junho de 1979
  14. Governador entre 30 de junho de 1979 e 28 de outubro de 1980
  15. Governador entre 7 de novembro de 1980 e 15 de março de 1983
  16. Renunciou ao governo em 23 de novembro de 1971 sob acusação de corrupção levantada pelo Governo Federal.
  17. Assumiu o governo no dia em que o titular renunciou e se manteve no cargo até 11 de julho de 1973, quando faleceu.
  18. Governou de 11 de agosto de 1973 a 15 de março de 1975
  19. Nomeado governador pelo presidente João Figueiredo em 20/04/1979 foi mantido no cargo com a elevação de Rondônia a estado em razão da Lei Complementar nº 41 de 22/12/1981.
  20. Consideramos aqui a legenda pela qual cada um estava filiado no momento da escolha ignorando, portanto, os efeitos do retorno ao pluripartidarismo em 1980 quando foram criados seis novos partidos.
  21. Faleceu no Rio de Janeiro em 15 de março de 1983 vítima de broncopneumonia.
  22. Faleceu em Maceió em 29 de setembro de 1983
  23. Ministro das Minas e Energia (1979-1985) no governo João Figueiredo
  24. Sobrinho de Filinto Müller
  25. Ministro da Indústria e Comércio (1984-1985) no governo João Figueiredo
  26. Com a renúncia do governador Wilson Braga e do vice-governador Silva Júnior para disputar as eleições de 1986 foi eleito por via indireta.
  27. Ministro dos Transportes (1985-1986) no governo José Sarney
  28. Faleceu em Brasília em 19 de maio de 1986
  29. Foi o único senador biônico eleito pela oposição.
  30. Faleceu em Brasília em 9 de julho de 1984
  31. Faleceu em Porto Alegre em 5 de maio de 1983
  32. Faleceu em Florianópolis em 1 de agosto de 1986
  33. Efetivado após o falecimento do titular e de seu primeiro suplente, Diomício Freitas
  34. No caso de São Paulo a vaga do titular foi ocupada também por Dulce Braga
  35. Eleito senador em 1982
  36. Foram desconsiderados os casos em que oposicionistas assumiram interinamente o cargo de prefeito.
  37. Amazonino Mendes (Manaus), Sahid Xerfan e Almir Gabriel (Belém), Flaviano Melo (Rio Branco), Berredo de Menezes e Carlos Guilherme Lima (Vitória), Hélio Garcia e Rui Lage (Belo Horizonte), Jamil Haddad e Marcelo Alencar (Rio de Janeiro}, Mário Covas (São Paulo), Maurício Fruet (Curitiba), Nion Albernaz (Goiânia), Lúdio Coelho (Campo Grande).

Fonte de pesquisa

ALMANAQUE ABRIL 1987. 13. ed. São Paulo: Abril, 1986.

Um belo emprego. Disponível em Veja, ed. 508 de 31 de maio de 1978. São Paulo: Abril.

Vagas trocadas. Disponível em Veja, ed. 698 de 20 de janeiro de 1982. São Paulo: Abril.

Ligações externas