Charlatanismo
Charlatanismo é a prática do charlatão, palavra que deriva do italiano ciarlatano, que seria, segundo alguns, corruptela de cerretano (ou seja, natural de ou oriundo de Cerreto, vila situada na Umbria, Itália),[1][2] e segundo a maioria, derivada de ciarla, ciarlare (de "falar", "conversar", neste caso seria equivalente, em português, a "parlapatão" – pois denota o uso da palavra para ludibriar outrem.[3][4] Em outros idiomas o charlatanismo adquire a acepção de exercício ilegal da medicina, ao passo que em português tem significado comum de vendedor de substâncias pretensamente medicinais, curativas, que apregoa com vantagens,[5] daí a nome curandeirismo.
Em sentido geral e vulgar, portanto, os termos "charlatanismo" e curandeirismo fundem-se e podem ser definidos como toda prática pseudocientífica, apregoada por alguém com vantagens fraudulentas, pecuniárias ou não, ludibriando a outros – isso é, oferecendo algo vantajoso sem realmente ser. O termo inglês quack poderia então ser traduzido como curandeiro.
Fraude
O charlatão é, para o Direito, um tipo de fraudador. Segundo Magalhães Noronha[6] "É o estelionatário da Medicina; sabe que não cura; é o primeiro a não acreditar nas virtudes do que proclama, mas continua em seu mister, ilaqueando, mistificando, fraudando, etc."
Para Delton Croce, é um tipo criminal que deveria ser restrito a médicos, embora possa ser praticado por qualquer pessoa.[4]
Casos célebres
No século XVIII, tornou-se célebre o charlatão britânico James Graham, que em Londres prometia a cura a diversos males àqueles que, sob pagamento, passassem uma noite num quarto preparado com estátuas de Cupido e Psiquê[4] e vendendo um intitulado "elixir da vida".[7]
Na primeira metade do século XX foi célebre o caso do chamado "toque de Assuero", ou "assueroterapia", onde a aplicação de termocauterização de certos pontos do nariz provocaria a cura de doenças ainda modernamente incuráveis.[4]
Cura gay
No Brasil, em maio de 2014, o Conselho Regional de Psicologia do Paraná cassou o registro profissional de Marisa Lobo por charlatanismo. Marisa Lobo foi acusada de fundamentar suas práticas profissionais em dogmas religiosos, oferecendo cura para uma doença que não existe. A polêmica começou em 2012 quando Marisa Lobo participou de uma audiência pública na Câmara dos Deputados para debater o Projeto de Decreto Legislativo nº 234/11, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), que propunha a modificação da resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP 01/1999)[8] que proíbe profissionais da Psicologia de qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas.
Como um resultado prático dos estudos de Alfred Kinsey, em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria removeu a homossexualidade da lista de desordens mentais, recusando-se a continuar considerando os homossexuais como diferentes ou passíveis de correção. O mesmo aconteceu com a Organização Mundial de Saúde, que também passou a não considerar a homossexualidade como uma doença, a partir de 1986.
Em 1990 a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da classificação internacional de doenças. A Associação Brasileira de Psiquiatria manifestou-se contra a discriminação já em 1984, e em seguida o Conselho Federal de Psicologia deixou de considerar a homossexualidade um desvio. Em 1999 o Conselho Federal de Psicologia estabeleceu normas de conduta para a categoria, determinando que psicólogos não poderão oferecer cura para a homossexualidade, visto esta não ser um transtorno, e evitarão reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.[9]
Fosfoetanolamina
A Universidade de São Paulo foi envolvida na polêmica do uso de uma substância química, a fosfoetanolamina, anunciada como cura para diversos tipos de cânceres. Essa substância não é remédio e foi estudada na USP como um produto químico. Não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença. A USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula. Além disso, não foi respeitada a exigência de que a entrega de medicamentos deve ser sempre feita de acordo com prescrição assinada por médico em pleno gozo de licença para a prática da medicina. Cabe ao médico assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais – que, nesse caso, ainda não são conhecidos de forma conclusiva – e pelo acompanhamento do paciente.[10][11]
Cultura
O romance do escritor George Gissing, Our Friend the Charlatan (Nosso Amigo o Charlatão – numa tradução livre), é uma das obras que serve-se do mote do charlatão, contribuindo para popularizar a figura.[12] Outro livro, de E. Phillips Oppenheim, An Amiable Charlatan (Um Amável Charlatão - em livre tradução), também romantiza a figura do espertalhão.[13]
"O Toque de Assuero" – referido como caso clássico de charlatanismo, é o título de uma composição do Lamartine Babo, em parceria com L. N. Sampaio.[14]
Direito brasileiro
Crime de Charlatanismo | |
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no Código Penal Brasileiro | |
Artigo | 283 |
Título | Dos Crimes contra a Incolumidade Pública |
Capítulo | Dos Crimes contra a Saúde Pública |
Pena | Detenção, de seis meses a 2 anos |
Ação | Pública incondicionada |
Competência | Juiz singular |
No Brasil o charlatanismo é um tipo penal, tipificado no artigo 283 do Código Penal Brasileiro, tratando a matéria no capítulo dos Crimes contra a incolumidade pública e não naquele referente às fraudes.
Pela legislação brasileira o charlatanismo é conduta de "Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível". Na exegese do artigo, tem-se a prática como o objetivo doloso - onde há a intenção clara de praticar-se o delito. Inculcar tem o sentido de fazer-se de bom, insinuante; anunciar pode ser feito tanto nos meios de divulgação escritos e verbais, mesmo um simples pregão; secreto quer dizer que os princípios contidos no mecanismo de cura não são explicitados, tal como preconizam os organismos regulamentadores mundiais.[4]
Nota-se que o efeito "cura" não importa: quer a vítima tenha ou não se curado, o charlatão continua incurso no tipo penal.
Referências
- ↑ charlatan, etimologia, em inglês (sítio pesquisado em 20 de janeiro de 2008, às 20:01)
- ↑ American Psychological Association (APA): charlatan. (n.d.). Dictionary.com Unabridged (v 1.1). Pesquisado em 20 de Janeiro 20, 2008, de Dictionary.com website: http://dictionary.reference.com/browse/charlatan
- ↑ Chicago Manual Style (CMS): charlatan. Dictionary.com. Online Etymology Dictionary. Douglas Harper, Historian. http://dictionary.reference.com/browse/charlatan (acessado: 20 de Janeiro de 2008).
- ↑ a b c d e CROCE, Delton, Manual de Medicina Legal, São Paulo, Saraiva, 1994, ISBN 85-02-01492-7
- ↑ Dicionário Aurélio
- ↑ MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito Penal, V. 4, p. 63, São Paulo: Saraiva
- ↑ biografia, sítio pesquisado em 21 de janeiro de 2008 (em inglês)
- ↑ http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf
- ↑ Beto Albuquerque (21 de maio de 2013). «O nome do crime é charlatanismo». Consultado em 3 de janeiro de 2015
- ↑ «USP divulga comunicado sobre a substância fosfoetanolamina». 13 de outubro de 2015
- ↑ «Fosfoetanolamina sintética (fosfoamina), entenda porque essa substância não é um medicamento contra o câncer»
- ↑ Obra integral, em inglês, no Projeto Gutenberg.
- ↑ obra, Projeto Gutenberg
- ↑ Dicionário Cravo Albin de MPB, consultado em 21 de janeiro de 2008.
Bibliografia
- GENTILCORE, David. Medical Charlatanism in Early Modern Italy, Oxford University Press, 2006, ISBN 0-19-924535-5 (em inglês)
- PEREIRA-NETO, André de F. A Profissão Médica em Questão (1922): Dimensão Histórica e Sociológica, in: Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 11 (4): 600-615, out/dez, 1995. – neste trabalho o autor aprecia o esforço da comunidade médica brasileira em proceder à persecução criminal de todos que exercessem práticas médicas sem pertencer à comunidade acadêmica médica. Texto integral em Scielo (acessado em 21 de janeiro de 2008)
- Charlatanismo aplicado