Discussão:Doença de Stargardt

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INTRODUÇÃO

A distrofia macular de Stargardt foi descrita primeiramente em 1909, pelo alemão Karl Stargardt(1), caracterizada por redução progressiva e grave da visão central, tipicamente na primeira e segunda década de vida(2-3). Em 1963, o termo fundus flavimaculatus foi introduzido por Franceschetti (4) e acredita-se que, atualmente, a distrofia macular de Stargardt e fundus flavimaculatus representam expressões diferentes da mesma desordem(5), denominada doença de Stargardt, responsável por até 7% das distrofias maculares(2). Geralmente é herdada de forma autossômica recessiva por mutações no gene ABCA4, localizado no cromossomo 1, região p13-p21, cujo produto protéico está envolvido no transporte ATP-dependente da membrana tanto de cones quanto de bastonetes, contudo existe grande heterogeneidade genética(6).

O epitélio pigmentado da retina (EPR) e a camada de fotorreceptores da região macular são os sítios mais comprometidos(7-8). O aspecto fundoscópico clássico da doença é de lesões maculares em bronze batido e lesões pisciformes branco-amareladas ("flecks"), correspondentes ao acúmulo de lipofuscina no pólo apical das células do EPR(3,9). No fundus flavimaculatus são descritos "flecks" dispersos no pólo posterior, que se extendem até a média periferia, podendo ser encontradas alterações maculares em 50% dos pacientes(4-5). A diminuição da acuidade visual freqüentemente precede alterações fundoscópicas(3) e depende da idade do início dos sintomas: quanto mais tardio o aparecimento, menor probabilidade de perda visual(10). No estágio final da doença, a acuidade visual para longe se estabiliza em aproximadamente 20/200(10).

O diagnóstico da doença de Stargardt é baseado a partir da história clínica e por alterações fundoscópicas (descritos anteriormente), tendo os exames complementares importância relevante neste contexto. A angiofluoresceinografia (AFG) é um método propedêutico muito utilizado e pode firmar o diagnóstico de Stargardt, pois são observados com mais evidência lesões pisciformes hiperfluorescentes ("flecks"), graus variados de atrofia macular (podendo apresentar aspecto em "bulls eye") e o silêncio coroideo (hipofluorescência por bloqueio da coriocapilar, devido ao acúmulo de lipofuscina no EPR), presente em torno de 80% dos casos que, praticamente, sela o diagnóstico, embora a ausência não exclua tal doença(5,11). O eletrorretinograma (ERG) padrão e o eletrooculograma não representam ferramentas diagnósticas de grande valor, pois a perda funcional está inicialmente restrita a áreas circunscritas da retina. O ERG multifocal tem se mostrado útil em detectar disfunção foveal na doença de Stargardt, mesmo em estágios precoces, mostrando-se importante no diagnóstico e ajudando a descrever a topografia da perda de atividade dos cones mais precisamente(7).

Recentemente, a tomografia de coerência óptica, também conhecida pela sigla em inglês OCT, método diagnóstico que permite fornecer imagens de alta resolução das estruturas retinianas seccionadas transversalmente(12), vem sendo utilizada para detectar alterações maculares nas distrofias retinianas(13-15). Acredita-se que ERG multifocal e OCT possibilitam quantificar alterações intra-retinianas em fases precoces da doença de Stargardt, auxiliando no prognóstico para o doente.

O presente estudo objetiva avaliar dano estrutural macular na doença de Stargardt por meio da tomografia de coerência óptica, correlacionando-o com acuidade visual e duração da doença. Este trabalho faz parte de pesquisa mais ampla a respeito do tema.


MÉTODOS

Foram incluídos portadores da doença de Stargardt, acompanhados ou recém-diagnosticados nos setores de retina e de visão subnormal do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). O grupo controle foi composto pelo mesmo número de casos, pareados por sexo, idade e sem qualquer alteração oftalmológica ou história prévia de uso de medicamentos causadores de maculopatia. Os critérios de exclusão dos casos foram: dúvida diagnóstica, uso de medicação sistêmica de comprovada ação retinotóxica, degeneração macular relacionada à idade ou outras maculopatias e opacidade de meios que interferissem na realização de exames.

Os pacientes foram submetidos, inicialmente, à medida da acuidade visual com melhor correção em logMAR (segundo a tabela do ETDRS - Early Treatment Diabetic Retinopathy Study), e exame oftalmológico completo, incluindo a biomicroscopia da mácula. Os exames complementares realizados foram retinografia, AFG e OCT da mácula. Considerouse ambos os olhos de cada paciente para análises estatísticas.

Todos os casos foram reexaminados para confirmação diagnóstica, sendo determinadas duração da doença (definida pela diferença entre a idade atual à de início dos sintomas) e alterações na AFG. Os pacientes foram classificados de acordo com Fishman et al.(16): Fenótipo I - pacientes com lesão foveal de aspecto atrófico, geralmente pequena, rodeada por "flecks" para e perifoveais restritas à região macular (definida como a região entre as arcadas temporais); Fenótipo II - numerosos "flecks" dispersos no pólo posterior e além das arcadas e Fenótipo III - pacientes com extensas atrofia do EPR, atrofia de coróide ou espículas ósseas além da região macular.

As imagens obtidas pelo Stratus OCT versão 4.0 (Carl Zeiss Meditec) foram realizadas no programa de medida da espessura retiniana ("macular thickness") e o cursor foi colocado manualmente no centro da fóvea, quando a depressão foveal era visível. A estratégia para análise foi da espessura macular, mensurada na região central da retina, sendo utilizados limites anterior (interface vítreo-retiniana) e posterior (superfície anterior do EPR) determinados pelo aparelho para quantificar espessura retiniana, demonstrada no "Thickness Charts" (Figura 1).

Inicialmente todas as variáveis foram analisadas descritivamente. Para as variáveis quantitativas (idade, duração da doença, espessura macular), esta análise foi feita por meio da observação dos valores mínimos e máximos e do cálculo de médias, desvios-padrão e medianas. Para as variáveis qualitativas (sexo, fenótipo, início da doença), calcularam-se freqüências absolutas e relativas. Para análise da hipótese de igualdade entre os grupos, utilizou-se o teste qui-quadrado(17). Para estudo de correlações entre duas variáveis, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson(17). O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos e Pesquisa da Diretoria Clínica do HC-FMUSP.


RESULTADOS

O resumo das características dos pacientes está demonstrado na tabela 1. A amostra foi composta por 22 portadores da doença de Stargardt (44 olhos), com a seguinte classificação fundoscópica: 7 pacientes com Fenótipo I, 12 com Fenótipo II e 3 com o III. A duração da doença variou de 3 a 21 anos (média de 11,4 ± 5,3 anos, mediana de 11 anos), sendo que 50% iniciaram o quadro na primeira ou segunda década de vida.

A acuidade visual variou de 0,02 a 1,6 (média de 0,96 ± 0,46, mediana de 0,97) no grupo de portadores da doença e no grupo controle, todos apresentaram acuidade de 0,00. A idade variou entre 19 e 61 anos (média de 34,3 ± 11,1 anos, mediana de 30 anos) no grupo caso e de 20 a 60 anos (média de 34,3 ± 10,5 anos, mediana de 30,5 anos) no grupo controle. O grupo caso teve 11 (50%) pacientes do sexo masculino e 11 (50%) do feminino, tendo o grupo controle igual distribuição. Os grupos não apresentaram diferença estatisticamente significante na idade (p=0,98) e no sexo. Quanto à espessura macular no OCT, a variação no grupo caso foi de 60 a 167 µm (média de 103,3 ± 30,2 µm, mediana de 95,5 µm), diferindo significativamente do grupo controle, que variou de 168 a 236 µm (média de 204,8 ± 18,5 µm, mediana de 204 µm), por apresentar valores menores na espessura (p<0,001) (Figura 1).

Na AFG, o silêncio coroidal esteve presente em 26 olhos (59%) e a maculopatia em "bulls eye", 17 olhos (38,6%) (Figura 2). A presença de "flecks" na retinografia foi observada na maioria dos casos, 88,6% (39 olhos).

A análise de correlações evidenciou correlação negativa e estatisticamente significante entre duração da doença e espessura macular no OCT (r=-0,57 e p=0,005); assim, quanto maior tempo de duração, menor espessura e vice-versa. Houve correlação positiva entre duração da doença e acuidade visual (r=0,50 e p=0,0167), ou seja, quanto maior duração da doença, pior acuidade em logMAR e vice-versa. Adicionalmente, houve correlação negativa entre acuidade visual e espessura macular no OCT (r=-0,83 e p=0,0001); assim, quanto pior acuidade em logMAR, menor espessura e vice-versa (Figura 3).