Discussão:Filosofia da Caixa Preta

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O aparelho

Introdução No livro ‘Filosofia da caixa preta’, Vílem Flusser ajeita as palavras de maneira que parecem tocar as nossas vistas, como se remontassem as dimensões da realidade que ali não estão. Vílem mostra-nos que ele próprio participa das situações ali transcritas e, em meio aos seus pensamentos tenta se libertar de tais problemáticas. Ele também apresenta a realidade e as percepções do ser sobre ela. Para o autor, o ser faz representações na busca de marcar a realidade e contar a sua história da maneira mais original possível.

É através de instrumentos de representação que o ser passa a marcar a história. Instrumentos estes que nem sempre estabelecem uma relação fidedigna ao original. Para citar alguns instrumentos e melhor elucidar as suas dialéticas, Flusser oferece os desenhos da pré-história, a escrita e a imagem técnica. Estabelecendo entre eles uma marcação evolucionária que os transportam da função de meio representante para o fim, no lugar da realidade. Assim cobrindo os olhos do ser como os “biombos” que escondem o que está do outro lado.

Flusser revela ainda em seu ensaio o vislumbre de um ponto onde o “biombo” não alcança mais, é neste ponto que transitam as marcas da história. Esta alusão feita por ele é base referencial dos valores mercadológico e sociológico na pós-industrialização. Desta maneira, com a empolgação textual que lhe é característica, ele descobre e revela o estado alucinado do ser.

Flusser têm suas idéias fundamentadas no olhar fotográfico. Ele realiza por métodos imagéticos um ensaio substancial que consegue “esclarecer” a caixa preta com suas dialéticas. Esgota assim as possibilidades de sua imaginação, e traz consigo a terceira revolução industrial e seus aparelhos.

A realidade e seus aparelhos

A realidade de Flusser não é mais sentida em seu completo senso. As dimensões foram extraídas em tentativas frustradas de sua representação. Dentro deste cenário é que se faz a junção de duas técnicas já conhecidas. Eis o novo momento na história perseguido mundo a fora por muitos. Foi graças à fereza da reação ocorrida com a união das duas técnicas que se formaram imagens desenhadas com o toque da luz. A caixa preta é “esclarecida” pela sensibilidade da prata e marcada pelos raios de luz que escapam ao “biombo”. A partir desta marca da realidade é que se expôs o novo momento da história.

Anteriormente a imagem se dava com processos puramente artesanais, já no período pós-industrial a imagem é técnica e salta aos olhos. A formação dessa “imagem técnica” dentro do advento da caixa preta, transforma processos em cena com apenas um vislumbrar da luz. Os sais de prata que banham o suporte posto ao fundo da caixa preta, sensíveis ao contado da luz, impressionam o que era quisto como espelho das realidades.

A caixa preta é o aparelho que Flusser toma como ponto de chegada em seu ensaio, identificando “uma futura filosofia da fotografia”. Com o uso referencial de tal aparelho ele estabelece o recomeço da história que se encontrava estática. Pois o ser apresentava-se cego por seus próprios meios, se tornando ser alienado.

A partir da produção das novas caixas pretas menores e quase automáticas é que se permitiu a impressão do pensamento contido nas memórias do ser e as marcas da realidade. A fotografia é janela aberta do cotidiano. A imagem vista fica impressa, imóvel e muda em uma superfície gelatinosa com sensíveis sais de prata. Pois agora, fica possível a sua reprodução ao infinito e a mobilidade de suas lembranças transpostas a oriundos interessados. As “imagens técnica” são pensadas dentro de uma organização, e orquestrada em suas composições tornando seus significados de fácil assimilação.

Os aparelhos são produtos de cálculos científicos e técnicas diferenciadas que vieram do constante aperfeiçoamento do intelecto imagético do ser. Com isso, quem tem o aparelho em posse participa do seu jogo programado da realidade. Mais uma vez o ser encontra-se preso em um infinito regressar na busca alucinante de encontrar os pontos de chegada e de partida desse programa. Onde o domínio do jogo é partilhado como em uma sociedade interdependente entre o ser e seu aparelho.

O aparelho e seus programas seguem o mesmo caminho o que possibilita uma constante renovação. O ser que manipula o aparelho, e por ele é manipulado, forma suas idéias a partir do que lhe é pré-aprovado no programa. Dentro das intermináveis possibilidades do programa, ele é capaz de manipular e no mesmo momento ser manipulado subvertendo o cenário mercadológico industrial e social. Produzindo em suas possibilidades o “serial-number” da história do mundo, a marca identificada da realidade. Agora presente e fixa para sempre e para todos na imagem técnica. Por isso, é que Flusser reserva para a caixa preta o mais alto valor no mercado social. No entanto, no mercado industrial ela tem um baixo valor.

A revolução

Flusser profetiza uma terceira revolução ao resolver essa dialética que envolve o ser alienado e seu aparelho. Onde a imagem técnica fruto do “fotógrafo-aparelho” nasce para retomar o rumo da realidade e seu ponto original no mundo pós-industrial. Vílem prediz os novos rumos do mercado e as mudanças de valor que a terceira revolução industrial veio estabelecer. Mostrando a desvalorização do objeto e a valorização da “informação como sede de poder”. Ele aponta a fotografia, sendo esta resultada das possibilidades do “fotógrafo-aparelho”, como o melhor meio de transposição de conteúdo.

As imagens fotográficas e o conteúdo presente em sua superfície são de fácil distribuição o que a valoriza ainda mais. Na terceira revolução industrial o valor passou da detenção de objetos tangíveis para as informações intangíveis adquiridas e de fácil difusão. O real valor não se apresenta mais naquele objeto que pode ser facilmente rasgado. O papel fotográfico é apenas meio, um suporte marcado, para a imagem técnica passar a sua mensagem e a sua instrução final.

O flagrante deste instante antes despercebido que entra em foco pelas lentes imagéticas de Vílem está impresso em suas palavras. Em meio, a uma invasão de informação desregrada em um fluxo torrencial fica difícil a seleção dos valores. O ser passa diante o original e não o vê mais, pois o que antes era tangível a poucos hoje é intangível a todos.

Máquinas com mau funcionamento, precárias e dispendiosas prosperavam na segunda revolução industrial. Aqueles que detinham a riqueza investiam em tais máquinas. Por estes motivos elas eram más vistas por quem as operava. Já com as mudanças nas operações do mercado possibilitava-se a muitos deter tais ‘aparelhos’. Por causa da terceira revolução industrial, as novas gerações destas ‘máquinas’ eram menores e mais baratas, tendo o objeto por si perdido o seu valor. Nesta revolução a estima é agregada as representações dos reais, a imagem técnica que marca a história. Informações são cada vez mais precisas e preciosas.

A filosofia de Flusser anseia por respostas. Nos seus textos estão presentes as dúvidas que parecem encaminhar o leitor as respostas. Sendo elas representações de um ser preso mais uma vez em um jogo alucinante e programático dos aparelhos.