Edmundo Curvelo

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Edmundo de Carvalho Curvelo
Edmundo Curvelo
Nascimento 18 de outubro de 1913
Arronches
Morte 13 de janeiro de 1954 (40 anos)
Nacionalidade português
Progenitores Mãe: Margarida Carvalho Curvelo
Pai: Francisco Inácio Curvelo
Ocupação filósofo, lógico, tradutor
Escola/tradição Positivismo Lógico

Edmundo de Carvalho Curvelo (Arronches, 18 de Outubro de 1913Lisboa, 13 de Janeiro de 1954) foi um filósofo e lógico português da primeira metade do século XX. A vida do professor Edmundo Curvelo foi vivida, essencialmente, entre Lisboa, onde estudou e trabalhou, e Abrantes, cidade adoptada pelos pais, Francisco Inácio Curvelo e Margarida Carvalho Curvelo, e pelo irmão mais novo, Joaquim António Carvalho Curvelo, e onde se deslocava para descansar e visitar a família. O professor Edmundo Curvelo casou-se em Faro, em 1940, com Noémia Cruz de quem se separou anos mais tarde. Do casamento não teve qualquer filho e também não se voltou a casar.

Apresentação geral[editar | editar código-fonte]

Para Edmundo Curvelo, quarenta anos de vida e dez de publicações foram suficientes para marcar a história do pensamento português; em geral, através dos trabalhos na área da lógica, em particular, através do empreendimento em logificar a psicologia. Segundo ele, a Psicologia só conquistaria estatuto de Ciência na medida em que se deixasse logificar, pois, para o Professor de Abrantes, a ciência é uma construção lógica. Logificar um qualquer assunto é descobrir as estruturas estáveis que tem a linguagem que poderá representar esse qualquer assunto com fidelidade. A obra que construiu em lógica é tanto mais notável quanto se conhece que a área da lógica não era, na história do pensamento português, uma área de grande desenvolvimento. Para não sublinhar que, ao tempo, era ocupação de muito poucos. Na sua área de investigação lutou contra a corrente. O Professor Manuel Curado (2001) aponta, de modo incisivo, na História do Pensamento Filosófico Português que Edmundo Curvelo foi o melhor lógico português do Século XX e mais: “Para o melhor e para o pior, Curvelo é a lógica do século XX em Portugal.” (Curado, 2001: 345). Quer antes, quer depois, nada de mais significativo se encontra na história da lógica do século XX português do que o trabalho do professor alentejano.

Foi, sem dúvida, uma vida curta, para quem e de quem muito, ainda, se esperava. Contudo, nem por isso, uma vida menos profunda de significado e pensamento. É rico o legado que deixou, através dos seus escritos, às gerações vindouras. Apesar do seu curto magistério, enquanto Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o trabalho que desenvolveu não deixa de manifestar, no empenho, exigência, estudo e dedicação, aquilo que se exige a um professor universitário: boas aulas, boa investigação. Os actuais investigadores da sua obra não se inibem de destacar o trabalho meritório e original que desenvolveu. O testemunho dos seus antigos alunos destaca o fabuloso professor de filosofia que tiveram. Convém sublinhar, no entanto, que o Doutor Edmundo Curvelo antes de ser professor universitário foi professor do Liceu e do Colégio Militar. Também aí, com os mais novos, descobre-se, nos apontamentos para as aulas, o cuidado pedagógico em bem introduzir os alunos na arte de pensar e, sobretudo, em despertar a curiosidade dos alunos. Curvelo, quer no liceu, quer na universidade, sempre desejou que os alunos se atrevessem a pensar por eles mesmos: mais do que repetir as aulas que ele proferia, almejava que os alunos fossem capazes de mostrar reflexão e autonomia. Que melhor virtude se pode encontrar num educador do que aquela que percebe que a vida e o pensamento fazem-se em conjunto, mas que ninguém vive, nem pensa, por ninguém? O Professor Edmundo Curvelo prezava o uso constante da inteligência. Exercitava-a e admirava o seu exercício nos outros: fossem alunos, professores, gente comum, autores de livros… Como diria: “Toda-a-Gente”. Para não faltar informação ao bom uso da inteligência, são pormenorizadas as listas de bibliografia que preparava e justificava, mediante relatórios, para aquisição das bibliotecas de modo a que os alunos tivessem acesso ao que de mais recente se publicava no mundo.

Diz com quem ele conviveu e trabalhou: “Inteligência privilegiada, de acentuado pendor conceptual, multímoda cultura, dotes de exposição dignos de relevo, insaciável ânsia de saber, facilidade de empatia, entusiasmo que galvanizava a equipe de trabalho de que fizesse parte – eis alguns dos predicados da rica personalidade de Edmundo Curvelo” (Boletim do Instituto de Orientação Profissional, 1955). E mais à frente: “Os trabalhos publicados e outros que deixou inéditos, bem como o apreço que merecia a altos espíritos, tanto nacionais como estrangeiros [correspondeu-se, por exemplo, com Willard Van Orman Quine e Alonzo Church], deixam ver que era, realmente, um ‘grande’.” Pela singularidade da sua vida, trabalho e obra merece não ser esquecido e, principalmente, relido com mais frequência.

Estudos[editar | editar código-fonte]

Edmundo Curvelo doutorou-se, em 1948, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa com a tese Multiplicidades Lógicas Discretas. Foram arguentes principais das suas provas os Prof. Doutores Vieira de Almeida, Mattos Romão da Universidade de Lisboa, e Joaquim de Carvalho, Universidade de Coimbra. Anteriormente, houvera, na mesma Faculdade, entre 1932 e 1936, cursado Ciências Históricas e Filosóficas, tendo aí obtido o grau de licenciado.

Durante os estudos primários e liceais destacou-se já como aluno de elevada excelência, merecendo, em diferentes anos escolares, o prémio de melhor aluno da sua escola e de todo o país. Por esta razão, como refere o Professor Franco de Oliveira, “não é de estranhar, portanto, que tenha beneficiado de isenção de propinas durante toda a sua vida escolar e de Bolsas de Estudo no Curso Complementar dos Liceus (6º e 7º anos), durante todo o curso universitário na Faculdade de Letras de Lisboa, e ainda nos dois anos de estágio para professor liceal.” (Oliveira, 2005: 14)

Os professores que marcam positivamente os alunos revelam-se por duas características: o saber e a amizade. Neste sentido, na vida de estudante de Edmundo Curvelo sobressaem três professores. São eles: o professor liceal, Dr. Costa Cabral, e os professores universitários, Doutores Vieira de Almeida e Joaquim de Carvalho.

Uma palavra final para sublinhar que Curvelo estudou e dominava com excelência a língua inglesa, francesa e alemã.

Trabalho profissional[editar | editar código-fonte]

Depois da obtenção do grau de licenciatura, Edmundo Curvelo foi professor. Começou por exercer no Colégio Moderno, escola particular, e depois, sucessivamente, até ao Exame de Estado no grupo de Filosofia e História, nos liceus Bocage, em Setúbal, Pedro Nunes e Passos Manuel, em Lisboa, e Jaime Moniz, no Funchal.

Em 1939 era professor do Liceu Pedro Nunes, onde, mesmo sem todos os requisitos legais necessários, chegou a ser metodólogo (orientador de trabalhos de metodologia do 1º Grupo Liceal). Anos mais tarde, 1944 a 1946, veio a ser também o primeiro professor civil do Colégio Militar, onde organizou e montou um Laboratório de Psicologia.

No ensino liceal ensinou as disciplinas de Filosofia e História.

Desde a entrega da tese de doutoramento, em 1947, passou a integrar o quadro de professores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou História da Filosofia Antiga, Moderna e Contemporânea, Teoria do Conhecimento, Moral, Lógica e Trabalhos de Seminário.

Por fim, depois de ter realizado o curso de Peritos Orientadores foi, a partir de 1949, também professor do Instituto de Orientação Professional. Nesta tarefa foi um dos precursores, em Portugal, na introdução dos testes psicotecnicos.

Pela mesma altura fez parte da Comissão Especial para a Literatura Infantil e Juvenil. Comissão presidida pelo Professor João de Serras e Silva e criada pelo Estado português para propor relatórios em ordem à elaboração de legislação a aplicar a publicações e cinema para menores.

Publicações[editar | editar código-fonte]

Edmundo Curvelo publicou, na brevidade da sua vida, um pouco mais de 1500 páginas de pensamento original, fora as traduções que efectuou do francês e do inglês. As 1500 páginas dividem-se do seguinte modo: 5 livros, 11 artigos (há a referência de mais dois, mas que se repetem no conteúdo) e 7 textos, que o próprio autor considera menores.

Livros[editar | editar código-fonte]

Um traço transversal a todos os escritos de Curvelo é a Lógica. A lógica é, assim, o assunto principal dos livros Introdução à Lógica (1943) e Multiplicidades Lógicas Discretas (1947). O outro traço é a aplicação da lógica a outras áreas do conhecimento. De acordo com este traço, dedica um livro à ética – Relações Lógicas, Psicológicas e Sociais da Ética (1946) – onde faz a sua primeira aplicação da lógica a assuntos que, segundo ele, requerem ser logificados para se revestirem de cientificidade; e dois à psicologia: Fundamentos Lógicos da Psicologia (1945) e Os Princípios da Logificação da Psicologia (1947). A psicologia é a outra área que necessita de ser logificada e a que Curvelo elege como centro da sua investigação.

Artigos[editar | editar código-fonte]

No que diz respeito aos artigos, Curvelo configura-os em dois conjuntos diferentes: textos que ele próprio considera de menor impacto e os artigos de maior desenvolvimento. Divide estes últimos 9 artigos sob três títulos diferentes e que emprestam continuidade a cada artigo publicado individualmente. Este aspecto mostra bem o cuidado que tinha em ser sistemático. Nestes 9 artigos mantém a preocupação intelectual com a lógica pura, na série de artigos dos Principia Logicalia e Questiones Logicales; e com a aplicação da lógica à psicologia, na série de artigos dos Opuscula Psychologica. Os restantes 4 foram publicados com títulos individuais, embora 2 coincidam, conforme dito anteriormente, no conteúdo, com um texto da série Questiones Logicales e outro com um texto da série Opuscula Psychologica.

(1) Textos de divulgação[editar | editar código-fonte]

(1946) - “A bomba atómica, a tabuada e o mais que adiante se verá”, “O resto da bomba atómica”, “Dois professores e uma história a meia voz – a noção de estrutura” (textos de carater científico publicados nos números 9 e 16 da revista Mundo Literário [1] existente entre 1946 e 1948) , “Tombam ídolos dos altares (a substantivação)”, “Filósofos e cientistas I”, “Filósofos e cientistas II”; (1947) - “Os paradoxos do mestre Xis. Paradoxos lógico-matemáticos”.

Artigos de fundo[editar | editar código-fonte]

Principia Logicalia: (1948) - “Principia logicalia I. Noções e sistemas da lógica elementar encarados de ponto de vista superior” e “Principia logicalia II. Estruturas lógicas”;

Questiones Logicales: (1948) - “Questiones logicales I. Do substantivo, do adjectivo e, em geral, da lógica e da gramática”, “Questiones logicales II. Sur l'invariance logique”; (1950) - “Questiones logicales III. Pour la théorie des systèmes logiques de transformation duale”; (1951) - “Questiones logicales IV. Problemática filosófica da probabilidade”;

Opuscula Psychologica: (1950) - “Opuscula psychologica I. Da teoria e da prática da psicotécnica”; (1951) - “Opuscula psychologica II. Fundamentação Epistemológica da Psicologia”, “Opuscula psychologica III. Teoria dos Factores”.

Outros artigos[editar | editar código-fonte]

(1947) - “Sobre os fundamentos da lógica”; (1950) - “Problemática filosófica da probabilidade”, cujo conteúdo é igual ao do artigo “Questiones logicales IV”; (1951) - “Pour la théorie des sytèmes de transformation duale”, cujo conteúdo é igual ao do artigo “Questiones logicales III”; (1952) - “Conhecimento científico”.

Traduções[editar | editar código-fonte]

No campo das traduções, registam-se as seguintes: Os Sistemas Filosóficos, dois volumes (1942), de A. Cresson; Arte Primitiva, dois volumes (1943), de L. Adam; e História do Neo-Realismo Americano (1949) de William P. Montague (neste com um prefácio de 48 páginas escrito por Curvelo).

Bibliografia sobre Edmundo Curvelo[editar | editar código-fonte]

Apesar da sua curta vida, Curvelo é autor de uma obra original e incontornável no campo da lógica e da psicologia. Não será por acaso que já em 1953 o Padre e Professor Jesuíta Severiano Tavares, da Faculdade de Filosofia de Braga, lhe comunicou que pretendia incluir o nome dele numa Enciclopédia de Filosofia a publicar em Itália. (Oliveira, 2005: 174-175)

De qualquer modo, a bibliografia sobre a obra de Edmundo Curvelo não é abundante.

A Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia Logos tem, em 1982, uma entrada sobre Curvelo da autoria do Professor João Branquinho, Universidade de Lisboa, onde é apresentado pelo contributo dado à lógica e ao seu desenvolvimento no currículo filosófico português. É referido ainda pela introdução, em Portugal, de ideias de Russell e Tarski, e pela adopção original das ideias lógicas concebidas a partir do Círculo de Viena (positivismo lógico).

O primeiro trabalho, mais detalhado, sobre Curvelo é de 1992 e pertence ao Professor Norberto Cunha, da Universidade do Minho. O Professor Norberto Cunha publicou na Revista Portuguesa de Filosofia um artigo com o título “A ciência como ética natural em Edmundo Curvelo” no qual desenvolve, principalmente, a concepção ética de Curvelo.

O segundo trabalho de referência é de 2001 da autoria do Professor Manuel Curado, também da Universidade do Minho, publicado com o título “Lógica em Portugal no século XX” na História do Pensamento Filosófico Português (Volume V, Tomo 2), obra coordenada pelo Professor Pedro Calafate, da Universidade de Lisboa. Neste texto o livro de Curvelo Fundamentos Lógicos da Psicologia é apresentado como sendo a obra mais poderosa do referido autor e, também, a partir daqui, é, sobretudo, explorada a aplicação que o Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa faz da lógica à psicologia. Sublinha o Professor Curado: “Neste título [Fundamentos Lógicos da Psicologia] reúnem-se reflexões de grande valor sobre a teoria da ciência e a utilidade da lógica para o avanço das ciências” (Curado, 2001: 347).

Em 2005, o Professor Franco de Oliveira fez uma apresentação e introdução geral a Edmundo Curvelo na introdução à publicação das Cartas de Edmundo Curvelo a Joaquim de Carvalho (1947-1953) e Outros Inéditos. De sublinhar, além da primeira recolha biográfica do autor, o registo da obra publicada e a anunciada. Trata-se também do primeiro estudo a destacar o trabalho puramente lógico de Curvelo mediante a recensão que faz ao livro Introdução à Lógica.

Uma última referência para salientar que a obra de Edmundo Curvelo foi finalmente objecto de uma tese de doutoramento. Este trabalho, da autoria de José António Alves e orientado pelo Prof. Doutor Manuel Curado, foi entregue em junho de 2015 e defendido em janeiro de 2016 na Universidade do Minho com o título Logificação da Psicologia. O Itinerário intelectual de Edmundo Curvelo sobre a Mente, a Lógica e a Filosofia.

Referências

BRANQUINHO, João (1989). “CURVELO (Edmundo)”. In Logos, Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo, CC. 1265-1266.

CUNHA, Norberto (1992). “A ética como ciência natural em Edmundo Curvelo”. In Revista Portuguesa de Filosofia, 48 (2), pp. 161-207.

CURADO, Manuel (2003) [2001]. “Lógica em Portugal no século XX”. In História do Pensamento Filosófico Português. Vol. V, Tomo 2, Círculo de Leitores, pp. 327-419.

DURÃO, Paulo (1955). “Doutor Edmundo de Carvalho Curvelo. 1913-1954”. In Boletim do Instituto de Orientação Profissional, 4ª série, n.º 1, pp.201-203.

OLIVEIRA, Augusto J. Franco (2005). (Edição e introdução). Cartas de Edmundo Curvelo a Joaquim de Carvalho (1947-1953) e Outros Inéditos, Lisboa: CFCUL, 198 pp.