Efeito Joule-Thomson

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Em termodinâmica, o efeito Joule-Thomson ou efeito Joule-Kelvin ou efeito Kelvin-Joule descreve a variação da temperatura de um gás ou líquido quando ele é forçado a passar através de uma válvula ou tampão poroso, enquanto mantido isolado, de modo que nenhum calor seja trocado com o ambiente.[1][2][3] Este procedimento é chamado de processo de estrangulamento ou válvula Joule-Thomson.[4] À temperatura ambiente, todos os gases, exceto hidrogênio, hélio e neônio, resfriam-se sob a expansão do experimento de Joule-Thomson.[5][6]

O efeito tem esse nome em homenagem a James Prescott Joule e William Thomson, o 1º Barão Kelvin, que descobriram-no em 1852, na sequência de trabalhos anteriores de Joule sobre a expansão de Joule, em que um gás sofre expansão livre no vácuo.

Descrição[editar | editar código-fonte]

A expansão adiabática (sem troca de calor) de um gás pode ser realizada de várias maneiras. A mudança de temperatura experimentada pelo gás durante a expansão depende não só das pressões inicial e final, mas também da maneira como a expansão é realizada.

  • Se o processo de expansão é reversível, o que significa que o gás está em equilíbrio termodinâmico em todos os instantes, ela é chamada expansão isentrópica. Neste cenário, o gás realiza trabalho positivo durante a expansão, e sua temperatura diminui.
  • Em uma expansão livre, por outro lado, o gás não realiza trabalho e não absorve calor, assim a energia interna é conservada. Expandido livremente, a temperatura de um gás ideal deveria permanecer constante, mas a temperatura de um gás real pode aumentar ou diminuir, dependendo da temperatura e pressão iniciais.
  • O método de expansão discutido neste artigo, no qual um gás ou líquido a uma pressão P1 flui para uma região à baixa pressão P2 através de uma válvula ou tampão poroso, sob condições estáveis e sem variação na energia cinética, é chamada de experimento de Joule-Thomson . Durante este processo, a entalpia permanece inalterada (veja a demostração abaixo).

O processo de estrangulamento ocorre ao longo de uma curva à entalpia constante, no sentido em que a pressão diminui, o que significa que o processo ocorre da esquerda para a direita em um diagrama T-P. À medida que avançamos ao longo de uma curva de entalpia constante, a altas pressões, a temperatura aumenta, até a temperatura de inversão. Então, como o líquido continua a se expandir, a temperatura cai. Se fizermos isso para várias curvas de entalpia constante e juntarmos os pontos de inversão, uma curva chamada de curva de inversão é obtida. Esta curva intercepta o eixo T em alguma temperatura, chamada de temperatura de inversão máxima. Para o hidrogênio, a temperatura é -68°. Na refrigeração por compressão de vapor, é preciso regular a pressão do gás e resfriá-lo ao mesmo tempo. Isto representa uma barreira para as substâncias cuja temperatura de inversão máxima está bem abaixo da temperatura ambiente. Assim, o hidrogênio precisa ser resfriado abaixo de sua temperatura de inversão se o resfriamento é obtido através do estrangulamento.

O mecanismo físico[editar | editar código-fonte]

Uma vez que o gás se expande, a distância média entre as moléculas aumenta. Devido às forças atrativas intermoleculares (ver força de van der Waals), a expansão produz um aumento na energia potencial do gás. Se nenhum trabalho externo é extraído no processo e nenhum calor é transferido, a energia total do gás permanece a mesma por causa da conservação da energia. O aumento da energia potencial, portanto, implica numa diminuição da energia cinética e portanto uma diminuição de temperatura.

Um segundo mecanismo tem o efeito oposto. Durante as colisões com as moléculas do gás, a energia cinética é temporariamente convertida em energia potencial. Como a distância média intermolecular aumenta, há uma queda no número de colisões por unidade de tempo, o que provoca uma diminuição da energia potencial média. Mais uma vez, a energia total é conservada, então isto leva a um aumento na energia cinética (temperatura). Abaixo da temperatura de inversão de Joule-Thomson, o efeito anterior (o trabalho interno realizado contra as forças atrativas intermoleculares) predomina, e a expansão livre provoca uma diminuição na temperatura. Acima da temperatura de inversão, as moléculas de gás se movem mais rapidamente e assim colidem com mais freqüência, e o último efeito (colisões reduzidas produzindo diminuição na energia potencial média) predomina: a expansão de Joule-Thomson provoca um aumento da temperatura.

O coeficiente de Joule-Thomson[editar | editar código-fonte]

Coeficientes de Joule-Thomson para vários gases à pressão atmosférica.

A taxa de variação da temperatura T em relação à pressão P em um processo de Joule-Thomson (isto é, à entalpia constante H) é o coeficiente de Joule-Thomson . Este coeficiente pode ser expresso em termos do volume molar V do gás, da sua capacidade térmica à pressão constante e de seu coeficiente de expansão térmica como:[1][3][7]

Veja a dedução do coeficiente de Joule-Thomson (Kelvin) abaixo, para a demonstração desta relação. O valor de é normalmente expresso em °C/bar (SI units: K/Pa) e depende do tipo de gás, da temperatura e da pressão do gás antes da expansão. A sua dependência com a pressão normalmente é apenas uma pequena percentagem para pressões até 100 bar.

Todos os gases reais têm um ponto de inversão no qual o valor de muda de sinal. A temperatura ndeste ponto, a temperatura de inversão de Joule-Thomson, depende da pressão do gás antes da expansão.

Numa expansão a pressão diminui, assim o sinal de é negativo por definição. Com isso em mente, a tabela a seguir mostra quando o efeito Joule-Thomson resfria ou aquece um gás real:

Se a temperatura do gás está então é desde que é assim deve ser logo o gás
abaixo da temperatura de inversão positivo sempre negativo negativo é resfriado
acima da temperatura de inversão negativo sempre negativo positivo é aquecido

Hélio e hidrogênio são dois gases cujas temperaturas de inversão de Joule-Thomson a uma pressão de 1 atm são muito baixas (por exemplo, cerca de 51 K (-222 °C) para o hélio). Assim, o hélio e o hidrogênio aquecem-se quando expandem-se à entalpia constante à temperatura ambiente típica. Por outro lado, o nitrogênio e o oxigênio, os dois gases mais abundantes na atmosfera, têm temperaturas inversão de 621 K (348 °C) e 764 K (491 °C), respectivamente: estes gases podem ser resfriados à temperatura ambiente pelo efeito Joule-Thomson.[1]

Para um gás ideal, é sempre igual a zero: gases ideais nem se aquecem nem se resfriam ao serem expandidos à entalpia constante.

Aplicações[editar | editar código-fonte]

Na prática, o efeito Joule-Thomson é realizado permitindo-se que o gás se expanda através de um dispositivo de estrangulamento (normalmente uma válvula), que deve estar muito bem isolado para impedir qualquer transferência de calor para ou pelo gás. Nenhum trabalho externo é extraído do gás durante a expansão (o gás não deve ser expandido através de uma turbina, por exemplo).

O efeito é aplicado com a técnica de Linde como um processo padrão na indústria petroquímica, onde a refrigeração é utilizada para liquefazer gases, e também em várias aplicações criogênicas (por exemplo, para a produção de oxigênio, nitrogênio, e argônio líquidos). Apenas quando o coeficiente de Joule-Thomson para o gás na determinada temperatura é maior que zero o gás pode ser liquefeito a essa temperatura pelo ciclo de Linde. Em outras palavras, um gás deve estar abaixo da sua temperatura de inversão para ser liquefeito pelo ciclo de Linde. Por esta razão, o ciclo de Linde simples normalmente não pode ser utilizado para liquefazer hélio, hidrogênio e neônio.

Demonstração de que a entalpia permanece constante em um processo de Joule-Thomson[editar | editar código-fonte]

Em um processo de Joule-Thomson a entalpia permanece constante. Para demonstrar isso, o primeiro passo é calcular o trabalho líquido realizado pelo gás que se move através da válvula. Suponha que o gás tem um volume V1 na região à pressão P1 (região 1) e um volume V2 quando ele chega à região à pressão P2 (região 2). Então o trabalho realizado sobre o gás pela fração de gás na região 1 é P1V1. Na região 2, o trabalho realizado pelo gás é P2V2. Assim, o trabalho total realizado pelo gás é

A variação na energia interna mais o trabalho realizado pelo gás é, pela primeira lei da termodinâmica, a quantidade total de calor absorvido pelo gás (aqui supõe-se que não há variação na energia cinética). No processo de Joule-Thomson, o gás é mantido isolado, de forma que nenhum calor é absorvido. Isso significa que

onde e denotam a energia interna do gás nas regiões 1 e 2, respectivamente.

Utilizando a definição de entalpia , a equação acima implica que:

onde e denotam a entalpia do gás nas regiões 1 e 2, respectivamente.

Dedução do coeficiente de Joule–Thomson[editar | editar código-fonte]

É uma dedução da expressão

para o coeficiente de Joule–Thomson.

A derivada parcial de T em relação a P a H constante pode ser calculada expressando-se a entalpia diferencial dH em termos de dT e dP, e igualando-se a expressão resultante a zero e resolvendo-se para a razão entre dT e dP.

Segue da relação termodinâmica fundamental que a diferencial da entalpia e dada por:

(aqui é a entropia do gás).

Expressando dS em termos de dT e dP, temos:

Usando

(ver Calor específico), podemos escrever:

A derivada parcial de S restante pode ser expressa em termos do coeficiente de expansão térmica através de uma relação de Maxwell, como se segue. A partir da relação termodinâmica fundamental, segue-se que a diferencial da energia de Gibbs é dada por:

A simetria entre as derivadas parciais de G em relação a T e P implica que:

onde é o coeficiente de expansão térmica. Usando esta relação, a diferencial de H pode ser expressa como

Igualando dH a zero e resolvendo para dT/dP, obtemos finalmente:

É fácil verificar que para um gás ideal o coeficiente de expansão térmica é , e assim um gás ideal não sente o efeito Joule-Thomson. O resfriamento de um gás por uma expansão isentrópica pura não é o resfriamento de Joule-Thomson, embora isso seja às vezes erroneamente chamado de resfriamento Joule-Thomson por alguns profissionais experimentais.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c R. H. Perry and D. W. Green (1984). Perry's Chemical Engineers' Handbook (em inglês). [S.l.]: McGraw-Hill. ISBN 0-07-049479-7 
  2. B. N. Roy (2002). Fundamentals of Classical and Statistical Thermodynamics (em inglês). [S.l.]: John Wiley & Sons. ISBN 0-470-84313-6 
  3. a b W. C. Edmister, B. I. Lee (1984). Applied Hydrocarbon Thermodynamics (em inglês). 1 2 ed. [S.l.]: Gulf Publishing. ISBN 0-87201-855-5 
  4. F. Reif (1965). «Chapter 5 – Simple applications of macroscopic thermodynamics». Fundamentals of Statistical and Thermal Physics (em inglês). [S.l.]: McGraw-Hill. ISBN 0070518009 
  5. A. W. Adamson (1973). «Chapter 4 – Chemical thermodynamics. The First Law of Thermodynamics». A textbook of Physical Chemistry (em inglês) 1 ed. [S.l.]: Academic Press. LCCN 72-88328 
  6. G. W. Castellan (1971). «Chapter 7 – Energy and the First Law of Thermodynamics; Thermochemistry». Physical Chemistry (em inglês) 2 ed. [S.l.]: Addison-Wesley. ISBN 0201009129 
  7. Joule Expansion Arquivado em 13 de junho de 2012, no Wayback Machine. (by W.R. Salzman, Department of Chemistry, University of Arizona)


Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • M. W. Zemansky (1968). Heat and Thermodynamics; An Intermediate Textbook. [S.l.]: McGraw-Hill. pp. 182, 355. LCCN 67-26891 
  • D. V. Schroeder (2000). An Introduction to Thermal Physics. [S.l.]: Addison Wesley Longman. p. 142. ISBN 0-201-38027-7 
  • C. Kittel, H. Kroemer (1980). Thermal Physics. [S.l.]: W. H. Freeman. ISBN 0-7167-1088-9 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]