Erythroxylaceae

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Como ler uma infocaixa de taxonomiaErythroxylaceae
Classificação científica
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
(sem classif.) fabídeas
Ordem: Malpighiales
Família: Erythroxylaceae
Kunth[1]
Géneros
Sinónimos
Flores de Erythroxylum coca (coca).
Folhagem e drupas de Erythroxylum novogranatense.
Rametas florais de Erythroxylum martii.
Drupas de Erythroxylum deciduum.
Erythroxylum coca (coca).
Folhagem e drupas de Erythroxylum coca (coca).
Flores de Erythroxylum tortuosum.
Flores de Erythroxylum vaccinifolium.
Folhagem, flores e fruto de Erythroxylum coca.

Erythroxylaceae é uma família de plantas com flor, pertencente à ordem Malpighiales, que agrega 4 géneros e cerca de 242 espécies[2][3] de árvores e arbustos, entre as quais Erythroxylum coca, a principal fonte da cocaína.[4]

Descrição[editar | editar código-fonte]

A família Erythroxylaceae inclui 4 géneros e mais ou menos 242 espécies de arbustos ou pequenas árvores,[2] predominantemente sul-americanas. No Brasil ocorre apenas o género Erythroxylum, com um grande número de espécies. A esta família pertencem os arbustos nativos de América do Sul cujas folhas são tradicionalmente mascadas pela população local e cujo cultivo ilícito em grande escala produz o alcaloide cocaína.

A família é de origem antiga e morfologicamente muito semelhante à família Linaceae, na qual alguns taxonomistas antigos a incluíram. Com o advento da filogenia molecular deixou de haver dúvida sobre a sua autonomia, o que é morfologicamente confirmado devido aos frutos, estames, pétalas com apêndices na face adaxial e forma dos filamentos estaminais, os quais formam um tubo que recobre a metade inferior do gineceu.

Morfologia[editar | editar código-fonte]

São pequenas árvores (mesofanerófitos), arbustos ou subarbustos, erectos, com raminhos novos mais ou menos compridos. Em muitas espécies aparecem ramificações curtas recobertas na base por formações escamiformes, denominadas rametas, que constituem elementos muito característicos para a identificação da família. De forma geral, as rametas apresentam forma mais ou menos triangular, com o dorso percorrido por duas quilhas paralelas ou carenas, geralmente bipartidas no ápice. A consistência das rametas é muito diversa, funcionando estas estruturas como brácteas em cuja extremidade se desenvolvem as flores. Ocorrem também rametas com função semelhante à das estípulas, nas quais entre os dois segmentos apicais se localiza uma formação que lembra uma arista espessada que representa uma folha cujo limbo é muito reduzido, com bordos enrolados, cujo desenvolvimento é interrompido muito cedo e que, depois de certo tempo, se desprende facilmente.[4]

As folhas são simples, inteiras e com margens lisas, bem desenvolvidas, de filotaxia alterna e espiralada, raramente dispostos em frente ao ramo. As folhas, de prefloração convoluta e com o pecíolo curto e a lâmina foliar bem distinta, são geralmente coreáceas, mas por vezes herbáceas a membranosas. Por vezes, os ramos também são recobertos em duas linhas por folhas reduzidas a escamas. Estão sempre presente estípulas foliares. A folhagem é geralmente pouco densa.

As flores ocorrem isoladas nas axilas das folhas ou agrupadas em curtas inflorescências laterais com 1-8 flores cada. São flores pequenas , geralmente hermafroditas (embora algumas espécies sejam dioicas), com simetria radial (zigomórficas) e pentâmeras, com duplo perianto, assumindo a forma poligonal regular de uma estrela de cinco pontas. As cinco sépalas são livres ou fundidos. As cinco pétalas são livres ou parcialmente fundidas e podem ter apêndices escamiformes (lígulas) na face superior. As flores apresentam dois verticilos, um pouco concrescentes na base, cada um com cinco estames férteis, monadelfos, com filamentos de dois comprimentos distintos. O gineceu com 3-4 carpelos fundidos num sincárpio súpero, formando um ovário geralmente trilocular (raramente bilocular), mas dos três óvulos, dois abortam, desenvolvendo-se apenas um, placentado num único carpelo com 1-2 rudimentos seminais. Cada câmara do ovário contém apenas um óvulo de placentação apical ou pendente. Os estiletes são geralmente três, raramente dois, livres a parcialmente fundidos com o pistilo e estigmas capitados. As flores geralmente apresentam heterostilia, com as flores longistiladas com os estiletes mais compridos que os estames e as flores brevistiladas com os estames maiores que os três estiletes.

Os frutos são geralmente drupas carnudas, solitárias, em cuja base as sépalas e estames ainda estão presentes na maturação.

Os grãos de pólen apresentam três células, com três aberturas e são colporados a quase zonorados. O número cromossómico básico é x = 12.

Distribuição[editar | editar código-fonte]

A família Erythroxylaceae apresenta distribuição pantropical com espécies que se repartem desde as regiões tropicais, onde se concentra o grosso da biodiversidade do agrupamento, até às regiões subtropicais do continente africano. O principal centro de diversidade da família está na região tropical da periferia andina da América do Sul, região onde ocorre o maior número de espécies e de endemismos (especialmente no noroeste do Brasil e na Venezuela).[5] O género com maior número de espécies (cerca de 230) é Erythroxylum P.Browne, que apresenta distribuição ampla, ocorrendo nos trópicos de todos os continentes e na Oceania. A coca, Erythroxylum coca, é originária das encostas escarpadas dos Andes amazónicos.

Os restantes géneros (Aneulophus Benth., Nectaropetalum Engl. e Pinacopodium Exell & Mendonça), apresentam número reduzido de espécies e distribuição exclusiva na África.[6][4]

O grupo apresenta grande versatilidade ecológica, com espécies registadas em vários tipos de vegetação no semi-árido (caatinga, campos rupestres, florestas serranas e florestas estacionais) ocorrendo em diferentes níveis de elevações, desde o nível do mar até habitats montanhosos acima de 900 m de altitude.[7]

A família tem distribuição pantropical, sendo que o género Nectaropetalum tem três espécies africanas, o género Pinacopodium apresenta pelo menos uma espécie na bacia do rio Congo, e o género Erythroxylum estende-se pela Ásia, Austrália, ilhas da Oceania e ambas as Américas. As populações sul-americanas de Erythroxylaceae do género Erythroxylum estão frequentemente ameaçadas devido ao corte indiscriminado nas áreas reduzidas onde ocorrem. Contudo, mostram uma larga adaptação por parte das espécies sul e centro-americanas a condiciones distintas dos bosques húmidos originários. Conta com numerosas espécies endémicas, algumas com um área de distribuição pequena, as quais ocupam as regiões desérticas tropicais quentes e os bosques húmidos amazónicos, entre os 150 e os 720 m de altitude. As espécies estão muitas vezes muito especializadas, adaptadas a um tipo de habitat concreto, o que dificulta a sua expansão. Algumas espécies evitam as zonas de selva inundável.

Usos[editar | editar código-fonte]

As Erythroxylaceae são ricas em alcalóides, apresentando elavadas concentrações de uma vasta gama de compostos. Entre os compostos presentes contam-se antocianidinas (como a cianidina) e flavonóides (como o kaempferol e a quercetina). Algumas espécies são ricas em saponinas. As sementes contêm amido.

Outra característica química deste grupo é a presença em algumas espécies de alcaloides do grupo tropano, entre os quais se destaca a cocaína, um alcaloide natural produzido, entre outras espécies, por Erythroxylum coca Lam., que foi empregado como anestésico local em pequenas cirurgias.[8] Entretanto, a cocaína ganhou notoriedade pela sua actividade psicoactiva tornando-se um dos grandes problemas de saúde pública da actualidade. Algumas espécies de Erythroxylum são referidas como tendo potencial farmacológico, capazes de fornecer alcaloides, terpenoides e flavonoides.

A espécie Erythroxylum catuaba (sin.: Erythroxylum vacciniifolium Mart.), conhecida popularmente por catuaba, é uma pequena árvore que produz flores amarelas e alaranjadas e um pequeno fruto venenoso de forma oval e coloração laranja escuro quando maduro. A espécie ocorre naturalmente no no bosque tropical amazónico do norte do Brasil. A catuaba não contém qualquer dos alcaloides activos da coca, mas é rica em três alcaloides, as catuabinas A, B e C, que apresentam acção psicotrópica estimulante sendo-lhe atribuídas propriedades afrodisíacas.

A espécie Erythroxylum pelleterianum A.St.-Hil. é usada no tratamento de dores estomacais. As espécies Erythroxylum myrsinites e Erythroxylum suberosum são utilizadas na indústria de curtumes.[9]

Filogenia e sistemática[editar | editar código-fonte]

A família Erythroxylaceae apresenta distribuição pantropical, tendo como principal centro de diversidade e endemismo a América do Sul. A família engloba 4 géneros e cerca de 242 espécies,[3] entre as quais a coca.[4]

Filogenia[editar | editar código-fonte]

Um estudo de filogenética molecular, realizado em 2012, usou dados resultantes da análise de um número alargado de genes e por essa via obteve uma árvore filogenética com maior resolução que a disponível nos estudos anteriormente realizados.[10] Nesse estudo foram analisados 82 genes de plastídeos de 58 espécies (a problemática família Rafflesiaceae não foi incluída), usando partições identificadas a posteriori pela aplicação de um modelo de mistura com recurso a inferência bayesiana. Esse estudo identificou 12 clados adicionais e 3 clados basais de maior significância.[11][10] A posição da família Erythroxylaceae no contexto da ordem Malpighiales é a que consta do seguinte cladograma:[4]

Oxalidales (grupo externo)

Malpighiales
euphorbioides

Peraceae

  

Rafflesiaceae

  

Euphorbiaceae

phyllanthoides

Picrodendraceae

Phyllanthaceae

linoides

Linaceae

Ixonanthaceae

clado parietal 
salicoides

Salicaceae

Scyphostegiaceae

Samydaceae

Lacistemataceae

Passifloraceae

Turneraceae

Malesherbiaceae

Violaceae

Goupiaceae

Achariaceae

Humiriaceae

clusioides

Hypericaceae

Podostemaceae

Calophyllaceae

Clusiaceae

Bonnetiaceae

ochnoides

Ochnaceae

Quiinaceae

Medusagynaceae

Rhizophoraceae

Erythroxylaceae

Ctenolophonaceae

Pandaceae

Irvingiaceae

chrysobalanoides

Chrysobalanaceae

Euphroniaceae

Dichapetalaceae

Trigoniaceae

Balanopaceae

malpighioides

Malpighiaceae

Elatinaceae

Centroplacaceae

Caryocaraceae

putranjivoides

Putranjivaceae

Lophopyxidaceae

A família Erythroxylaceae é o grupo irmão da família Rhizophoraceae, com a qual partilha algumas características morfológicas.

Sistemática[editar | editar código-fonte]

A família Erythroxylaceae foi proposta em 1822 por Karl Sigismund Kunth na obra Nova Genera et Species Plantarum, 4. Auflage, 5, p. 175 sob o nome de Erythroxyleae,[12] tomando como género tipo Erythroxylum P.Browne. Um sinónimo taxonómico para Erythroxylaceae Kunth é Nectaropetalaceae (Winkler) Exell & Mendonça.Os taxa da antiga família Nectaropetalaceae estão presentemente integrados na família Erythroxylaceae.

Na sua presente circunscrição taxonómica, a família Erythroxylaceae inclui 4 géneros[13] com cerca de 242 espécies:

  • Erythroxylum P.Browne: frequentemente com os estames dos dois verticilos diferentes em comprimento e fundidos na base. Algumas espécies contêm um exsudato leitoso. Existem 230 a 250 espécies, entre as quais:
    • Erythroxylum coca Lam.: nativa dos Andes da América do Sul;[13] para obter o fármaco foliar coca processado para produzir cocaína, são usadas as variedades:
      • Erythroxylum coca Lam. var. coca, conhecida por coca-boliviana ou coca-huanuco;
      • Erythroxylum coca var. ipadu Plowman, conhecida por coca-do amazonas;
    • Erythroxylum novogranatense (D.Morris) Hieron.: Para obter a droga folha de coca e, como produto processado, a cocaína. Ocorre naturalmente na Colômbia, Equador e Peru,[13] regiões onde é largamente cultivada, tendo as seguintes variedades:
      • Erythroxylum novogranatense var. novogranatense, conhecida por coca-colombiana.
      • Erythroxylum novogranatense var. truxillense (Rusby) Plowman, conhecida por coca-de-trujillo.
    • Erythroxylum catuaba A.J.Silva ex Raym.-Hamet: nativa do Brasil, usada para produzir a droga conhecida por catuaba.[13]
    • Erythroxylum vacciniifolium Mart.: usada para produzir a droga conhecida por catuaba.
    • Erythroxylum zeylanicum O.E.Schulz: usada para extracção de alcalóides do grupo dos tropanos.
  • Aneulophus Benth.: com 2 espécies, que diferem na morfologia com flores fracamente zigomorfas, septicidas, e frutos em cápsula com arilo.
  • Nectaropetalum Engl. (incluindo Peglera Bolus): com 6 espécies na África, das quais 2 ocorrem apenas no sul da África.
  • Pinacopodium Exell & Mendonça: com duas espécies nas regiões tropicais da África.

Na sua presente circunscrição taxonómica, a família inclui os seguintes géneros:[4]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Angiosperm Phylogeny Group (2009). «An update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants: APG III». Botanical Journal of the Linnean Society. 161 (2): 105–121. doi:10.1111/j.1095-8339.2009.00996.x 
  2. a b Stephens, P.F. (2001 onwards). Angiosperm Phylogeny Website. Version 9, June 2008. http://www.mobot.org/MOBOT/Research/APweb/
  3. a b Christenhusz, M. J. M. & Byng, J. W. (2016). «The number of known plants species in the world and its annual increase». Phytotaxa. 261 (3): 201–217. doi:10.11646/phytotaxa.261.3.1 
  4. a b c d e f Erythroxylaceae no APWebsite.
  5. Daly, D. 2004. "Erythroxylaceae", pp. 143-145. In: Smith, N.; Mori, S.A.; Henderson, A.; Stevenson, D.W. & Heald, S.V. (eds.). Flowering plants of the Neotropics. The New York Botanical Garden, Princeton University Press, New York.
  6. Plowman, T.C. & Berry, P.E. 1999. "Erythroxylaceae". In: Steyermark, J.A.; Berry, P.E.; Holst, B. & Yatskievych, K. (editores). Flora of Venezuelana Guayana 5: 59-71.
  7. James Lucas da Costa-Lima; Maria Iracema Bezerra Loiola; Jomar Gomes Jardim, "Erythroxylaceae no Rio Grande do Norte, Brasil". Rodriguésia, vol.65 (jul./set. 2014), n.º 3, Rio de Janeiro (http://dx.doi.org/10.1590/2175-7860201465306 ).
  8. Griffin, WJ, Lin GD, "Chemotaxonomy and geographical distribution of tropane alkaloids". Phytochemstry 53 (2000):623-637.
  9. Corrêa, M.P. (1984), Dicionário de plantas úteis do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 6 v.
  10. a b Xi, Z.; Ruhfel, B. R.; Schaefer, H.; Amorim, A. M.; Sugumaran, M.; Wurdack, K. J.; Endress, P. K.; Matthews, M. L.; Stevens, P. F.; Mathews, S.; Davis, C. C. (2012). «Phylogenomics and a posteriori data partitioning resolve the Cretaceous angiosperm radiation Malpighiales». Proceedings of the National Academy of Sciences. 109 (43). 17519 páginas. PMC 3491498Acessível livremente. PMID 23045684. doi:10.1073/pnas.1205818109 
  11. Catalogue of Organisms: Malpighiales: A Glorious Mess of Flowering Plants
  12. Erstveröffentlichung eingescannt bei biodiversitylibrary.org.
  13. a b c d «Erythroxylaceae». Agricultural Research Service (ARS), United States Department of Agriculture (USDA). Germplasm Resources Information Network (GRIN) 

Galeria[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Berendsohn, W.G., A. K. Gruber & J. A. Monterrosa Salomón. 2009. Nova Silva Cuscatlanica. Árboles nativos e introducidos de El Salvador. Parte 1: Angiospermae - Familias A a L. Englera 29(1): 1–438.
  • D'Arcy, W. G. & N. Schanen. 1975. Flora of Panama, Part VI. Family 87. Erythroxylaceae. Ann. Missouri Bot. Gard. 62(1): 21–33. View in BotanicusView in Biodiversity Heritage Library
  • Idárraga-Piedrahita, A., R. D. C. Ortiz, R. Callejas Posada & M. Merello. (eds.) 2011. Fl. Antioquia: Cat. 2: 9–939. Universidad de Antioquia, Medellín.
  • Stevens, W. D., C. Ulloa Ulloa, A. Pool & O. M. Montiel Jarquín. 2001. Flora de Nicaragua. Monogr. Syst. Bot. Missouri Bot. Gard. 85: i–xlii,.
  • Zamora Villalobos, N., Q. Jiménez Madrigal & L. J. Poveda Álvarez. 2004. Árboles Costa Rica 3: 1–556. INBio, Santo Domingo de Heredia.
  • A família Erythroxylaceae no APWebsite.
  • A família Erythroxylaceae no DELTA de L. Watson & M. J. Dallwitz.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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