Física aristotélica

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O famoso filósofo Aristóteles, retratado por Rembrandt.

O filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.)desenvolveu muitas teorias no campo da Física. Tais teorias englobam o que Aristóteles descreveu com os quatro elementos. Ele falou detalhadamente sobre a relação entre esses elementos, suas dinâmicas, como eles impactaram na Terra e como eles eram, em muitos casos, atraídos entre si por forças não especificadas.

Os princípios fundamentais da física aristotélica são:

  1. Lugares naturais: cada elemento preferia estar em um lugar diferente e específico no espaço, em relação ao centro da Terra, que também é o centro do universo.
  2. Gravidade / Leviandade: para alcançar este lugar específico, os objetos sofreriam a ação de uma força para baixo ou para cima.
  3. Movimento retilíneo: é o movimento em resposta a esta força: em linha reta a uma velocidade constante.
  4. Relação com densidade e velocidade: a velocidade é inversamente proporcional à densidade do meio.
  5. Impossibilidade da existência do vácuo: no vácuo o movimento teria velocidade infinita.
  6. O éter preenchendo o espaço: todos os pontos do espaço são preenchidos pela matéria.
  7. Um universo infinito: não poderia existir uma fronteira no espaço.
  8. Teoria do continuum: entre os átomos existe o vácuo, por isso a matéria não poderia ser diminuta, atômica.
  9. Quintessência: objetos muito acima da superfície da Terra não são constituídos por matéria originalmente terrestre.
  10. Cosmo incorruptível e eterno: o Sol e os planetas são esferas perfeitas que não se alteram.
  11. Movimento circular: os planetas descrevem um movimento circular perfeito.

Os princípios de Aristóteles não são corretos sob quaisquer aproximações, e não descrevem com exatidão coisa alguma em nosso universo. Os contemporâneos de Aristóteles, como Demócrito, Aristarco e Arquimedes, rejeitaram esses princípios em favor do atomismo e do heliocentrismo, mas suas ideias não foram amplamente aceitas. Dificilmente os princípios de Aristóteles eram refutados, ainda que através de uma mera observação ao acaso. Entretanto, o posterior desenvolvimento do método científico desafiou esses pontos de vista através de experimentos, medições cuidadosas e tecnologias mais avançadas, como o telescópio e a bomba de vácuo.

Física aristotélica

Aristóteles ensinava que os elementos que compunham a Terra eram diferentes daqueles que compunham o céu e o espaço exterior. Segundo ele, a maior parte da dinâmica dos movimentos era determinada principalmente pela natureza e características pró principais que constituíam o objeto movente.

Elementos

Aristóteles acreditava que havia quatro principais elementos, ou compostos, que modelavam a Terra: terra, ar, água e fogo (Obs.: O termo "terra' refere-se a um elemento puro que Aristóteles teorizou, e não o planeta Terra, que é conhecido pela ciência moderna por ser composto de um grande número de elementos químicos. O mesmo vale para as outras terminologias utilizadas: "ar" se refere a um elemento puro do ar, ao contrário do ar que se encontra na atmosfera terrestre, que também é composto por muitos elementos químicos). Aristóteles também declarou que todo o céu e cada fração de matéria pertencente ao universo eram formados a partir de um quinto elemento, chamado por ele de "aether" (também transliterado como "éter"), o qual era supostamente leve e "incorruptível". O éter também era conhecido pelo nome de "quintessência" — literalmente, "quinta substância".

Substâncias pesadas como o ferro e os metais eram consideradas como constituídas principalmente pelo elemento terra, mas numa quantidade limitada de matéria proveniente de outros elementos. Já outros objetos menos pesados e/ou densos foram pensados como sendo menos terrestres, compostos por uma mistura mais intensa de outros elementos. Os seres humanos seriam constituídos por todas as substâncias, com exceção do éter, mas a proporção relativa entre os elementos era única para cada pessoa, não havendo nenhuma quantidade padrão para cada uma.

Dinâmica

Página da edição 1837 de Física, de Aristóteles, um livro sobre assuntos variados, incluindo física e filosofia.

Aristóteles defendia que cada um dos quatro elementos mundanos buscava uns aos outros e se aglomerava, e que era preciso impedir que esta busca por elementos similares fosse interrompida, já que a mesma era tão natural como dois ímãs se repelindo ou a chuva caindo das nuvens. Por exemplo, uma vez que a fumaça era basicamente composta por ar, ela subiria naturalmente para encontrar o ar no céu. Também era ensinado que os objetos e a matéria só poderiam se mover enquanto houvesse uma forma de energia forçando-o em uma determinada direção. Por esta razão, se todas as forças aplicadas nas proximidades da Terra fossem eliminadas, como no lançamento de uma pedra, então nada poderia se movimentar. Esta ideia apresentava falhas que eram perceptíveis mesmo na época em que este conceito foi formulado. Muitas pessoas questionavam sobre como um objeto como uma flecha poderia continuar se movimentando para frente após se libertar da força exercida pela a corda. Aristóteles propôs a ideia de que flechas e outros objetos criavam um tipo de vácuo que os forçavam para a frente, o que era consistente com a sua visão do movimento como uma interação entre objeto e o meio no qual ele se move. Como o movimento turbulento do ar em torno de uma flecha é muito complicado, e ainda não é totalmente compreendido, qualquer discrepância com a observação poderia ser varrida para baixo do tapete.

Uma vez que Aristóteles colocava o meio no centro de sua teoria sobre o movimento, não fazia sentido para ele a noção de um vazio ou vácuo central, como o da teoria atômica de Demócrito. O vácuo é um local isento de qualquer substância, e uma vez que Aristóteles afirmou que o estado de movimento exige a presença de um meio, ele chegou à conclusão de que o vazio era um conceito incompreensível. Aristóteles acreditava que o movimento de um objeto era inversamente proporcional à densidade do meio. Quanto mais rarefeito o meio, mais rápido é o movimento. Se um objeto está se movendo no vazio, Aristóteles acreditava que ele se moveria infinitamente, de modo que a matéria preencheria imediatamente qualquer vazio gerado atrás do corpo.

A gravidade

A teoria aristotélica da gravidade afirmava que todos os corpos se movem em direção ao seu lugar natural. Para alguns objetos, Aristóteles afirmou que o lugar natural tinha de ser o centro da Terra, e, portanto, eles cairiam em direção a ela. Para outros objetos, o lugar natural seria a esfera celeste e, como tal, gases — ou vapores, por exemplo — afastavam-se do centro da Terra em direção ao céu e à Lua. A velocidade desse movimento era suposta proporcional à massa do objeto.

Críticas medievais

Ver artigo principal: Física Islâmica e Teoria do Impetus

Durante a Idade Média, a teoria aristotélica da gravidade foi pela primeira vez criticada e modificada por João Filopono e, posteriormente, por físicos muçulmanos. Ja'far Muhammad ibn Mūsā ibn Shākir (800-873), dos Banū Mūsā, escreveu O movimento astral e A força de atração, onde ele relata sua descoberta de que havia uma força de atração entre os corpos celestes, nada mais que o prenúncio da lei da gravitação universal de Newton.

Ibn al-Haytham (965-1039) também discutiu a teoria de atração entre massas e, ao que tudo indica, ele conhecia a intensidade da aceleração devida à gravidade, além do fato de que o movimento dos corpos celestes "eram justificados por leis naturais". Abū Rayhān al-Bīrūnī (973-1048) foi o primeiro a constatar que a aceleração está relacionada a um movimento não-uniforme, fato que é uma pequena parcela do conteúdo da segunda lei de Newton. Durante um debate com Avicena, al-Bīrūnī também criticou a teoria aristotélica da gravidade ao negar a existência da levitação ou gravidade nas esferas celestes, além da noção do movimento circular como sendo uma propriedade inerente dos corpos celestes.

Em 1121, al-Khazini, em O livro da harmonia da sabedoria, propôs que a gravidade e a energia potencial gravitacional de um corpo variam de acordo com sua distância ao centro da Terra. Hibat Allah Abu'l-Barakat al-Baghdaadi (1080-1165) escreveu uma crítica à física aristotélica, intitulada al-Mu'tabar, onde ele nega a ideia de Aristóteles de que uma força constante produz um movimento uniforme, ao constatar que uma força, quando aplicada continuamente, produz uma aceleração, um princípio fundamental da mecânica clássica e uma forma primitiva da segunda lei de Newton para o movimento. Tal como Newton, al-Baghdaadi descreve a aceleração como a taxa de variação da velocidade.

No século XIV, Jean Buridan desenvolveu a teoria do ímpeto, baseada na teoria do mayl, de Avicena, e no trabalho de João Filopono, como uma alternativa à teoria aristotélica do movimento. A teoria do ímpeto, ou impulso, foi a precursora dos conceitos de inércia e momento linear na mecânica clássica.

No século XVI, al-Birjandi discutiu um possível movimento de rotação da Terra. Em sua análise sobre o que poderia ocorrer se a Terra girasse, ele desenvolveu uma hipótese semelhante à noção de Galileu Galilei de "inércia rotacional", a qual ele descreveu na seguinte experiência:

Vida e morte da teoria aristotélica

O reinado dos conceitos da física aristotélica perdurou por quase dois milênios e foi a base de todas as teorias especulativas mais antigas conhecidas da física. Após o trabalho de Alhazen, Avicena, Avempace, Nicolau Copérnico al-Baghdadi, Jean Buridan, Galileu, Descartes, Isaac Newton e muitos outros, finalmente foi amplamente aceito que a física aristotélica não era correta nem viável. Apesar disso, suas ideias prevaleceram até o século XVII, talvez até mais, uma vez que seus conceitos ainda foram lecionados nas universidades da época. O modelo de Aristóteles para a física foi o principal obstáculo acadêmico para a criação da ciência física moderna, mesmo muito depois da morte de Aristóteles.

Na Europa, a teoria de Aristóteles foi pela primeira vez derrubada de forma convincente através do trabalho de Galileu Galilei. Usando um telescópio, Galileu observou que a Lua não era totalmente lisa, e sim que havia crateras e montanhas, contrariando a ideia aristotélica de uma Lua incorruptível perfeitamente lisa. Galileu também criticou este conceito de forma teórica - uma Lua perfeitamente lisa que refletia a luz de forma desigual, como uma bola de bilhar brilhante, de modo que as bordas do disco lunar teriam um brilho diferente do ponto onde um plano tangente reflete a luz solar diretamente para os olhos deu lugar a uma lua áspera e montanhosa que reflete a luz igualmente em todas as direções, cobrindo o disco lunar com aproximadamente o mesmo brilho que é observado. Galileu também observou que Júpiter possui luas, ou seja, outros objetos giram em torno de uma entidade diferente da Terra. Ele observou as fases de Vênus, demonstrando de forma convincente que Vênus, e por conseguinte Mercúrio, viajam ao redor do Sol, e não da Terra.

De acordo com a história, Galileu deixou cair esferas de diferentes densidades da Torre de Pisa e verificou que esferas tanto leves como pesadas caíam à mesma velocidade. Na verdade, ele fez experimentos quantitativos com esferas rolando por um plano inclinado, o que consiste numa forma de queda lenta o suficiente para ser avaliada sem instrumentos de medida avançados.

Uma vez que Aristóteles não acreditava que o movimento podia coexistir na ausência de um meio circundante, ele não pôde tratar a resistência do ar como um fator complicador. Um corpo mais pesado cai mais rápido que um mais leve e de mesmo formato somente num meio denso, como a água, e isto levou Aristóteles a especular que a taxa de queda é proporcional à massa e inversamente proporcional à densidade do meio. A partir de experiências com queda de objetos na água, ele mesmo concluiu que a água é aproximadamente dez vezes mais densa que o ar. Porém, através da pesagem de um dado volume de ar comprimido, Galileu mostrou que os resultados da pesagem estimam perfeitamente a densidade do ar por um fator quarenta. E, a partir de suas experiências com planos inclinados, ele concluiu que todos os corpos caem na mesma proporção, desprezando o atrito.

Galileu também aperfeiçoou um argumento teórico para apoiar a sua conclusão. Ele questionou: se dois corpos de diferentes massas e diferentes taxas de queda são amarrados por uma corda, o sistema combinado cairá mais rápido, já que é mais compacto, ou o corpo mais leve em sua queda mais lenta será detido pelo corpo mais pesado? Nenhuma delas é a explicação correta: todos os sistemas caem na mesma proporção.

Os seguidores de Aristóteles estavam cientes de que o movimento dos corpos em queda não era uniforme, mas que adquiria velocidade com o tempo. Como o tempo é uma quantidade abstrata, os peripatéticos postularam que a velocidade era proporcional à distância. Galileu estabeleceu experimentalmente que a velocidade é proporcional ao tempo, mas ele também deu um argumento teórico de que não havia possibilidade de ela ser proporcional à distância. Em termos modernos, se a taxa de queda é proporcional à distância, a equação diferencial para a distância y percorrida após um tempo t é

com a condição . Galileu demonstrou que este sistema permaneceria em em todos os instantes. Se uma perturbação modifica o sistema em movimento, o objeto seria acelerado exponencialmente no tempo, e não quadraticamente.

Na superfície da Lua em 1971, David Scott repetiu a famosa experiência de Galileu, ao soltar uma pena e um martelo de cada mão ao mesmo tempo. Na ausência de uma atmosfera natural, os dois objetos caíram e tocaram a superfície da Lua ao mesmo tempo.

Com a sua lei da Gravitação Universal, Isaac Newton foi o primeiro a escrever matematicamente a teoria correta para a gravidade. Nela, qualquer massa é atraída em direção a qualquer outra massa através de uma força que decresce com o quadrado da distância. Em 1915, a teoria de Newton foi modificada por Albert Einstein, que desenvolveu uma nova visão da gravitação no âmbito da sua teoria da relatividade geral.

Ver também

Referências

  • Ragep, F. Jamil (2001a), «Tusi and Copernicus: The Earth's Motion in Context», Cambridge University Press, Science in Context, 14 (1-2): 145–163 
  • Ragep, F. Jamil (2001b), «Freeing Astronomy from Philosophy: An Aspect of Islamic Influence on Science», Osiris, 2nd Series, 16 (Science in Theistic Contexts: Cognitive Dimensions): 49–64 & 66–71 
  • H. Carteron (1965) "Does Aristotle Have a Mechanics?" in Articles on Aristotle 1. Science eds. Jonathan Barnes, Malcolm Schofield, Richard Sorabji (London: General Duckworth and Company Limited), 161-174.