Intoxicação por mercúrio

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Intoxicação por mercúrio
Especialidade medicina de urgência
Classificação e recursos externos
CID-10 T56.1
CID-9 985.0
DiseasesDB 8057
MedlinePlus 002476
eMedicine emerg/813
MeSH D008630
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A contaminação por mercúrio é um tipo de intoxicação de humanos e animais, causada pela exposição à forma metálica e gasosa desse elemento químico, seja por meio direto ou indireto. O uso deste elemento em atividades humanas, de forma pouco cautelosa e em grandes concentrações, é considerado um impacto ambiental que resulta em danos ao ambiente e à saúde de organismos vivos.

Os sintomas da contaminação por mercúrio dependem do tipo, dose, método e duração da exposição,[1][2] causando danos ao sistema nervoso, neurológico e respiratório. Tais sintomas podem incluir diarréia, fraqueza muscular, dificuldade de coordenação motora, dormência nas mãos e pés, erupções da pele, ansiedade, problemas de memória, problemas na fala, problemas de audição ou dificuldade para enxergar.[3]

O alto nível de exposição ao metilmercúrio é conhecido como doença de Minamata.

A detecção de níveis elevados de mercúrio no organismo é feita por meio de exames de sangue, urina e cabelo, além de radiografias.[4]

Causas[editar | editar código-fonte]

As atividades humanas estão diretamente relacionadas à elevação da concentração de mercúrio em organismos vivos.

As formas de exposição ao mercúrio incluem:

  • forma inorgânica: o metal (metilmercúrio e similares), seu vapor ou sais;
  • forma orgânica: quando o mercúrio se liga a uma molécula contendo carbono.

A exposição à forma orgânica ocorre principalmente pela ingestão de peixes e frutos do mar contaminados; já a contaminação por forma inorgânica ocorre por meio de amálgama de obturações dentárias, pela queima de carvão e pela mineração,[4] sobretudo de ouro.

Contaminação pela forma inorgânica[editar | editar código-fonte]

Forma metálica de mercúrio, usada na amálgama de ouro.

A exposição ao mercúrio ocorre de forma direta por dois meios: pelo contato da forma metálica e pela inalação de seu vapor.

O contato com forma metálica é mais comum em processos de mineração de ouro, estabelecida em garimpos, com cunho artesanal (rudimentar ou mecanizado). Neste caso, o mercúrio é utilizado pela capacidade de unir e amalgamar partículas minúsculas de ouro de forma mais rápida, separando-as dos grãos de areia e argila que são dragados do fundo de córregos ou escavados do solo. Os resíduos desse processo são despejados nos rios ou no solo.[5]

Na mineração de ouro ainda é comum o aquecimento de mercúrio, para que seja finalmente separado do ouro. Este processo pode ser feito com um maçarico. O mercúrio se liquifica a temperaturas menores que o ouro, e em seguida se transforma em vapor.[5]

Estes vapores são mais pesados que o ar e não têm odor: isso permite que o mercúrio se acumule de forma indetectável em áreas pouco ventiladas. Em áreas abertas, o vapor se dispersa na atmosfera. Uma vez inalado em grandes quantidades, o mercúrio pode se dissolver no sangue ou atacar as membranas eritrócitas e, então, se espalhar pelo corpo e facilmente ultrapassar a barreira hematoencefálica[4] e a placenta (neste caso, se instalando no sistema neurológico do bebê).[1]

Fora do cenário da mineração, o contato com o mercúrio também pode ocorrer pela queima industrial de carvão (e eliminação de vapores por chaminés industriais), e pelo contato ou eliminação inadequada de objetos com mercúrio como lâmpadas fluorescentes, termômetros, barômetros, esfingmomanómetros, tintas, cosméticos e reagentes químicos.

Quase nunca a fonte de mercúrio é via medicamento, amálgama de mercúrio em restaurações dentais[6] ou vacina, pois etilmercúrio é eliminado do organismo em poucos dias (meia-vida 7 a 10 dias).[7]

Contaminação pela forma orgânica[editar | editar código-fonte]

O consumo de peixes e frutos do mar são a principal fonte de contaminação indireta por humanos e animais carnívoros. Como o mercúrio não é biodegradável, vai se acumulando nos corpos de organismos e transferido cada vez mais acima na cadeia alimentar, por bioacumulação. Logo, animais que se alimentam de peixes podem se contaminar com o mercúrio presente nesses indivíduos, transferindo-o para humanos quando são consumidos (magnificação trófica). Em peixes, aqueles mais acima na cadeia alimentar têm, geralmente, níveis mais elevados de mercúrio.

Até plantas e animais herbívoros podem ser afetados devido a bioconcentração de mercúrio na água do mar, na água doce, em sedimentos e na atmosfera, mas em um grau cem vezes menor que peixes carnívoros.[8]

Ciclo do mercúrio. Peixes carnívoros são os que tem mais mercúrio, pois acumulam o mercúrio dos animais menores.(imagem em espanhol)

Os peixes com mais concentração de mercúrio e que devem ser consumidos menos de uma vez por mês e evitados por grávidas e lactantes são[9]:

Sintomas[editar | editar código-fonte]

Os efeitos tóxicos incluem danos ao cérebro, rins e pulmões. Os sintomas dependem da forma de exposição e do derivado. A contaminação por mercúrio pode resultar em várias doenças, incluindo acrodinia (doença rosa), a síndrome de Hunter e a doença de Minamata.

A exposição aos vapores de mercúrio pode resultar em reações alérgicas rápidas sobretudo no sistema respiratório, que se manifestam em poucas horas após o evento.[4]

No caso da inalação de compostos inorgânicos, os sintomas podem incluir[10][4]:

  • Alterações de humor, como nervosismo e irritabilidade;
  • Insônia;
  • Dor de cabeça;
  • Sensações anormais;
  • Contrações musculares;
  • Tremores;
  • Fraqueza,
  • Atrofia muscular,
  • Redução das funções cognitivas (memória, percepção, aprendizagem...).

No caso de consumo de peixes e frutos do mar contaminados, os sintomas incluem[10]:

  • Perda parcial da visão periférica;
  • Sensações de ardor ou agulhadas nos dedos, nariz e da boca;
  • Perda da coordenação motora;
  • Fraqueza muscular (astenia);
  • Distúrbios da fala e audição;
  • Redução das funções cognitivas (memória, percepção, aprendizagem...)

A exposição ao metilmercúrio, em crianças, pode resultar em acrodinia (ou doença cor-de-rosa), em que a pele torna-se cor-de-rosa e com descamações. As complicações a longo prazo podem incluir problemas renais e diminuição das funções cognitivas.[11] Os efeitos de longo prazo para uma dose baixa de exposição ao metilmercúrio não são claros.[12]

Diagnóstico[editar | editar código-fonte]

Pode ser feito por sangue e urina para intoxicações recentes ou no cabelo para intoxicações ao longo dos meses. Um nível normal de mercúrio é inferior a 10 ug/L (microgramas/litro) e menos do que 20 ug/L em urina. A concentração de mercúrio no plasma e hemácias podem diferenciar o tipo de mercúrio, pois o mercúrio orgânico nas hemácias é cerca de 20 vezes do que no plasma e a concentração de mercúrio inorgânico é apenas cerca de duas vezes mais, no máximo, do que a encontrada no plasma.[13]

Epidemiologia[editar | editar código-fonte]

Estima-se que na região mineradora da Amazônia cerca de 1,7% (17 a cada 1000) nascidos em regiões pescadoras sofrem problemas cognitivos por intoxicação de mercúrio.[14] Rios de água negra, como o Rio Negro, já apresentam naturalmente elevados valores de mercúrio em suas águas que são somados aos dejetos industriais e aumentam o risco da população local.[15] Na baía de Sepetiba (RJ), onde se despejam mais de 200 kg/ano de mercúrio, concentrações elevadas de foram encontradas em peixes coletados nas suas regiões distantes, como a baía de Ilha Grande.[16]

Tratamento[editar | editar código-fonte]

A quelação para o envenenamento por mercúrio inorgânico aguda pode ser feita com ácido dimercaptosuccínico (DMSA), DMPS (DMPS), D-penicilamina (DPCN) ou dimercaprol (BAL).[17] Só DMSA é aprovado pelo FDA para usar em crianças para o tratamento de intoxicação por mercúrio. No entanto, vários estudos não encontraram nenhum benefício clínico resulta do tratamento DMSA para o envenenamento devido ao vapor de mercúrio.[18] Quelação inadequada com EDTA pode ser fatal a crianças.[19]

Ácido α-lipóico (ALA) protegeu contra o envenenamento com mercúrio aguda em várias espécies de mamíferos quando foi administrado imediatamente após a exposição, mas a dosagem correta é necessária, pois dosagens inadequadas aumentam a toxicidade. Resultados sobre sua eficiência como quelante em estudos feitos em ratos têm sido contraditórios.

Prognóstico[editar | editar código-fonte]

Muitos dos efeitos tóxicos do mercúrio são parcialmente ou totalmente reversíveis, quer através de uma quelação ou através da eliminação natural da exposição de metal, após muitos meses sem consumi-lo. No entanto, a exposição prolongada ou a altas concentrações pode causar danos irreversíveis, em especial em fetos, lactentes e crianças pequenas.[20]

Além disso, podem surgir doenças crônicas como fibrose pulmonar e insuficiência renal. Outras doenças neurológicas crônicas são o eretismo, tremores e disfunções motoras e cognitivas.[4]

Prevenção[editar | editar código-fonte]

A prevenção inclui uma dieta baixa em mercúrio, sua remoção em tratamentos médicos, sua substituição em certos dispositivos, o descarte correto de resíduos e a redução ou interrupção de seu uso na mineração.[2][11] Em pacientes com intoxicação aguda a partir de sais inorgânicos de mercúrio, a quelação com ácido imercaptosuccinico (DMSA) ou dimercaptopropano sulfonato de sódio (DMPS) parece ter bons resultados se realizada dentro de poucas horas após a exposição. Quelante para aqueles com exposição a longo prazo não têm benefício claro.[21] Em certas comunidades que sobrevivem da pesca, taxas de envenenamento por mercúrio entre as crianças têm sido tão altas como de 1,7 por 100.[2]

Referências

  1. a b «Mercury toxicity and treatment: a review of the literature.». Journal of environmental and public health. 2012. PMC 3253456Acessível livremente. PMID 22235210. doi:10.1155/2012/460508 
  2. a b c «Mercury and health». WHO 
  3. «Mercury». NIEHS 
  4. a b c d e f Waack, Andrew; Ranabothu, Meghana (2023). «Mercury poisoning from artisanal gold mining equipment». Radiology Case Reports (n.18): 609. Consultado em 2 de fevereiro de 2023 
  5. a b «Porque o mercúrio é usado na mineração de ouro». O Eco. 14 de março de 2013. Consultado em 2 de fevereiro de 2023 
  6. http://www.medicinenet.com/mercury_poisoning/page4.htm
  7. Goldman LR, Shannon MW; American Academy of Pediatrics: Committee on Environmental Health (July 2001). "Technical report: mercury in the environment: implications for pediatricians". Pediatrics 108 (1): 197–205. doi:10.1542/peds.108.1.197. PMID 11433078. Retrieved 2007-07-25.
  8. United States Environmental Protection Agency (December 1997). Mercury Study Report to Congress (PDF) 3. Washington, D.C.: United States Environmental Protection Agency.
  9. http://www.nrdc.org/health/effects/mercury/guide.asp
  10. a b http://www.emedicinehealth.com/mercury_poisoning/page3_em.htm
  11. a b «Mercury exposure and children's health.». Current problems in pediatric and adolescent health care. 40. PMC 3096006Acessível livremente. PMID 20816346. doi:10.1016/j.cppeds.2010.07.002 
  12. Hong, Young-Seub; Kim, Yu-min (2012). «Methylmercury exposure and health effects.». Journal of Preventive Medicine and Public Health. 45. PMC 3514465Acessível livremente. PMID 23230465. doi:10.3961/jpmph.2012.45.6.353 
  13. http://www.emedicinehealth.com/mercury_poisoning/page5_em.htm
  14. http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/78130/1/9789243596570_spa.pdf Relatótio da OMS, incidência na página 29
  15. Lacerda, L.D.; Malm, O. (2008). «Contaminação por mercúrio em ecossistemas aquáticos: uma análise das áreas críticas». Dossiê Água/Estudos Avançados. v.63 (n.22): 173-190 
  16. LACERDA, L. D. et al. Dissolved mercury concentrations and reactivity in mangrove waters from the Itacurussá Experimental Foresta, Sepetiba Bay, SE Brazil. Wetlands Ecology & Management, v.9, p.323-31, 2001.
  17. Clifton JC 2nd (2007). "Mercury exposure and public health". Pediatr Clin North Am 54 (2): 237–69, viii. doi:10.1016/j.pcl.2007.02.005. PMID 17448359.
  18. Risher JF, Amler SN (2005). "Mercury exposure: evaluation and intervention the inappropriate use of chelating agents in the diagnosis and treatment of putative mercury poisoning". Neurotoxicology 26 (4): 691–9. doi:10.1016/j.neuro.2005.05.004. PMID 16009427.
  19. Baxter AJ, Krenzelok EP (2008). "Pediatric fatality secondary to EDTA chelation". Clin Toxicol 46 (10): 1083–4. doi:10.1080/15563650701261488. PMID 18949650.
  20. http://www.neonatology.org/pdf/pinkdisease.pdf
  21. «The role of chelation in the treatment of arsenic and mercury poisoning.». Journal of medical toxicology : official journal of the American College of Medical Toxicology. 9. PMC 3846971Acessível livremente. PMID 24178900. doi:10.1007/s13181-013-0344-5