Império Novo

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O Império Novo é uma época da história do Antigo Egito que se inicia por volta de 1550 a.C. e termina em 1070 a.C.. Inclui a XVIII, XIX e XX dinastias, que governaram a partir capital da cidade de Tebas. Trata-se de uma era de prosperidade e de imperialismo, durante a qual os faraós governaram um império que ia da quarta catarata do Nilo até ao rio Eufrates.

História política

A XVIII Dinastia

O Império Novo começa com a expulsão dos Hicsos, um povo semita que se tinha fixado na região do Delta e que tinha usurpado o poder. Ahmés (ou Amósis), primeiro rei da XVIII Dinastia completou a tarefa de expulsão daquele povo.

Uma vez expulsos os Hicsos, Ahmés vira-se para o sul, para a região do Cuche, onde viria a realizar três expedições militares que submeteriam aquele reino.

O filho de Ahmés, Amenófis I, continuou a política expansionista para sul. Realizou também uma incursão à Palestina, marcada pela pilhagem, cujo objetivo era aterrorizar os povos da região, deixando bem claro que não deveriam ameaçar o Egito.

O terceiro rei da XVIII Dinastia, Tutmés I, era cunhado de Amenófis. Prossegue a expansão para sul, atingindo a região da Dongola. Tutmés abandonou o cemitério real de Dra Abu el-Naga, onde tinham sido sepultados os reis da XVII Dinastia, em favor de um vale, conhecido hoje em dia como Vale dos Reis. Aqui serão sepultados os soberanos do Império Novo. O sucessor de Tutmés foi o seu filho, Tutmés II, que morreu ao fim de oito anos de um reinado apagado.

Tutmés II tinha casado, por altura da morte do seu pai, com a sua meia-irmã Hatchepsut. Com ela teve uma filha, Neferure, e um filho com uma esposa secundária, o futuro rei Tutmés III. Quando Tutmés II faleceu o seu filho era demasiado novo para ser tornar rei, razão pela qual Hatchepsut tornou-se soberana do Egito, assumindo os títulos reais reservados aos monarcas masculinos.

Hatchepsut parece ter ignorado o reinado do seu marido, ligando-se simbolicamente ao seu pai Tutmés I. A rainha afirmou-se como filha do deus Ámon, que teria tomado a forma do seu pai para se unir à mãe no momento do acto sexual que a concebeu. Na sua ascensão ao poder Hatchepsut terá sido auxiliada por funcionários como Ineni e pelos sacerdotes ligados ao culto de Amon.

Hatchepsut ordenou uma expedição pacífica ao Punt, região que estaria localizada no Corno de África, de onde foram trazidas várias riquezas, como a mirra, o incenso, o marfim, as madeiras e animais exóticos. Esta expedição foi imortalizada nos baixos-relevos do templo de Deir el-Bahari, o templo funerário da rainha.

Por volta 1448 a.C. Tutmés III ascendeu ao trono, após a morte da sua madrasta. Para alguns egitólogos, Tutmés terá praticado uma espécie de vingança póstuma sobre o reinado da madrasta, mandando destruir o seu nome de boa parte dos monumentos que ela mandara erigir.

Tutmés realizou dezessete campanhas militares na região da Síria Palestina, através das quais conseguiu a submissão dos povos da região. Os egípcios não colonizaram esta região, nem procuraram impor ali os seus costumes culturais e religiosos; o rei contentava-se em receber anualmente um tributo.

Amenófis II sucedeu ao seu pai, tendo reinado durante cerca de vinte e cinco anos. O reinado do filho de Amenófis II, Tutmés IV, foi curto e pacífico.

Tutmés IV foi pai de Amenófis III, um dos mais importantes faraós do Antigo Egito. Os seus cerca de quarenta anos de reinado são uma época de paz, na qual se colheram os frutos das expedições militares anteriores, que fizeram do Egito uma nação temida. O rei optou pela via diplomática na resolução dos conflitos com as potências da região. Integrada nestas relações diplomáticas esteve a troca de princesas, tendo o faraó casado com princesas mitanianas e babilónicas.

Amenófis é sucedido pelo seu filho, Amenófis IV. No ano quinto ou sexto do seu reinado, Amenófis mudou o seu nome para Aquenáton, tendo decidido que Aton, o disco solar, deveria ser a única divindade digna de receber culto. Até então o deus da XVIII Dinastia tinha sido Amon, cujos sacerdotes tinham adquirido um grande poder que se manifestava na sua posse de terras e de minas. É possível que esta mudança religiosa tenha tido em parte motivações de ordem política, que visavam diminuir a influência do clero de Amon.

Aquenáton transferiu a corte para uma nova cidade, Aquetaton ("Horizonte de Aton"), cujas ruínas se encontram na atual cidade de Tell el-Amarna. Por estão razão este período é conhecido com o "período de Amarna".

Alguns reis anteriores a Aquenáton, como Tutmés IV e Amen-hotep III tinham tido já uma relação muito próxima com o deus Aton, mas no entanto esta devoção não tinha chegado aos termos absolutos que Aquenáton lhe deu.

Aquenáton teve seis filhas com a sua esposa Nefertiti, mas nenhum filho. Após a sua morte há a referência ao reinado de um Semencaré, que alguns consideram poder tratar-se de Nefertiti com outro nome, ou talvez fosse um meio-irmão de Aquenáton.

Após o breve e obscuro reinado de Semencaré um rapaz de nove anos, Tutancâmon torna-se faraó. Desconhece-se se Tutancâmon era filho de Aquenáton com uma das suas esposas secundárias ou se era filho de Amenófis III e da rainha Tié.

Tutancâmon foi ajudado na sua ação governativa por um vizir chamado Ai e pelo general Horemheb. A restauração do culto antigo de Amon foi efetuada durante o seu reinado, mas desconhece-se se foi por iniciativa de Tutancâmon ou das figuras que integravam o seu círculo. A capital regressou para Mênfis e o clero de Amon recebeu de volta as terras que lhe tinham sido confiscadas.

Tutancâmon morreu sem filhos aos dezenove anos de idade. Para alguns egiptólogos ele terá sido assassinado por Ai, motivado por ambição pessoal. A esposa de Tutancâmon, Ankhesenpáton, enviou umas cartas ao rei hitita Suppiluliuma, nas quais pedia que este enviasse um dos seus filhos para ser rei do Egito. Depois de alguma desconfiança, o rei hitita enviou um príncipe, mas este acabaria por ser morto em circunstâncias obscuras.

Ai casou com Ankhesenpáton e tornou-se faraó, mas governou por um período curto. Foi sucedido pelo general Horemheb.

XIX Dinastia

Horemheb não teve descendentes, tendo designado para o suceder um oficial do exército de nome Pa Ramsés. Quando Ramsés I se tornou rei tinha já uma idade avançada pelo que fez do seu filho Seti I co-regente.

Seti I retomou as campanhas militares na região da Síria Palestina, tendo também realizado uma campanha contra os Líbios que ameaçavam o Egito a oeste.

Ramsés II mudou a capital do Egito para a região do Delta, devido aos perigos que esta região conhecia nos últimos tempos. Na Síria os Hititas avançavam cada vez mais para sul, o que constituía um perigo para o Egito. O exército hitita e egípcio confrontaram-se na Batalha de Kadesh, que segundo as fontes egípcias teria se saldado numa vitória do Egito, mas há razões para duvidar disto. Ramsés negociou a paz com os Hititas através de um tratado, o primeira desta natureza que se conhece. Os termos do tratado reconheciam a cada país determinadas zonas de influência na região da Síria Palestina.

A XX Dinastia

Esta dinastia foi iniciada por um faraó de nome Setnakht, cuja relação com os soberanos da dinastia anterior não é clara. Setnakht teve um reinado de oito anos, tendo associado de imediato o seu filho Ramsés III ao poder.

Ramsés III repeliu as invasões dos Líbios, bem como dos chamados Povos do Mar, que seriam originários dos Balcãs e da Ásia Menor. Entre eles achavam-se os Peleset (Filisteus) que, impedidos de entrar no Egito fixam-se na região de Gaza; o actual nome Palestina deriva deste povo. A derrota dos Povos do Mar foi representada no templo funerário de Ramsés III em Medinet Habu, perto do Vale dos Reis.

Com a morte de Ramsés III o Egito começou a entrar num período de decadência. Os soberanos que se seguiram, que se chamaram todos Ramsés, caracterizaram-se por reinados apagados. As campanhas militares tinham arruinado o país e o clero de Amon adquirira grande protagonismo político. Durante o reinado do último faraó desta dinastia, Ramsés XI, o sumo-sacerdote de Amon, Herihor, tomou o poder no Alto Egipto. Entretanto, a região do Delta foi tomada por Smendes. Era o fim do Império Novo.

Idade do Bronze Tardio no Egito[1]

SANTOS, Raphael Freire. O Novo Império no Antigo Egito. São Paulo: Raphael Freire Santos, 2012.[1][2]

Conforme estudos de Cardoso (2000) existiu uma fase no Oriente Próximo denominada Idade do Bronze Tardio, durante o Novo Império no antigo Egito, que demonstra os aspectos econômicos, políticos e militares do país. Considera-se importante tal estudo, pois como pode-se verificar, a mudança da Idade do Bronze Tardio para a Idade do Ferro marcou significativas mudanças no Egito, principalmente no fim do da 19ª dinastia. Também pode-se perceber um declínio econômico no fim do reinado de Ramsés II, quando povos estrangeiros começam a ascender na política exterior.

O início do Novo Império passa pela Idade do Bronze Tardio. Frizzo (2010) estuda o fim do Segundo Período Intermediário do Egito, quando da invasão e expulsão dos hicsos. O período pesquisado demonstra as bases para o início da Idade do Bronze Tardio no país. O pensamento dos egípcios baseia-se na dualidade criada a partir do mito da criação. “No princípio de tudo fez-se a ordem. Da colina primordial, cercada das águas de Nun, criou-se o demiurgo4.” (FRIZZO, 2010:25) Vê-se dualidade em vários aspectos, como masculino e feminino, ordem e caos etc., mas a principal estava na própria geografia do Egito, a saber, as duas terras. Também percebe-se a simetria existente entre a terra negra (kemet), ou seja, os solos aluviais das inundações anuais do Nilo, e a terra vermelha (desheret), que era o deserto. O sistema geológico das inundações que trazia fertilidade fazia do Egito um país praticamente autossuficiente.

“A experiência singular dos egípcios de autosuficiência [sic] levou-os à associação de kemet ao universo organizado, que, como no mito, erguia-se no mar de caos de desheret. Se a topografia isolou-os geograficamente, a natureza proporcionou, outrossim, uma economia que não necessitava de contatos exteriores para a manutenção da população ou mesmo de um desenvolvimento apurado dos meios de produção.” (FRIZZO, 2010:26)

O herdeiro da totalidade do território egípcio do demiurgo é o faraó. Os povos estrangeiros eram, nesse sentido, vistos como agentes do caos, pois somente os habitantes do kemet foram agraciados a viver no mundo organizado. Para Frizzo (2010), no Novo Império a ideologia muda, e o demiurgo teria concordado em deixá-los viver no mundo, mas dependentes do sopro de vida do faraó. Na época, uma parte do território já era ocupada pelos povos do exterior, algo que não acontecera até o Médio Império. Segundo o autor, três processos caracterizaram o fim do início do Segundo Período Intermediário devido a perda de território:

  • Perda da Núbia: os egípcios pensavam a Núbia dualística – Wawat, ou Baixa Núbia, e Kush, ou Alta Núbia;
  • Divisão do Delta em reinos e invasão dos hicsos: a divisão do Delta resultou na invasão dos hicsos devido à desfraguimentação do poder, além do fato de possuírem maior tecnologia (o autor pontua que a palavra “hicsos” provém da versão grega, pois os egípcio os conhecia por hekaw khaswt, que significa príncipes das terras estrangeiras);
  • Ascensão do poder tebano da 17ª dinastia: o Alto Egito era controlado por Tebas que, por sua vez, viu a terra negra ser controlada pelos estrangeiros. Frizzo (2010, apud SPALINGER, 2005) classifica as relações tensas entre asiáticos e tebanos semelhantes à guerra fria.

De um lado, Seqenenrá II era faraó e, do outro, Apophis, rei em Avaris, asiático e igualmente exercia poder no Egito. Seqenenrá II lança mão de um conflito para retirar o poder de Apophis, sem sucesso. A guerra é retomada por seu sucessor. Enquanto Alto e o Baixo Egito estão em conflito, o país permanece fragmentado. Duas estelas relatam a guerra entre Kamés5 e Apophis, com uma grande insatisfação do primeiro em dividir o poder, demonstrando nacionalismo e xenofobia (FRIZZO, 2010, apud SPALINGER, 1982 e BUSBY, 2002).

Frizzo (2010), citando Newby (1980), acredita na possibilidade de as cidades do Médio Egito ter se divido entre os apoiadores dos egípcios e apoiadores dos hicsos, inclusive de grandes proprietários de terras que tinham interesse na pastagem do gado. Kamés vence o confronto, mas volta para Tebas sem literalmente derrotar o exército inimigo asiático de Apophis. O último teria ainda tentado uma aliança com o rei de Kush, uma tentativa de pedido de auxílio desesperado diante do saque inimigo. A demonstração de fraqueza por parte dos hicsos foi o necessário para que Ahmés6, sucessor de Kamés, derrotasse o povo estrangeiro e iniciasse um novo tempo para o Egito. As ações militares de Ahmés foram escritas pelos oficiais, não diretamente pelo próprio rei. Em uma de suas campanhas, ele apodera-se da cidade de Avaris. Em seguida, o alvo do faraó é Sharuhen, ao sul palestino, ponto de apoio para Avaris. O objetivo das ações seria, conforme o próprio rei, evitar que os asiáticos realizassem algum contra-ataque contra seu território (kemet). Posteriormente, outras ações em território asiático serviram para enfraquecer os inimigos. Frizzo (2010) acredita que isso deva-se à invasão estrangeira, ou seja, uma nova percepção dos egípcios sobre a segurança do país. Frizzo (2010, apud NEWBY, 1989) considera que a própria ideologia de superioridade inata (herança do demiurgo) trouxe um sentimento de patriotismo para a expulsão dos povos estrangeiros, consolidando o poder do próprio rei com fortes alianças com famílias importantes.

Mais tarde, duas rebeliões núbias levaram os navios do faraó para o Alto Egito: Aata, núbio invasor do território sul do Egito, e Tetian, um egípcio revoltoso. Para Frizzo (2010), as revoltas núbias não eram novidade para os egípcios. Inclusive, eles fizeram parte do exército do Egito.


“Os núbios serviram desde o princípio do período faraônico como força militar, formando as tropas de elite do Exército do faraó. Eram conhecidos como medjayw e tinham grande habilidade com os arcos. Outro papel desempenhado pelos núbios era o de forças policiais. Em geral, eles eram alistados a partir das revoltas, como fica claro a partir do texto conhecido como Admoestações de Ipu-ur, única descrição de uma revolta social durante o Egito faraônico.” (FRIZZO, 2010:31)

Segundo Frizzo (2010), há três especulações a respeito dos motivos que levou os egípcios a incluir soldados estrangeiros em seu exército. O primeiro, de pouca consistência, baseia-se na ideia de que eles eram mais bem treinados com maior habilidade marcial. A segunda considera insuficiência do número de pessoas nativas no corpo militar, levando a contratação de mercenários, núbios ou asiáticos em sua composição. A última hipótese diz que tropas estrangeiras serviam para “manter o controle da coerção nas mãos da classe dominante ligada ao Estado.” (FRIZZO, 2010:32) Frizzo (2010) não considera somente as modificações na sociedade e a centralização do poder nas bases do império que viria a levantar-se no Egito, mas também as mudanças na forma de recompensas aos militares. A 18ª dinastia foi marcada, dentre outras, pela caracterização do militar como servidor importante do faraó, dando lugar ao sistema de meritocracia. Frizzo (2010, apud LORTON, 1974) atesta, por exemplo, a lógica do inimigo derrotado que, consequentemente, perde a posse de seus bens e família para o vencedor. Nesse sentido, o autor lembra que tudo que era conquistado estava nas mãos do faraó, pois ele seria responsável pelas vitórias e, portanto, tudo estaria em sua posse, centralizando os ganhos e distribuindo aos soldados que destacaram-se nas batalhas. Os capturados, da mesma forma, poderiam ser presenteados como escravos aos vencedores. Já as mortes seriam provadas quando um guerreiro levasse uma mão cortada do inimigo ao rei. O ouro, conforme inscrições do soldado Ahmés, filho de Ebana, servia como título honorífico e como valor pago em recompensa por capturas e mortes. A expansão do império egípcio iniciada pelo faraó contra os hicsos começa a mostrar resultados quando outros povos começam a enviar tributos para a cidade de Tebas. Apoiando-se em Redford (1993), Frizzo (2010) enuncia que a organização social no antigo Oriente Médio começa a modificar-se. O Chipre e o Levante fortalecem as rotas de comércio de ópio, cobre e cerâmica. A Babilônia não consegue sustentar seu poder no império da Mesopotâmia, pois havia sido invadida pelos kassitas após o reinado de Hammurabi. Não obstante, dois grupos étnicos ameaçam o equilíbrio do Levante e influenciam a história do Egito e de sua relação com o Oriente Próximo: os hititas e os hurritas (estes últimos ganharam força no cenário político, influenciados pelos indo-arianos caracterizados pela utilização do cavalo e do carro de guerra, cremação e da aristocracia jovem – maryannu). Esses dois povos são importantes para a história egípcia, pois, segundo Frizzo (2010), eles cresceram e enfrentaram-se para conquistar o norte da Síria e o alto Eufrates e, unindo-se famílias com características de ambas as partes, geram um só povo, chamado kharu pelos egípcios7. “A pressão dos hurritas e seus líderes indo-arianos deu origem a um Estado territorial chamado Mitanni (...) e exerceu influência sobre cidades diretamente ligadas ao processo de expansão egípcia.” (FRIZZO, 2010:35) Megido e Kadesh (este último centro de poder do alto Orontes e Galiléia), da Síria-Palestina, eram dois exemplos de cidades influenciadas. Ahmés estabelece um governo de dominação e intimidação dos povos estrangeiros. As cidades sírio-palestinas deveriam ser servas do Egito, sendo que os reis dos territórios passariam a ser representantes do faraó com o jugo do juramento e da fidelidade ao rei. Assim, ele estendia suas fronteiras. O sucessor de Ahmés, Amenhotep I8, segue a política de dominação do pai em direção à Núbia, promovendo uma ação militar por volta do oitavo ano de reinado. Frizzo (2010), baseando-se em Galán (2002), dá especial atenção ao termo utilizado nos documentos dos militares que registraram as guerras de Amenhotep I, a saber, “estender as fronteiras”, que carrega algo além das delimitações geográficas para as relações do faraó com povos estrangeiros. Destarte, quando o faraó estendia suas fronteiras pode-se entender, de acordo com o contexto, fronteiras geográficas ou relações internacionais. A invasão da Baixa Núbia relaciona-se com as rotas comerciais de minérios e produtos de luxo. Também está ligada pela importância sagrada da terra negra. “Era necessário limpar o vale do Nilo de qualquer ameaça séria à hegemonia egípcia.” (FRIZZO, 2010:37) Amenhotep I teria expandido mais suas fronteiras ao sul, na segunda Catarata, pela segurança desse território, onde teria construído fortes que incumbiam-se do comércio e das ações de repressão contra rebeldes kushitas. A região de Wawat era tributada conforme Frizzo (2010, apud BRYAN, 2000) cita uma estela do forte de Aniba.

“Com a expansão do império para o sul e a tributação de Wawat, a economia egípcia continuou sua linha de desenvolvimento iniciada com as inovações nas forças produtivas relativas às trocas de experiências com os hicsos. A conquista da Baixa Núbia fornecera um fluxo constante de ouro e outros minérios. Nos 12 anos de paz do reinado de Amenhotep I, abriram-se minas de turquesa no Sinai; iniciou-se a extração de alabastro em Bosra e em Hatnub; e foram abertos os trabalhos nas minas de arenito Gebel el-Silsila.” (FRIZZO, 2010:37)

Frizzo (2010) estabelece dois pontos para a importância do produto da mineração no Egito:

  • Usada para construção de templos e monumentos em geral. O culto de Amon foi fortalecido, por exemplo, pelos investimentos dados ao templo de Karnak;
  • Deslocamento militar para proteção dos trabalhadores e dos produtos.

Houve um aumento, segundo o autor, de construções na margem oriental do Nilo, visto que havia subsídio provindo de Wawat e da intensificação da mineração. Amenhotep I foi adorado postumamente, e muitos pontos sobre seu reinado:

  • Fortalecimento do culto de Amon devido aos investimentos ao templo de Karnak;
  • Expansão do território para o sul;
  • Fortalecimento da família real contra reivindicações políticas ou econômicas, o que também centralizava os ganhos da guerra com famílias diretamente associadas à realeza e fortalecia as posições políticas;
  • Desenvolvimento da administração com importantes famílias das cidades centrais do Egito (Elkab, Edfu e Tebas, por exemplo).

Assim, Frizzo (2010) demonstra os aspectos principais das bases para a construção da Idade do Bronze Tardio no Egito entre o reino de Kamés e Amenhotep I.

  • Expansão do império egípcio – dominação no Oriente Próximo;
  • Guerra com caráter defensivo e identitário – expulsão de povos do exterior do território considerado sagrado, o que consolida o poder político;
  • Desenvolvimento de forças produtivas – novas técnicas e tecnologias na agricultura, metalurgia e manutenção do conflito, trazendo modificações na sociedade (o autor cita a fração da classe dominante que administrava as regiões dominadas);
  • Técnicas para integrar e governar o império;
  • Saques periódicos e dominação através de juramentos de fidelidades entre príncipes locais.

Cardoso (2000) realiza uma análise das relações que o antigo Egito mantinha com o Oriente Próximo, em especial durante a época tardia da Idade do Bronze até aproximadamente 1200 a.C., época de colapso segundo o autor. Ele baseou-se em documentos de Amarna escritos em acadiano (tabuinhas de argila inscritas em cuneiforme) que abarcam do fim do reinado de Amenhotep III até, provavelmente, início do reinado de Tutankhamon. Seus estudos contam a história do Oriente Próximo em geral, além de fazer referência ao Egito. O ponto mais alto da Idade do Bronze Tardio apresentou países muito fortes que, no entanto, não tinham como enfrentar-se, salvo o Mitanni que perdeu importância perante os demais. Muitos tratados foram realizados em períodos de vários reis. Cardoso (2000), baseando-se em uma relação de correspondência entre as nações descrita por Zaccagnini (1987), demonstra que cada reino descrevia-se como uma casa, sendo o governante o chefe de família que, por sua vez, tratava os demais como irmãos que trocam presentes (dons ou contra-dons) que podiam ser matérias-primas ou artigos luxuosos. Moran (1992, apud CARDOSO, 2000) traz a tradução de uma das cartas entre Amenhotep III e Kadashmanenlil I, rei da Babilônia, no qual o faraó diz que está tudo muito bem com sua família (o reino) e pergunta como está a família do irmão (reino babilônico). Outro rei babilônico, Burraburiash, em contato com o rei assírio, escreve em uma carta que as saudações (presentes de saudação) não deveriam ter conotação comercial, pois seu reino de nada necessitava, servindo apenas como garantia de boas relações. O dom/contra-dom davam-se pela relação de utilidade dos materiais enviados de rei para rei. O autor exemplifica com a carta de Ashshuruballit I, rei da Assíria, quando solicita ouro a Amenhotep III para a construção de uma obra. Ele oferece a filha em matrimônio como troca, mas não a enviaria se o faraó enviasse o solicitado quando a obra já estivesse terminada, pois de nada serviria, devolvendo o ouro. Vê-se, também, que mulheres de famílias reais poderiam ser enviadas para casamento em troca de vários presentes, salvo o Egito que não enviava suas princesas, mas recebia-as de seus irmãos. Outra característica é a depreciação dos presentes enviados entre os irmãos, que poderia ocorrer caso o reino não recebesse algo não correspondente ao prometido ou o tivesse em abundância. O rei assírio, ao solicitar ouro, percebe que o mesmo foi enviado em menor quantidade se comparado a presentes enviados a seus ancestrais e, por isso, reclama a Amenhotep III que ele não é suficiente para cobrir despesas de viagens dos seus mensageiros, visto que o ouro na sua “casa” é comparado a pó devido a sua abundância. Ressalte-se que o Egito era grande detentor de ouro e possuía extrações muito produtivas pelo Oriente Próximo e por suas rotas.

“De certo modo, entravam na mesma lógica os pedidos de envio de mãos-de-obra (serviçais) e especialistas: médicos, mágicos, escultores, etc. Neste caso, tratava-se de um empréstimo: passada a necessidade alegada (sempre de acordo com a lógica do “valor de uso”, portanto), o membro do pessoal de outro palácio emprestado seria devolvido. Em forma análoga, estátuas divinas a que se atribuíam poderes curativos podiam circular entre as cortes.” (CARDOSO, 2000:21)

Caso um súdito solicitasse uma reclamação a seu rei, o último deveria contatar seu irmão para passar a mensagem ao seu vassalo responsável pelo território onde ocorrera o incidente. Poderia o vassalo responsabilizar a aldeia mais próxima. Esse trâmite decidiria quem compensaria a reclamação inicial. Resumidamente, o vassalo reclamava a se governante que, por sua vez, passava a reclamação ao rei do reino reclamado que transmitiria a mensagem ao vassalo responsável. Sobre o sistema de trocas no período estudado, Cardoso (2000) recorreu a Liverani (1987), que elenca suas características sinteticamente. Considerando principalmente o caso da Síria, o autor elenca que o palácio, de nível político alto, realizava as trocas, pois despachava outros interessados de outros níveis. A regra dizia que um rei não poderia entrar em contato com um vassalo de outro rei, salvo seu próprio vassalo. Como cada reino era diferente estruturalmente, as atividades mercantis ficavam prejudicadas devido a cada sistema hierárquico. As rotas marítimas e terrestres tinham que enfrentar, além disso, os problemas técnicos. Tais rotas encontravam-se fragmentadas entre frotas de vários reinados e estava sob o jugo dos limites tecnológicos. “A ideia do comércio e a do lucro abriam caminho em certas áreas.” (CARDOSO, 2000:22) Cartas do rei de Chipre ao Egito demonstram que cobrava-se pagamento por material enviado (madeira) ou prometia-se pagar o dobro por presentes de saudação. Em outro exemplo do autor, o rei de Chipre solicitava que o faraó deixasse seus mercadores saírem em segurança de volta à sua terra. Cardoso (2000) considera que nesta última o pedido era a isenção de impostos para o comércio e salvo-conduto37. O autor dispõe as principais produções dos reinos do Oriente Próximo:

“Assim, a Síria-Palestina se especializava em azeite de oliva, madeira e tecidos tingidos de púrpura; o cobre tinha duas zonas referenciais de maior peso: a ilha de Chipre a oeste e, a leste, a região do Golfo Pérsico (Omã-Magan); o caso do estanho é menos claro, mas pareceria que o Irã em certos períodos era a zona de referência; o Egito controlava as rotas do ouro, bem com as do incenso e da mirra do país de Punt (nesta época proavelmente [sic] a Somália e talvez também o sul da Arábia) por sua navegação no mar Vermelho; por fim, o lápis-lazúli vinha do atual Afeganistão (Liverani,1987: 68). Um de tais circuitos comerciais, dentro do que já vimos acerca da fragmentação dos contactos a longa distância, é representado pelas rotas (fluviais e marítimas) controladas pelo Egito no tocante ao comércio de ouro e incenso.” (CARDOSO, 2000, apud LIVERANI, 1987)

Houve vários confrontos na Síria quando o Egito perdia o controle sobre a situação. A presença de tropas egípcias estava associada, conforme analisa Cardoso (2000), à prevenção de criação de grupos hegemônicos que pudessem confrontar o dominador. Destarte, compreende-se que muitas das campanhas egípcias na região eram empreendidas justamente para interromper a ascensão de tais hegemonias. Amarru é um exemplo, com Labayu e seus filhos ou Aziru, considerados por outras cidades como rebeldes e traidores. Cardoso (2000) acredita que a política era de mínima intervenção, um protetorado frouxo fiscal e militarmente, pois o país dominador não possuía estrutura para controlar efetivamente o território dominado. A Síria possuía densa população, sistemas palaciais próprios e um sistema de troca firmado nos portos e nas rotas terrestres com o Oriente Próximo. Para Valbelle (1990, apud CARDOSO, 2000), o regime da 18ª dinastia estava assentado num interesse muito maior em explorar novos recursos e exportar sua cultura através da integração de tropas e materiais militares dos inimigos em seu exército e de fortificações que pudessem administrar melhor as ocupações. Os príncipes asiáticos poderiam continuar no poder, mas seus descendentes deveriam ser educados e treinados no Egito para conferir lealdade. Canaã, Upe e Amurru eram províncias que continham pequenas guarnições egípcias, sendo Gaza, Kumidi e Sumur os principais centros de gestão. Mensageiros e comissários residentes eram responsáveis pela correspondência no regime egípcio salvo em ocasiões de grandes campanhas. A suserania egípcia e o fluxo de tributos estavam nas mãos dos príncipes, mas estavam isentos do oferecimento de tropas ao Egito. Eles comportavam-se como vassalos, e a regra de que o faraó não contatava o vassalo do outro reino vigorava, visto que o príncipe ligado ao Egito responsabilizava-se com a correspondência. O poder dos príncipes estava nas mãos de seu dominador até no caso de desobediência de um campesinato. Outro fenômeno que Cardoso (2000) destaca é a concentração da população sedentária e a urbanização da costa. Abandonaram-se zonas agrícolas ao pastoreio seminômade, levando ao empobrecimento e à marginalização. Nesse momento surgem os apiru, um grupo de pessoas que abandona o sedentarismo e começa a viver saqueando cidades e zonas agrícolas numa espécie de seminomadismo secundário. Eles também estavam dispostos a ser mercenários dos príncipes das cidades mais importantes. “Se os apiru representavam um elemento móvel e instável, a sociedade organizada centrava-se em cada caso uma cidade fortificada com seu sistema palacial.” (CARDOSO, 2000:27) Os príncipes locais possuíam à favor combatentes, carros, artesãos e comerciantes. Contudo, os camponeses eram muito explorados e hostis à dominação do palácio. O regime, segundo o autor, enfrentou desafeto mesmo dos maryannu39 e dos comerciantes e enfraqueceu até seu desaparecimento com a invasão dos povos do mar. Diferentemente dos faraós, os príncipes vassalos deveriam dirigir-se ao seu rei superior, demonstrando sua subordinação. Cardoso (2000) exemplifica com o trecho de uma carta de Rib-Hadda (Biblos) ao faraó, que cai aos pés de seu senhor como subordinação. O Egito mantém relações estratégicas com Ugarit e seu porto através de presentes, visto que era um importante centro comercial e de aspecto político-militar.

Bibliografia

  • LEVEQUE, Pierre - As Primeiras Civilizações - Volume I: Os Impérios do Bronze. Lisboa: Edições 70, 1998. ISBN 972-44-0574-5
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  1. a b SANTOS, Raphael Freire (2012). O Novo Império no Antigo Egito. [S.l.: s.n.] ISBN 978-85-914307-0-3 
  2. Raphael Freire Santos (2012). «O Novo Império no Antigo Egito». Raphael Freire Santos. Consultado em 15 de julho de 2015