Jesus carregando a cruz

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Cristo carregando a cruz.
1565. Por Ticiano, atualmente no Museu do Prado.

Jesus carregando a cruz a caminho da sua crucificação é um episódio da vida de Jesus relatado nos quatro evangelhos canônicos e um tema muito comum na arte cristã, especialmente nas catorze estações da cruz, conjuntos que atualmente se encontram em praticamente todas as igrejas católicas. Porém, o tema aparece também em outros contextos, incluindo obras singulares e ciclos da Vida de Cristo ou da Paixão de Cristo[1]. Outros nomes são Procissão ao Calvário e Caminho do Calvário, sendo que Calvário ou Gólgota se referem ao local da crucificação, fora de Jerusalém. A verdadeira rota seguida é comumente chamada de Via Dolorosa em Jerusalém, embora o caminho específico tenha variado ao longo dos séculos e continue sendo tema de debates.

Narrativa bíblica[editar | editar código-fonte]

Jesus carregando a cruz.
1737-38. Por Tiepolo, atualmente na Igreja de Sant'Alvise, em Veneza.
Ver artigos principais: Via Dolorosa e Via Crúcis

O episódio é mencionado, sem muitos detalhes, nos quatro evangelhos canônicos: Mateus 27:31–33, Marcos 15:20–22, Lucas 23:26–32 e João 19:16–18. Com exceção de João, todos incluem Simão Cireneu, que foi recrutado pelos soldados romanos para ajudar a carregar a cruz. Acadêmicos modernos, baseando-se em descrições de criminosos carregando a trave horizontal da cruz feitas por Plauto e Plutarco, geralmente interpretam a descrição evangélico como relatando que Jesus - e depois Simão - carregou apenas o pesado patíbulo, a trave horizontal, até um poste (stipes), que ficava permanentemente fincado na terra no Gólgota[2]. Porém, na iconografia cristã de Jesus e Simão, eles aparecem geralmente carregando a cruz completa.

Apenas Lucas menciona as "mulheres de Jerusalém", cujo número foi depois, nas obras patrísticas e na arte cristã, expandido para incluir as Três Marias e a Virgem Maria. Este encontro é geralmente localizado nos portões da cidade, como na maioria das pinturas, que também as mostram seguindo Jesus e este virando para falar com elas. Outros episódios foram elaborados posteriormente, com o véu de Verônica aparecendo a partir do século XIII, e as quedas de Cristo, eventualmente três, aparecendo primeiro no final da Idade Média[3]. Lucas menciona que os dois ladrões estavam também no grupo seguindo para o Gólgota, mas não diz se eles tiveram também que carregar suas cruzes e, embora seja fácil identificá-los nas representações artísticas, suas cruzes são muito raramente representadas[4]. Algumas obras, como Il Spasimo de Rafael[5], a Procissão ao Calvário, de Pieter Bruegel, o Velho (em Viena), e a obra de Jacopo Bassano em Londres, mostram as duas cruzes dos ladrões já montadas no local da execução ao fundo distante[6].

É também importante o verso Mateus 16:24, no qual São Francisco de Assis baseou a sua primeira regra monástica, de 1221: "Então disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me." São Francisco também costumava ser levado com uma corda à volta do pescoço como um exercício de penitência, a corda sendo um detalhe adicionado a muitas representações de duas passagens do Antigo Testamento: «Ele foi oprimido, contudo humilhou-se a si mesmo, e não abriu a boca. Como o cordeiro que é levado ao matadouro, e como a ovelha que é muda diante dos que a tosquiam; assim não abriu ele a boca» (Isaías 53:7) e «Mas eu era como um manso cordeiro que é levado ao matadouro...» (Jeremias 11:19), ambos muito citados nos comentários medievais[7]. Na tipologia medieval, Isaac carregando a madeira para o seu sacrifício é o paralelo mais comum para o episódio, geralmente mostrado como uma cena complementar[8].

Referências devocionais[editar | editar código-fonte]

Caminho para o Calvário.
Séc. XIX. Por Aleijadinho, no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, no estado de Minas Gerais.

A mais elaborada e tradicional referência ao episódio aparece nas chamadas "Estações da cruz", onde o evento está dividido em diversos incidentes que dão conta da maior parte das representações esculturais[9] :

  1. Pilatos condena Jesus
  2. Jesus recebe a cruz
  3. Primeira queda de Jesus
  4. Jesus encontra Sua Mãe
  5. Simão Cireneu carrega a cruz
  6. Santa Verônica enxuga o rosto de Jesus
  7. Segunda queda de Jesus
  8. Jesus se encontra com as filhas de Jerusalém
  9. Terceira queda

As cenas seguintes (10-14) tratam da Paixão de Cristo.

O episódio de Jesus levando a cruz é um dos Mistérios Dolorosos do Santo Rosário e o encontro com Maria é uma das Sete Dores da Virgem. O Caminho do Calvário ainda é reapresentado em diversas procissões anuais na Sexta-feira Santa em países católicos, algumas das quais incluem atores representando os principais personagens e uma cruz[10]. Na Via Dolorosa propriamente dita, este tipo de evento ocorre o ano inteiro.

História[editar | editar código-fonte]

Tríptico com Jesus carregando a cruz à esquerda, a crucificação no meio e a deposição à direita.
.1495. Pelo Mestre da Virgo inter Virgines, atualmente no Bowes Museum, na Inglaterra.

Até por volta de 1100, Simão aparecia mais carregando a cruz do que Jesus e, a partir desta época, diversas outras figuras começaram a aparecer na cena. Nas representações bizantinas, provavelmente influenciadas por peças da Paixão, uma grande multidão de personagens cercam Jesus, mostrando uma grande variedade de sentimentos, de desprezo a alegria[11]. Este desenvolvimento culminou na grande paisagem de Pieter Bruegel, o Velho, "Procissão ao Calvário" (Viena)[12]. Embora nas primeiras representações (e nas orientais) a cruz não seja mostrada como sendo algo muito pesado e apareça por vezes nem tocando no chão, no final da Idade Média a cruz aparece sempre como algo muito difícil de carregar, com a base arrastando no chão, em linha com a tendência do período em enfatizar os sofrimentos da Paixão[13]. É a partir desta época também que Jesus começa a aparecer com a coroa de espinhos, algo que não acontecia antes.

Um exemplo primitivo de um tupo de imagem devocional mostrando Jesus sozinho é um pequeno painel de Barna da Siena de 1330-50 atualmente na Coleção Frick[14]. Obras como essa continuaram por toda a Renascença e o Barroco, com versões de meia-altura ("close-ups") aparecendo primeiro no norte da Itália por volta de 1490. De forma algo contraditória à maioria dos andachtsbilder, os sofrimentos de Jesus são geralmente retratados com menos realismo nessas obras do que nas grandes cenas, onde ele é atormentado pela multidão hostil[15]. Conforme o tríptico foi se tornando popular, a cena geralmente aparece no painel da esquerda, com a crucificação no painel principal e o sepultamento ou a ressurreição na direita.

A partir de aproximadamente 1500, o tema passou a ser utilizado para compor peças de altar na Itália, geralmente mostrando ou o encontro com Santa Verônica ou o desmaio da Virgem (spasimo), quando a Virgem desfalece, desmaia ou, ao menos, se ajoelha, ambas novidades recentes e algo controversas, sem autoridade escritural[16].

Obras[editar | editar código-fonte]

Obras individuais com artigos incluem as seguintes:

Galeria[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Schiller, 78-82
  2. Andreas J. Köstenberger John 2004 Page 598 "... the patibulum (see commentary at 19:17) and compelled to carry his cross to the place of execution.13 Hence, ... Dionysius of Halicarnassus, Antiquitates romanae 7.69; Tertullian, De pudicitia 22 (cited in Köstenberger 2002c: 194).
  3. Schiller, 78-81
  4. Zuffi,283; See Schiller 81 for later exceptions, including one by Tintoretto
  5. Ficheiro:Raffael 022.jpg
  6. Penny, 8
  7. Sawyer, 89; Israels, 423
  8. Schiller, 80, 82
  9. Schiller, 82
  10. Blackwell, Amy Hackney, Lent, Yom Kippur, and Other Atonement Days, 44-48, 2009, Infobase Publishing, ISBN 1604131004, 9781604131000, google books
  11. Schiller, 81
  12. Ficheiro:Pieter Bruegel d. Ä. 007.jpg
  13. Schiller, 80-81
  14. Ficheiro:'Christ Bearing the Cross, with a Dominican Friar', tempera on panel painting by Barna da Siena , 1330-1350, Frick Collection.jpg.
  15. Brown etc, 102-103, 110-111
  16. Penny, 8-10

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

O Commons possui uma categoria com imagens e outros ficheiros sobre Jesus carregando a cruz
  • Brown, David Alan, Pagden, Sylvia Ferino, Anderson, Jaynie eds., Bellini, Giorgione, Titian, and the Renaissance of Venetian painting (exhibition at the National Gallery of Art (Washington) and Kunsthistorisches Museum Wien, Yale University Press, 2006, ISBN 0300116772, 9780300116779, google books (em inglês)
  • Israėls, Machtelt, Sassetta: the Borgo San Sepolcro altarpiece, Volume 1, 2009, Harvard University Press, ISBN 0674035232, 9780674035232, google books (em inglês)
  • Penny, Nicholas, National Gallery Catalogues (new series): The Sixteenth Century Italian Paintings, Volume II, Venice 1540-1600, 2008, National Gallery Publications Ltd, ISBN 1857099133 (em inglês)
  • Sawyer, John F. A., The fifth gospel: Isaiah in the history of Christianity, 1996, Cambridge University Press, 1996, ISBN 0521565960, 9780521565967, google books (em inglês)
  • Schiller, Gertrud, Iconography of Christian Art, Vol. II, 1972 (English trans from German), Lund Humphries, London, ISBN 0853313245 (em inglês)
  • Zuffi, Stefano, Gospel figures in art, a Guide to imagery, Getty Publications, 2003, ISBN 089236727X, 9780892367276, google books (em inglês)