João Aurispa

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João Aurispa
Nascimento 1376
Noto
Morte maio de 1459 (82–83 anos)
Ferrária
Ocupação linguista, historiador, tradutor, erudito clássico
Empregador(a) Universidade de Bolonha, Universidade de Florença, Universidade de Ferrara
Religião Igreja Católica

João Aurispa, em italiano Giovanni Aurispa, (Noto, 1376Ferrara, 1459) foi um humanista, historiador, sacerdote e sábio italiano do século XV. É lembrado particularmente como promotor do renascimento do estudo do idioma grego na Itália. O mundo deve a João Aurispa a preservação da maior parte do conhecimento atual das obras clássicas gregas.[1]

Vida e obra[editar | editar código-fonte]

Nascimento e primeiros anos em Constantinopla[editar | editar código-fonte]

Nasceu no vilarejo siciliano de Noto, em 1376. Um subsídio de rei da Sicília Martim o Jovem lhe permitiu estudar em Bolonha entre 1404 e 1410. Pouco depois, em 1413-4, Aurispa partiu para a Grécia como professor particular dos filhos de um comerciante genovês, Racanelli, e se estableceu na ilha de Quios, onde aprendeu o grego e começou a colecionar livros, incluindo um exemplar de Sófocles e um de Eurípides.[2] Também conseguiu obter um grande número de textos gregos, incluindo um Tucídides que mais tarde vendeu a Niccolò Niccoli em 1417.[3]

Em 1418, voltou a visitar Constantinopla, onde residiu durante alguns anos aperfeiçoando seus conhecimentos de grego antigo e buscando manuscritos. Aurispa perseverou tanto neste último intento, que o acusaram diante do imperador bizantino Manuel II Paleólogo de comprar todos os livros sagrados da cidade.

Volta à Itália. Veneza[editar | editar código-fonte]

No dia 15 de dezembro de 1423 João Aurispa chegou a Veneza, com a maior e mais esplêndida coleção de textos gregos a chegar à Europa Ocidental antes dos que foram trazidos pelo cardeal Basílio Bessarion (em resposta a uma carta de Ambrósio Traversari, Aurispa afirma ter trazido uns 238 manuscritos). Para avaliar a importância desta coleção basta dizer que nela foram trazidos ao Ocidente todos os textos conservados na atualidade de Platão, todos os de Plotino, todos os de Proclo, muitos de Jâmblico e de muitos poetas gregos, incluindo Píndaro; também vieram muitos manuscritos de história grega, incluindo os volumes de Procópio de Cesareia e de Xenofonte, que lhe haviam sido dados pelo próprio imperador Manuel II Paleólogo.[3] Trouxe além disto os poemas de Calímaco, de Opiano e alguns versos órficos; e também os trabalhos históricos de Dião Cássio, de Diodoro Sículo e de Flávio Arriano. A maior parte destas obras era, até então, desconhecida no ocidente.[4]

Entre otros textos incluia-se o manuscrito mais antigo do Ateneu, um códice do século X que contém sete obras de Sófocles e seis de Ésquilo --o único manuscrito no mundo destes autores--, e mais, as Argonáuticas de Apolônio de Rodes; a Ilíada, textos de Demóstenes e muitos mais.[5] Um Heródoto estava também na coleção junto com a Geografia de Estrabão. Todos estes textos são enumerados na carta de Aurispa a Traversari.[6]

O único texto de Patrologia trazido ao Ocidente por Aurispa foi um volume que continha duzentas cartas de Gregório de Nazianzo. Numa carta a Traversari, Aurispa explica:

“Não trouxe nenhum volume sagrado da Grécia exceto as cartas de Gregório, que são, eu creio, duzentas. Este livro está em condições impecáveis, e todas as páginas podem ser lidas, porém sua beleza dificilmente será tal que possa atrair um leitor hesitante. Enviei há algum tempo de Constantinopla à Sicília um bom número de volumes sagrados muito escolhidos, que admito francamente que tinham pouco valor para mim, e pelos quais um número de pessoas malévolas amiúde levantou suspeitas contra mim ao imperador grego, acusando-me de saquear a cidade de seus livros sagrados. Com respeito aos livros pagãos, não lhes parecia ser um crime tão grande”.
Charles L. Stinger, Humanism and the Church Fathers: Ambrogio Traversari, pág.37

Em sua chegada a Veneza, Aurispa afirmou ter sido obrigado a empenhar seus tesouros gregos por 50 florins de ouro para pagar os custos da travessia. Traversari escreveu ao banqueiro Lourenço de Médici, chamado o Velho (irmão mais novo de Cosme de Médici), que lhe fez um empréstimo para permitir a Aurispa recuperar os manuscritos. Ambrósio Traversari também arranjou o intercâmbio das transcrições latinas de Niccolò Niccoli sobre os textos recentemente descobertos de Cícero pelas transcrições gregas de Aurispa sobre a Retórica e a Ética a Eudemo, de Aristóteles.

Na universidade[editar | editar código-fonte]

Em 1424 Aurispa voltou a Bolonha, onde chegou a ser professor de grego na universidade local. Com o incentivo de Ambrósio Traversari, de 1425 a 1427 Aurispa manteve a prestigiosa cátedra de estudos gregos em Florencia sob o mecenato dos Médici. Isto garantiu que sua coleção de textos gregos fosse copiada extensamente entre os humanistas italianos do Quattrocento.

Por volta de 1430 Aurispa conseguiu a recuperação de um pacote de manuscritos vindos da Sicília. Entre estes manuscritos incluia-se um volume de Vidas dos Santos, um Gregório de Nazianzo, uma das Orações de João Crisóstomo, um Saltério, um volume dos Evangelhos e as comédias de Aristófanes. Ao que parece, os demais manuscritos do lote, não teriam sido devolvidos.[7]

Carreira eclesiástica[editar | editar código-fonte]

Fugindo das lutas internas em Florença Aurispa, em 1433, instalou-se em Ferrara, sob o mecenato da Casa de Este. Aí ensinou obras clássicas, tomou ordens sacras e galgou cargos na Igreja. Afonso V de Aragão, rei da Sicília e pretendente ao Reino de Nápoles nesta época, pediu-lhe, por intermédio de seu amigo Antônio Panormita que se transladasse para sua corte. Aurispa, entretanto, declinou a oferta. Foi nesta época que Aurispa descobriu num mosteiro próximo a Mainz o único manuscrito medieval sobrevivente dos Panegyrici Latini.

Em 1438, quando o Concílio de Basileia foi transferido para Ferrara, Aurispa atraiu a atenção do papa Eugênio IV, que o fez secretário apostólico, e assim voltou a Roma em sua companhia. Aurispa manteve um cargo similar com o papa Nicolau V, que lhe ofereceu duas abadias muito lucrativas. De tal forma colaborou com este papa, homem do Renascimento, e imbuído do espírito humanista, que fundou a Biblioteca Vaticana em 1448 e fomentou a tradução de clássicos como Deodoro, Tucídides, Homero e Estrabão.

Final[editar | editar código-fonte]

Aurispa regressou a Ferrara em 1450, e lá morreu em 1459, com quase 85 anos.

Considerando sua longa vida e reputação, Aurispa produziu poucas obras próprias: traduções para o latim do comentário de Hiérocles de Alexandria sobre os Chrysa Epe (Versos Áureos) de Pitágoras (1474) e do Philisci Consolatoria ad Ciceronem de Dião Cássio (inédito até 1510) e, segundo Gesner, uma tradução dos trabalhos de Arquimedes.

A reputação de Aurispa repousa sobre a extensa coleção de manuscritos copiados e distribuídos por ele, e seus esforços persistentes para reestabelecer e promover o estudo da literatura antiga.

Notas[editar | editar código-fonte]

  1. Elmer Adler, The New Colophon: A Book Collector's Quarterly, vol.2, 1948, pág.334.
  2. Elmer Adler, ibidem, pág.333.
  3. a b Charles L. Stinger, Humanism and the Church Fathers: Ambrogio Traversari, pág.36
  4. The biographical dictionary of the society for the diffusion of useful knowledge, vol.4, 1844, pág.211
  5. Enciclopedia católica.
  6. Guillermo Roscoe, La vida de Lorenzo de Médici, llamado el Magnífico, p.31; Epistulis Amb. Trav. Libro xxiv, Epístola 53
  7. Charles L. Stinger, Humanism and the Church Fathers: Ambrogio Traversari, pág.37

Referências[editar | editar código-fonte]