Cruz e Sousa

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Cruz e Sousa
Cruz e Sousa
Gravura de Cruz e Sousa por Mauricio Jobim
Nome completo João da Cruz e Sousa
Nascimento 24 de novembro de 1861
Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis,
Santa Catarina
Morte 19 de março de 1898 (36 anos)
Curral Novo, atual Antônio Carlos, Minas Gerais
Nacionalidade brasileiro
Ocupação Poeta
Magnum opus Evocações
Escola/tradição simbolismo
Soneto Coração, de Cruz e Sousa, na primeira edição do O Clarim da Alvorada, em 1924.

João da Cruz e Sousa (Nossa Senhora do Desterro, 24 de novembro de 1861Curral Novo, 19 de março de 1898) foi um poeta brasileiro. Com a alcunha de Dante Negro ou Cisne Negro, foi um dos principais representantes do simbolismo no Brasil.[1]

Segundo Antonio Candido, Cruz e Sousa foi o "único escritor eminente de pura raça negra na literatura brasileira, onde são numerosos os mestiços".[2]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Nasceu dia 24 de novembro de 1861, filho dos escravos alforriados Guilherme da Cruz, mestre-pedreiro, e Carolina Eva da Conceição. João da Cruz desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada do ex-senhor de seus pais, o marechal Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de família, Sousa.[3][4] A esposa de Guilherme Xavier de Sousa, Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, não tinha filhos, e passou a proteger e cuidar da educação de João. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais.[5]

Em 1881, dirigiu o jornal Tribuna Popular, no qual combateu a escravidão e o preconceito racial. Em 1883, foi recusado como promotor de Laguna por ser negro.[3] Em 1885, lançou o primeiro livro, Tropos e Fantasias em parceria com Virgílio Várzea. Cinco anos depois foi para o Rio de Janeiro,[5] onde trabalhou como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil, colaborando também com diversos jornais. Em fevereiro de 1893, publicou Missal (prosa poética baudelairiana) e em agosto, Broquéis (poesia), dando início ao simbolismo no Brasil que se estende até 1922.[5] Em novembro desse mesmo ano casou-se com Gavita Gonçalves, também negra, com quem teve quatro filhos, todos mortos prematuramente por tuberculose, levando-a à loucura.[6]

Era amigo próximo e de infância do poeta catarinense Juvêncio de Araújo Figueiredo, onde participaram conjuntamente no grupo literário Ideia Nova. Ambos chegaram a morar juntos no Rio de Janeiro. Juvêncio de Araújo Figueiredo, no seu diário "No Caminho do Destino",[7] conta como foram difíceis os 18 meses que morou junto com Cruz e Souza no Rio de Janeiro. Cruz também trabalhava na "Cidade do Rio", na qual Araújo passou a receber como pagamento autônomo, apenas pelo que publicava. Quando Cruz foi dispensado, Araújo se ofendeu e também se desligou do mesmo jornal. Ficaram então os dois desempregados e sem dinheiro. Preocupado com Cruz e Souza, Araújo sem nada dizer, foi procurar José do Patrocínio, outro homem de negro. Esperava encontrar emprego para Cruz e Souza no jornal do Patrocíono, que era diário. Araújo conta que ouviu essa resposta: "Eu não permito que haja outro negro no Brasil que me iguale!". Os poetas frequentemente trocavam cartas apesar da distância terem os separados.[8]

Morte[editar | editar código-fonte]

Morreu a 19 de março de 1898 em Minas Gerais, na localidade de Curral Novo, então pertencente ao município de Barbacena. Em 1948, a localidade se emancipou e passou a se chamar Antônio Carlos. Cruz e Sousa estava em Curral Novo pois fora transportado às pressas vencido pela tuberculose.[5] Teve o seu corpo transportado para o Rio de Janeiro em um vagão destinado ao transporte de cavalos. Ao chegar, foi sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier por seus amigos, onde permaneceu até 2007, quando seus restos mortais foram então acolhidos no Palácio Cruz e Sousa, antigo palácio de governo do estado de Santa Catarina e atual Museu Histórico de Santa Catarina, no centro de Florianópolis.[3]

Cruz e Sousa é um dos patronos da Academia Catarinense de Letras, representando a cadeira número 15.[9]

Análise da obra[editar | editar código-fonte]

Seus poemas são marcados pela musicalidade (uso constante de aliterações), pelo individualismo, pelo sensualismo, às vezes pelo desespero, às vezes pelo apaziguamento, além de uma obsessão pela cor branca.[3] É certo que se encontram muitas referências à cor branca, assim como à transparência, à translucidez, à nebulosidade e aos brilhos, e a muitas outras cores, todas sempre presentes em seus versos.[5]

No aspecto de influências do simbolismo,[10] nota-se uma amálgama que conflui águas do satanismo[1] de Charles Baudelaire ao espiritualismo (e dentro desse, ideias budistas e espíritas) ligados tanto a tendências estéticas vigentes como às fases na vida do autor.

LÉSBIA

Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo...

Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atrações do gozo.

Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso...

-- Cruz e Sousa / Broquéis (1893).

Embora quase metade da população brasileira seja não branca, poucos foram os escritores negros, mulatos ou indígenas. Cruz e Sousa, por exemplo, é acusado de ter-se omitido quanto a questões referentes à condição negra. Mesmo tendo sido filho de escravos e recebido a alcunha de "Cisne Negro", o poeta João da Cruz e Sousa não conseguiu escapar das acusações de indiferença pela causa abolicionista. A acusação, porém, não procede, pois, apesar de a poesia social não fazer parte do projeto poético do simbolismo nem de seu projeto particular, o autor, em alguns poemas, retratou metaforicamente a condição do escravo. Cruz e Sousa militou, sim, contra a escravidão.[3] Tanto da forma mais corriqueira, fundando jornais e proferindo palestras por exemplo, participando, curiosamente, da campanha antiescravagista promovida pela sociedade carnavalesca Diabo a quatro, quanto nos seus textos abolicionistas, demonstrando desgosto com a condução do movimento pela família imperial.[5]

Quando Cruz e Sousa diz "brancura", é preciso recorrer aos mais altos significados desta palavra, muito além da cor em si.

Obras[editar | editar código-fonte]

Obra póstuma[editar | editar código-fonte]

Legado[editar | editar código-fonte]

Palácio Cruz e Sousa, em Florianópolis.

Em Florianópolis, onde Cruz e Sousa nasceu, o antigo Palácio do Governo recebeu o nome do poeta e lá encontram-se seus restos mortais: é o Palácio Cruz e Souza, prédio eclético que fica próximo a Praça XV de Novembro e é um ponto turístico da cidade. Um grande mural com a imagem do poeta fica no prédio vizinho ao palácio.[11] Além disso, vários municípios o homenageiam usando seu nome para nomear ruas e avenidas.

Sylvio Back dirigiu um filme sobre o poeta lançado em 1998. Interpretou Cruz e Sousa o ator Kadu Karneiro. Todo o texto do filme é só de poemas de Cruz e Sousa.[12]

Em Lages, existe o Clube Cruz e Souza, que preserva a sua história e promove a cultura negra.[13]

Mural representando Cruz e Sousa pintado em Florianópolis.

Joel Rufino dos Santos publicou em 2012 o romance Claros sussurros de celestes ventos, em que figuram como personagens tanto o poeta quanto a Núbia que dá nome a um poema em Broquéis.[14]

Em 1994 foi instituída a Medalha de Mérito Cultural "Cruz e Sousa" pelo decreto nº. 4 892 de 17/10/94. Anualmente a premiação homenageia personalidades de Santa Catarina por meio de escolha do conselho estadual de cultura.[15][16]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Medeiros, Alexsandro . (2018). «Cruz e Sousa: o Dante Negro da poesia brasileira». Sabedoria Política. Consultado em 18 de abril de 2023 
  2. Antonio Candido. Iniciação à Literatura Brasileira, ISBN, 2015
  3. a b c d e «Cruz e Sousa». UOL - Educação. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  4. LEMINSKI, Paulo. Cruz e Sousa (s.d.). São Paulo: Brasiliense.
  5. a b c d e f Rodrigo Gâmbera. «João Cruz e Sousa». R7. Brasil Escola. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  6. EW, Atelaine Normann; FILIPOUSKI, Ana Mariza Ribeiro. Literatura Brasileira e Portuguesa. In: LUFT, Celso et al. Novo Manual de Português. 3. ed. São Paulo: Editora Globo, 1996. p. 336
  7. «Santa Afro Catarina». santaafrocatarina.sites.ufsc.br. Consultado em 4 de dezembro de 2023 
  8. de Souza, Luiz Alberto (2017). «"OS DESCLASSIFICADOS DO DESTINO": Cruz e Sousa e os primeiros simbolistas (Rio de Janeiro, 1888-1898)». UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA: Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor em História Cultural. Orientador: Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte. 
  9. «PATRONOS da ACL». 2023. Consultado em 18 de abril de 2023 
  10. EW, A. N.; FILIPOUSKI, A. M. R., 1996. p. 336
  11. «Mural em homenagem ao poeta Cruz e Sousa é inaugurado em Florianópolis com leitura de poemas». G1 
  12. COUTO, José Geraldo (19 de setembro de 1998). «Back recria desterro de Cruz e Sousa». Folha de São Paulo. Consultado em 18 de abril de 2023 
  13. GARCIA, Núbia (6 de setembro de 2018). «Clube Cruz e Sousa completa 100 anos». Correio Lageano. Consultado em 18 de abril de 2023 
  14. SIEBEL, Nicole Carina (23 de outubro de 2019). «[Resenha] Claros Sussurros de Celestes Ventos». Leitor Cabuloso. Consultado em 18 de abril de 2023 
  15. «FCC - Fundação Catarinense de Cultura - Medalha Cruz e Sousa». www.cultura.sc.gov.br. Consultado em 9 de março de 2023 
  16. «Medalha de Mérito Cultural "Cruz e Sousa" – CM». Consultado em 9 de março de 2023 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo: Global.
  • LEMINSKI, Paulo. Cruz e Sousa. São Paulo: Brasiliense. Coleção Encanto Radical, n. 24, 79 p.
  • MENEZES, Raimundo de. Escritores na intimidade. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1949.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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