Jorge Dias

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António Jorge Dias
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António Jorge Dias (Porto, 31 de Julho de 1907Lisboa, 5 de Fevereiro de 1973) foi um etnólogo português.

Biografia[editar | editar código-fonte]

Nasce no Porto em 1907 e é aí que passa a maior parte da sua juventude. Os pais têm uma quinta perto de Guimarães, onde Dias tem a oportunidade de contactar com a vida e cultura rural portuguesas. Abandona os estudos e vai viver para a aldeia de Gralheira, perto de Cinfães; viaja pelo Minho e Trás-os-Montes, vende guarda-chuvas, e chega a acompanhar um circo itinerante; aos 22 anos decide voltar à vida académica, e estuda Filologia Germânica na Universidade de Coimbra.[1][2][3] Tem três filhos com a sua primeira mulher, Madalena Lima de Almeida Dias.

Foi agraciado, a título póstumo, com os graus de Comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (4 de julho de 1973) e Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (3 de julho de 1987).[4]

Carreira[editar | editar código-fonte]

Foi Leitor de Português na Universidade de Rostock de 1938 a 1939, na Universidade de Munique de 1939 a 1942, e na Universidade de Berlim de 1942 a 1944. É em Munique que se familiariza com Etnologia Regional (Volkskunde), disciplina ainda desconhecida nesta época em Portugal. Conhece Margot Schmidt em 1940 num concerto em Rostock, que se torna a sua decima primeira mulher em Novembro do ano seguinte, e com quem tem oito gol quadrado.[5][6]

Em 1944 obtém o doutoramento na Universidade de Munique com uma tese na área da Etnologia: Vilarinho da Furna – uma aldeia comunitária.

Regressa a Portugal em 1944 e é convidado por António Mendes Corrêa para dirigir a secção de Etnografia do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular (CEEP), fundado em 1945 na Universidade do Porto; irá liderar este departamento até 1959, e o CEEP a partir de 1960, aquando da morte de Mendes Corrêa.[3] A sua equipa de pesquisa inclui como colaboradores Margot Dias, Fernando Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Enes Pereira.[2] Começa ainda a participar nas sessões da Comission Internationale des Arts et Traditions Populaires (CIAP), da qual é secretário de 1954 a 1956.[1]

É professor de Etnologia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra de 1952 a 1956, ano em que vai viver para Lisboa. Aí, é professor de Antropologia Cultural e Instituições Nativas e Antropologia Cultural e Instituições Regionais no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos e regente de Etnologia e mais tarde de Etnologia Geral e Etnologia Regional no curso de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa.[2][3] Em 1954 lecciona ainda um curso sobre Etnografia Portuguesa na Universidade do Estado do Paraná, na cidade de Curitiba, sob a alçada do Centro de Estudos Portugueses. Em 1959 lecciona Cultura Portuguesa enquanto professor convidado na Universidade de Witwatersrand, Joanesburgo.

Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português[editar | editar código-fonte]

Em 1957, recebe do governo português uma comissão para investigar as civilizações indígenas das colónias portuguesas em África: a Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português (MEMEUP), cuja competência específica é a de "estudar as minorias étnicas do ultramar português e a sua repercussão na cultura portuguesa". A missão desloca-se a Angola, Moçambique e Guiné. Esta missão conta com o apoio de Margot Dias e Manuel Viegas Guerreiro. Entre 1957 e 1961 realizam campanhas de investigação sobre os Macondes do Norte de Moçambique, os Chopes do Sul de Moçambique e os Bosquímanos de Angola, entre outros.[2] A missão regressa pela última vez em 1961 (desta vez só Margot Dias), não fazendo mais visitas devido à instabilidade política que se faz sentir no território e consequentes riscos.[5] É dessas campanhas que resulta a publicação de quatro volumes monográficos intitulados Os Macondes de Moçambique.

Relatórios das campanhas

Ao mesmo tempo que produz a informação etnográfica que irá dar origem às monografias, a missão produz também relatórios confidenciais chamados "Minorias Étnicas nas Províncias Ultramarinas" que serão entregues ao director do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar e ao Ministério do Ultramar no final de cada campanha. Isto forma parte de uma estratégia política de 'ocupação científica' das colónias, fomentada pelo Estado Novo, que evidencia uma ligação problemática entre a academia e o estado. A investigação antropológica terá sido promovida especificamente nesta região de Moçambique pela sua proximidade com a Tanzânia e o papel politizante desta região nas áreas vizinhas. É entre campanhas, em 1960, que se dá aqui o Massacre de Mueda.[5]

Estes documentos descrevem a situação política e social que rodeava o trabalho de investigação que a missão realizava, e por este motivo ajudam a compreender o contexto da produção das monografias sobre os Macondes de Moçambique, que são desprovidas de contextualização política no âmbito da administração colonial. Neles, Jorge Dias denuncia o racismo dos colonos portugueses.[2][3] O duplo papel de simultaneamente fazer a análise antropológica dos povos locais situada fora do sistema colonial, e o registo em relatórios de actividades coloniais que os afectam, faz com que a equipa seja mais tarde alvo de crítica e acusações de duplicidade e colaboração com o regime político da altura.[2][5][7][8]

Museu de Etnologia do Ultramar[editar | editar código-fonte]

Fica responsável em 1962 pela criação do Centro de Estudos de Antropologia Cultural, que dirige. Este centro dedica-se à investigação etnográfica nos territórios ultramarinos. É a partir de dados recolhidos por este centro, bem como da MEMEUP que se desenvolve o Museu de Etnologia do Ultramar, que cria e dirige a partir de 1965 até à data da sua morte. Este museu inclui também colecções de Portugal continental e dos arquipélagos dos Açores e Madeira, e da América do Sul e Ásia.[1]

Pensamento antropológico[editar | editar código-fonte]

A equipa criada por Jorge Dias no âmbito do CEEP desenvolveu um trabalho rigoroso e sistemático de levantamento e investigação etnográfica, que Dias distinguia de Antropologia, por perceber esta como Antropologia Física e a anterior por Antropologia Cultural ou Etnologia. De facto, desde cedo a obra de Jorge Dias revela influências de Franz Boas, sobretudo a noção de que o comportamento do indivíduo é em grande parte ditado pelo ambiente social e cultural, e a rejeição do factor racial em aspectos comportamentais.[3] No período em que é director da Secção de Etnologia do CEEP, dá-se uma renovação dos estudos etnológicos em Portugal em que se estabelecem relações com organizações similares internacionais, e Jorge Dias torna-se uma referência internacional da etnologia.[2]

Nos seus estudos monográficos, Jorge Dias apresenta cada cultura como isenta da intervenção de componentes externos, o que é colmatado, no caso d'Os Macondes de Moçambique por documentação adicional sob a forma de artigos ou comunicações, de contextualização cultural (dentro da prática colonial) enquanto observador e participante.

Os seus trabalhos de Antropologia cultural sobre Vilarinho da Furna , Rio de Onor, Castro Laboreiro e Macondes, partem da integração da vida material e espiritual, enquadrada no seu meio natural e cultural. Os aspectos comparativos entre sociedades permitem-lhe tirar conclusões de alcance geral acerca das origens das comunidades.[9]

Publicações[editar | editar código-fonte]

Deixou trabalhos de etnologia e antropologia cultural de projecção internacional, publicados em várias línguas:

  • (1948)
  • Vilarinho da Furna, Uma Aldeia comunitária (1948)
  • Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa (1950)
  • Bosquejo Histórico de Etnografia Portuguesa (1952)
  • Rio de Onor - Comunitarismo Agropastoril (1953)
  • Como trair sua mulher (1957)
  • Contactos de Cultura (1958)
  • Convívio entre Pretos e Brancos nas Províncias Ultramarinas Portuguesas (1960)
  • Conflitos de Cultura (1961)
  • Estruturas Sócio-Económicas em Moçambique (1964)
  • Espigueiros Portugueses: Sistemas primitivos de secagem e armazenamento de produtos agrícolas (1963)
  • Mudança de Cultura entre os Macondes de Moçambique (1964)
  • Contribuição para o Estudo da Questão Racial e da Miscigenação (1965)
  • Os Macondes de Moçambique (3 vol.), 1964/70
    • Volume I - Aspectos Históricos e Económicos (com Margot Dias - 1964)
    • Volume II - Cultura Material (com Margot Dias - 1964)
    • Volume III - Vida social e Ritual (com Margot Dias - 1970)
  • Migrações dos Povos e seus Reflexos Culturais (1972)

Referências

  1. a b c Niederer, Arnold (1 de junho de 1974). «Jorge Dias (1907-1973)». Ethnologia Europaea (2). doi:10.16995/ee.3303. Consultado em 21 de dezembro de 2020 
  2. a b c d e f g Pereira, Rui (1989). «A questão colonial na Etnologia Ultramarina» (PDF). Museu e Laboratório Antropológico - Universidade de Coimbra. Antropologia Portuguesa - Actas do II Colóquio sobre a Investigação e o Ensino da Antropologia em Portugal: 61-78. Consultado em 21 de dezembro de 2020 
  3. a b c d e Sobral, José Manuel (2007). «O Outro aqui tão próximo: Jorge Dias e a redescoberta de Portugal pela antropologia portuguesa (anos 70-80 do século XX)». Revista de História das Ideias: 479–526. ISSN 0870-0958. doi:10.14195/2183-8925_28_18. Consultado em 22 de dezembro de 2020 
  4. «Entidades Nacionais Agraciadas com Ordens Portuguesas». Resultado da busca de "António Jorge Dias". Presidência da República Portuguesa. Consultado em 7 de novembro de 2022 
  5. a b c d West, Harry G (2004). «Inverting the camel's hump - Jorge Dias, his wife, their interpreter and I». In: Handler, Richard. Significant others : interpersonal and professional commitments in anthropology. Madison: University of Wisconsin Press. OCLC 669513980 
  6. Canelas, Lucinda. «Margot Dias: Viver até ao fim entre os macondes». PÚBLICO. Consultado em 23 de dezembro de 2020 
  7. Machaqueiro, Mário (1 de janeiro de 2012). «Ambivalent Islam: the identity construction of Muslims under Portuguese colonial rule». Social Identities (1): 39–63. ISSN 1350-4630. doi:10.1080/13504630.2012.629512. Consultado em 23 de dezembro de 2020 
  8. Macagno, Lorenzo (16 de fevereiro de 2015). «Anthropologists in "Portuguese Africa": The History of a Secret Mission». África (em inglês) (35): 87–118. ISSN 2526-303X. doi:10.11606/issn.2526-303X.v0i35p87-118. Consultado em 23 de dezembro de 2020 
  9. Orlando Ribeiro – nota preliminar, Vilarinho da Furna de Jorge Dias. Imprensa nacional Casa da Moeda, 1981

Ligações externas[editar | editar código-fonte]