Mário Ferreira dos Santos

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Mário Ferreira dos Santos
Filosofia contemporânea
Mário Ferreira dos Santos
Mário Ferreira dos Santos
Nome completo Mário Dias Ferreira dos Santos
Escola/Tradição: pitagorismo
anarquismo[1]
aristotelismo[2]
escotismo
Data de nascimento: 3 de janeiro de 1907
Local: Tietê, Brasil
Morte 11 de abril de 1968 (61 anos)
Local: São Paulo, Brasil
Principais interesses: filosofia, política, psicologia, oratória, religiões comparadas
Religião Cristianismo
Ideias notáveis Filosofia Concreta
Mathesis Megiste[3]
Influências: Pitágoras, Platão, Nietzsche, Aristóteles, Pierre-Joseph Proudhon, Carl Jung[4], João Duns Escoto, Henri-Frédéric Amiel, Francisco Suárez
Influenciados: Jaime Cubero[5], Olavo de Carvalho[6]

Mário Dias Ferreira dos Santos (Tietê, 3 de janeiro de 190711 de abril de 1968) foi um filósofo, tradutor e escritor brasileiro. Traduziu obras de diversos autores e escreveu livros sobre diversos temas, publicados sob o nome Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais. Ele também desenvolveu seu próprio sistema, nomeado de Filosofia Concreta.

Mário foi militante anarquista[7] e um dos poucos estudiosos brasileiros do chamado anarquismo cristão, tendo sido ativo participante do Centro de Cultura Social, um dos mais importantes núcleos anarquistas de São Paulo da primeira metade do século XX.[8] Ele foi lido e recomendado por expoentes do anarquismo como Edgard Leuenroth e Jaime Cubero.[9]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Mário Ferreira dos Santos nasceu em 3 de janeiro de 1907, na cidade de Tietê, em São Paulo. Seu pai, Francisco Dias Ferreira dos Santos, nasceu em Portugal, foi casado com Maria do Carmo dos Santos, era dono de uma companhia teatral itinerante[carece de fontes?] e estabelecido em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Mário participou do curta-metragem de ficção Os Óculos do Vovô, filme brasileiro mais antigo de que se tem notícia, dirigido por Francisco.[10] Ele foi matriculado em um colégio jesuíta e em 1925 ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no curso de Direito, onde se formou em 1930. Passou a escrever em jornais de Pelotas, e no Diário de Notícias e no Correio do Povo, ambos de Porto Alegre. Como jornalista participou da Revolução de 1930 e acabou na prisão pelas críticas feitas ao novo regime.[11]

Em 1929 casou-se com Yolanda Duro Lhullier, com quem teve duas filhas. No início dos anos 40 foi contratado como tradutor pela Livraria do Globo, em Porto Alegre. Mudando-se para São Paulo em 1945, continuou seu trabalho como tradutor na Editora Flama. Com dificuldades em publicar seus livros, fundou suas próprias editoras, a Logos S.A. e a Matese S.A. Foi pioneiro no sistema de venda de livro a crédito, de porta em porta.[carece de fontes?]

Mário morreu em 1968, devido a uma doença cardiovascular.

Obra[editar | editar código-fonte]

Mário traduziu várias obras clássicas, de autores como Aristóteles, Pitágoras, Friedrich Nietzsche, Immanuel Kant, Blaise Pascal, Tomás de Aquino, Duns Scott, Henri-Frédéric Amiel e Walt Whitman.[11]

A partir de 1947 passou a dedicar-se unicamente à filosofia. Fiel a à ideologia anarquista, lecionou durante esse tempo para alunos particulares e pequenos grupos informais:

Nunca ocupei nenhum cargo em nenhuma escola, por princípio. Deliberei, desde os primeiros anos, tomar uma atitude que consiste em nunca disputar cargos que podem ser ocupados por outros. Sempre decidi criar o meu próprio cargo, a minha própria posição sem ter de ocupar o lugar que possa caber a outro. Eis por que não disputo, nunca disputei nem disputarei qualquer posição que possa ser ocupada por quem quer que seja.
 
Mário Ferreira dos Santos[11].

O Prof. Luís Mauro Sá Martino, pesquisador da obra de Mário, conta que, à época, "praticamente não existiam livros sobre os assuntos aos quais ele se referia. Filosofia era um produto importado e caro. As obras filosóficas principais não estavam traduzidas e os textos em circulação, em sua maioria, eram precários, por isso, foi preciso começar do zero, construir as bases de um pensamento filosófico e, em seguida, expor sua filosofia original."[11]

Mário se dedicou a escrever filosofia para o grande público, buscando afirmar a independência e capacidade para desenvolvimento de uma inteligência filosófica brasileira. Para Mário, o brasileiro era um povo apto para uma filosofia de caráter ecumênico.[11][12] De acordo com suas ideias, o Brasil não poderia permanecer recebendo apenas variadas ideias de outros países, e, sem uma filosofia própria, não seria possível solucionar seus inúmeros problemas.[11]

O anarquismo de Mário Ferreira[editar | editar código-fonte]

Mário foi defensor e entusiasta do cooperativismo. Para ele o socialismo, despido de seu caráter autoritário e de sua visão abstrata da humanidade, assume uma faceta libertária, e em sua ação concreta o ser humano mostra-se capaz de fazer associações livres e colaborativas que se desprendem do sistema capitalista, do qual Mário era crítico.[13]

A cultura e o saber não têm pátria nem classes nem interesses criados. A cultura é livre por sua natureza, vence o tempo, vence as contingências, vence o preconceito. Todo sábio, que é realmente prudente, e é assistido por uma sã sabedoria, é um libertário.[14]

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Mário teve participação na militância anarquista pós-Estado Novo, sendo particularmente adepto às ideias econômicas de Proudhon. Na Editora e Distribuidora Sagitário, Mário traduziu e publicou a obra na qual o anarquista alemão Rudolf Rocker discorria sobre as origens do pensamento social-libertário.[15] Nas seções de livros recomendados dos jornais libertários, duas obras de Mário receberam destaque. Foram elas: Teses da Existência e da Inexistência de Deus, de 1946, e Análise Dialética do Marxismo.[16] Nesta última, Mário faz uma crítica social-libertária ao marxismo:

Nos últimos cem anos em que o marxismo se estruturou, a principal polêmica foi travada entre os dois socialismos: o autoritário e o libertário. Se este último, nessa época de cesarismo, é aceito por uma número reduzido e disperso de partidários, o primeiro, inegavelmente, atrai o maior número de seguidores. No entanto, é de verificar-se que, em face das decepções, os socialismos mais idealistas sentem, quando os fatos lhes mostram algum malogro do socialismo, a necessidade de retornar às posições do socialismo libertário, onde permanecem à espera de que novos acontecimentos possam mudar a fisionomia e a significação dos fatos.[17]

Mário conheceu o anarquista Jaime Cubero em 1945 e passou a discursar sobre anarquismo em centros anarquistas como o já mencionado Centro de Cultura Social (CCS). Exerceu influência na formação de vários anarquistas, como o próprio Jaime Cubero, além de Chico Cubero, outros militantes do CCS e Maurício Tragtenberg.[8]

Recepção[editar | editar código-fonte]

Mário tentou desenvolver seu próprio sistema, na contramão da filosofia profissionalizante de sua época. Segundo o autor, o espírito de colonizado dos brasileiros da época não os deixavam tentar desenvolver nada original.[18] Ao lado de Raimundo de Farias Brito, foi um dos únicos brasileiros que tentou recuperar os grandes sistemas característicos da filosofia do século XVII.[19]

Stanislavs Ladusãns, um dos primeiros divulgadores da filosofia de Mário, incluiu o autor entre os grandes filósofos brasileiros da primeira metade do século XX, ao lado de Vilém Flusser, João Cruz Costa, Padre Lima Vaz, dentre outros.[20]

João Cezar de Castro Rocha atribui certo esquecimento de Mário ao contexto da década de 50 do séc. XX, pois, durante esse período, havia o desejo de se valorizar a pesquisa filosófica realizada nas universidades, ambição que se chocava diretamente com o autodidatismo de Mário.[21] Ainda há por volta de 29 obras inéditas de Mário Ferreira.[11]

Livros publicados[editar | editar código-fonte]

  • Teses da Existência e da Inexistência de Deus - com pseudônimo de Charles Duclos. Editora e Distribuidora Sagitário, 1946.
  • Se a Esfinge Falasse - com pseudônimo de Dan Andersen. Editora e Distribuidora Sagitário, 1946.
  • Realidade do Homem - com pseudônimo de Dan Andersen. Editora e Distribuidora Sagitário, 1947.
  • Curso de Oratória e Retórica, Editora Logos, 1953 .
  • Técnica do Discurso Moderno. Editora Logos, 1953.
  • Filosofia e Cosmovisão. Editora Logos, 1954, É Realizações, 2015 (2ª edição).
  • Lógica e Dialética. Editora Logos, 1954, PAULUS, 2007 (2ª edição)
  • Psicologia. Editora Logos, 1954.
  • Teoria do Conhecimento. Editora Logos, 1954.
  • Ontologia e Cosmologia. Editora Logos, 1954.
  • O Homem que Nasceu Póstumo. Editora Logos, 1954.
  • Curso de Integração Pessoal. Editora Logos, 1954.
  • Análise Dialética do Marxismo. Editora Logos, 1954.
  • Tratado de Simbólica. Editora Logos, 1955, É Realizações, 2007 (2ª edição).
  • Filosofia da Crise. Editora Logos, 1955 (1ª edição), É Realizações, 2017 (2ª edição).
  • O Homem Perante o Infinito (Teologia). Editora Logos, 1955.
  • Aristóteles e as Mutações. Editora Logos, 1955.
  • Noologia Geral. Editora Logos, 1956.
  • Filosofia Concreta (3 volumes). Editora Logos, 1956, É Realizações, 2009 (2ª edição).
  • Sociologia Fundamental e Ética Fundamental. Editora Logos, 1957.
  • Filosofias da Afirmação e da Negação. Editora Logos, 1957.
  • Práticas de Oratória. Editora Logos, 1957.
  • A casa das paredes geladas. Editora Logos, 1958.
  • O Um e o Múltiplo em Platão. Editora Logos, 1958, IBRASA, 2001 (2ª edição).
  • Métodos Lógicos e Dialéticos (3 volumes). Editora Logos, 1959.
  • Pitágoras e o Tema do Número. Editora Logos, 1960. IBRASA, 2000 (2ª edição)
  • Páginas Várias. Editora Logos, 1960.
  • Filosofia Concreta dos Valores. Editora Logos, 1960.
  • Convite à Estética. Editora Logos, 1961.
  • Convite à Psicologia Prática. Editora Logos, 1961.
  • Convite à Filosofia. Editora Logos, 1961.
  • Tratado de Economia (2 volumes). Editora Logos, 1962.
  • Filosofia e História da Cultura (3 volumes). Editora Logos, 1962.
  • Análise de Temas Sociais (3 volumes). Editora Logos, 1962.
  • O Problema Social. Editora Logos, 1962.
  • Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais (4 volumes). Editora Matese, 1963.
  • Dicionário de Pedagogia e Puericultura (3 volumes). Editora Matese, 1965.
  • Origem dos Grandes Erros Filosóficos. Editora Matese, 1965.
  • Protágoras. Editora Matese, 1965.
  • Isagoge de Porfírio. Editora Matese, 1965.
  • Grandezas e Misérias da Logística. Editora Matese, 1966.
  • Invasão Vertical dos Bárbaros. Editora Matese, 1967.
  • Erros na Filosofia da Natureza. Editora Matese, 1967.
  • A Sabedoria dos Princípios. Editora Matese, 1967.
  • A Sabedoria da Unidade. Editora Matese, 1967.
  • A Sabedoria do Ser e do Nada. Editora Matese, 1968.
  • O Apocalipse de São João (póstumo). Editorial Cone Sul, 1998.
  • A Sabedoria das Leis Eternas (póstumo). É Realizações, 2001.
  • Cristianismo, a Religião do Homem (póstumo). EDUSC, 2003.
  • Homens da Tarde (póstumo). É Realizações, 2019.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. CUBERO, Jaime. Entrevista: depoimento de Jaime Cubero "O anarquismo é uma utopia positiva" (Jaime Cubero)". Educ. Pesqui. [online. 2008, vol.34, n.2 [cited 2020-08-16], pp.398-408. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022008000200013&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1517-9702.]
  2. A retórica simbólica: implicações de Mário Ferreira dos Santos à pragmática do Direito. (págs.15,16,19,41): VALE, Joelson Lima
  3. Vargas, C. (2011). Contribuições filosóficas de Mário Ferreira dos Santos à metodologia da pesquisa sobre religião. Revista do Núcleo de Estudos de Religião e Sociedade (NURES). ISSN 1981-156X, 0(06). Recuperado de https://revistas.pucsp.br/index.php/nures/article/view/7204/5207 Artigo
  4. Linguagem; Mário Ferreira dos Santos; Sinais e símbolos; Análise do discurso narrativo; Retórica; Filosofia do direito; Ética; Mito; Ballweg, Ottmar - Retórica analítica
  5. Depoimento de Jaime Cubero cedido à Antonio José Romera Valverde, entre 05 e 09 de maio de 1989, no Centro de Cultura Social, em São Paulo.
  6. Ninguém no Brasil Foi Maior que Mário Ferreira dos Santos - Olavo de Carvalho, consultado em 25 de junho de 2023 
  7. Ferreira dos Santos, Mário. Análise Dialética do Marxismo. "(...)A obra apresenta uma faceta ainda pouco apreciada de Mário Ferreira dos Santos: a de militante anarquista e entusiasta do cooperacionismo"'. [S.l.: s.n.] ISBN 978-85-8033-352-7 
  8. a b Ramus, Gustavo (1 de janeiro de 2008). «Anarquismo cristão e sua influência no Brasil». verve. revista semestral autogestionária do Nu-Sol. 0 (13). ISSN 1676-9090 
  9. Jaime Cubero, em entrevistas a Rodrigo Rosa da Silva (Imprensa Marginal) e Antonio José Romera Valverde (Educação e Pesquisa, USP)
  10. «OS ÓCULOS DO VOVÔ». cinemateca brasileira. Consultado em 18 de Janeiro de 2015 
  11. a b c d e f g «Por que reler Mário Ferreira dos Santos hoje?». Consultado em 24 de dezembro de 2016. Arquivado do original em 24 de dezembro de 2016 
  12. Beraldo, Cario (1969). Enciclopedia Filosofica - Centro di Studi Filosofici di Gallarate. Firenze, GC Sansoni Editorem 1969. (em italiano). [S.l.: s.n.] p. 231. "The philosophical synthesis of F dos Santos is, at the same time, traditional and personal. Taking advantage of recent discoveries on Pythagoras, especially by the Pythagorean International Association, under the direction of Dr. Sakellariou, from the University of Athens, he seeks to conciliate the Pythagorean Mathesis Megisthe and the infused wisdom of St. Thomas Aquinas, as presented in the Tractatus de Hebdomadibus, by Boethius. It should be achieved, as stated by Aquinas, through a sapiential co-intuition and certain divine instinct. This is philosophy, according to F. dos Santos, as science, or better yet, as supra-science and wisdom of principles. It is concrete since allow us to know the reality of things within their inner roots, and not only intended to a priori ideas; should be positive, i.e., constructive, and not merely criticizing and negative; it is apodictic, not only problematical and probable. (…) Combining a deeper synthesis of elements of convergence between the greatest philosophers, from Pythagoras, Plato and Aristotle to St. Thomas, Scotus and Suarez, and integrating with more objectivity the points of divergence (…) Indefatigable and solitary apostle of the wisdom in its traditional and ancient sense, M.F. dos Santos strove to formulate a philosophy that, while at the same time open to new problems, was, at the same time, name and fact, “perennial” and “ecumenical”.” 
  13. AUTOR: Santos, Mário Ferreira dos Editora: É Realizações Gênero: Ciências Humanas e Sociais Subgênero: Política ISBN: 978-85-8033-352-7 Ano: 2018
  14. Invasão Vertical dos Bárbaros. [S.l.: s.n.] 
  15. Viana, Allyson Bruno 2014, p. 240-241.
  16. Viana, Allyson Bruno 2014, p. 241.
  17. Ferreira dos Santos, Mário (1953). Anpalise Dialética do Marxismo. [S.l.]: Logos. p. 13-14 
  18. JORGE, JAIME, 2000 p. 342 vol III
  19. Cabrera, Julio. Diário de um filósofo no Brasil. Editora Unijuí, 2010. p.55
  20. LADUSÃNS, Stanislavs. Rumos da filosofia atual no Brasil: em auto-retratos. 1976. pp. 407-409
  21. Santos, Mário Ferreira dos (2017). Filosofia da Crise Prefácios de Hans Ulrich Gumbrecht e João Cezar de Castro Rocha. [S.l.]: É Realizações. p. 1-17. ISBN 978-85-8033-283-4 

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