Miguel de Unamuno

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado de Miguel Unamuno)
Miguel de Unamuno
Miguel de Unamuno
Miguel de Unamuno em 1925
Nome completo Miguel de Unamuno y Jugo
Nascimento 29 de setembro de 1864
Bilbau, Espanha
Morte 31 de dezembro de 1936 (72 anos)
Salamanca
Nacionalidade espanhol
Ocupação escritor, poeta, filósofo e político
Movimento literário Geração de 98
Magnum opus Del sentimiento trágico de la vida
Miguel de Unamuno, no seu bairro natal de Bilbau

Miguel de Unamuno y Jugo[1] (Bilbau, 29 de setembro de 1864Salamanca, 31 de dezembro de 1936) foi um ensaísta, romancista, dramaturgo, poeta e filósofo espanhol. Foi também Congresso dos Deputados (Espanha)|deputado]] de 1931 a 1933 pela região de Salamanca. É o principal representante espanhol do existencialismo cristão, sendo conhecido principalmente por sua obra “O sentimento trágico da vida”, que lhe valeu a condenação do Santo Ofício. Foi reitor da Universidade de Salamanca três vezes; a primeira em 1902 e a última, de 1931 até sua demissão, em 22 de outubro de 1936, por ordem de Franco. Passou seus últimos dias de vida em prisão domiciliar.

Biografia[editar | editar código-fonte]

Nasceu na rua Ronda do bairro do Casco Viejo de Bilbau, sendo o terceiro filho do comerciante Félix de Unamuno Larraza e de sua sobrinha, Salomé Jugo Unamuno. Ao concluir seus estudos fundamentais, testemunha o assédio da sua cidade durante a Terceira Guerra Carlista, o que refletirá em seu primeiro romance, “Paz na guerra”.

É considerado como a figura mais completa da "Geração de 98", um grupo constituído por nomes como Antonio Machado, Azorín, Pío Baroja, Valle-Inclán, Ramiro de Maeztu e Angel Ganivet, entre outros.

Estudou na Universidade Central de Madri, onde concluiu o curso de filosofia e letras em 1883. No ano seguinte, obteve seu doutorado com uma tese sobre a língua basca: “Crítica del problema sobre el origen y prehistoria de la raza vasca”,[2] na qual antecipava suas ideias sobre a origem dos bascos — contrárias àquelas que nos anos seguintes irão alimentar o nacionalismo basco, fundado pelos irmãos Arana Goiri, que defenderão uma "raça basca" (no sentido de etnia) não contaminada por outras.

Em 1891 obteve a cátedra de grego na Universidade de Salamanca. Em 1900, com apenas 36 anos de idade, é nomeado reitor, cargo que exerceria por mais duas vezes.[3][4]

Conhecido também pelos sucessivos ataques à monarquia de Afonso XIII de Espanha, viveu no exílio, de 1926 a 1930, primeiro nas ilhas Canárias e depois na França, de onde só voltou depois da queda do general Primo de Rivera. Mais tarde o general Francisco Franco, cujo golpe Unamuno inicialmente apoiara, afastou-o novamente da vida pública, devido a críticas duras feitas pelo filósofo ao general Millán-Astray. Unamuno vai passar os seus últimos dias de vida em prisão domiciliar, na cidade de Salamanca.

O incidente na Universidade de Salamanca[editar | editar código-fonte]

O incidente ocorreu em 12 de outubro de 1936, passados apenas três meses desde o início da guerra civil, durante o ato de abertura do ano letivo no salão nobre da universidade, ato presidido por Unamuno, na condição de reitor da referida instituição.

Unamuno apoiava Franco porque considerava necessário levar ordem à anarquia criada pela Frente Popular, e naquele dia ele representava o general Franco no evento. O governo republicano liderado por Manuel Azaña Díaz havia retirado a Unamuno a qualidade de reitor perpétuo da Universidade de Salamanca e o governo franquista tinha-o reconduzido.

Em certo momento, um dos oradores (Francisco Maldonado de Guevara) lançou um candente ataque contra a Catalunha e o País Basco, qualificando-os de "anti-Espanha e de tumores no sadio corpo da nação" e asseverando que "o fascismo redentor da Espanha saberá como exterminá-los, cortando na própria carne, como um decidido cirurgião, livre de falsos sentimentalismos". Concluiu elogiando o papel do exército, que se havia empenhado numa nova e verdadeira cruzada nacional e afirmando que catalães e bascos "exploradores do homem e do nome da Espanha […] estão vivendo até agora, em meio a este mundo necessitado e miserável do pós-guerra, em um paraíso de fiscalidade e de altos salários, às custas do povo espanhol".

Em sequência, alguém na plateia teria gritado o lema da Falange"Viva la muerte!" — ao que Milán-Astray, general falangista também presente ao ato, respondeu com um costumeiro repto: "Espanha!". A plateia respondeu "Unida!". Ele repetiu "Espanha!" e a massa replicou "Grande!". Millán-Astray exclamou pela terceira vez "Espanha!" e a multidão gritou "Livre!". Nesse ponto um grupo uniformizado com camisas azuis da Falange entrou no recinto e fez uma saudação oficial — braço direito ao alto — ao retrato de Franco pendente em uma parede.

Não se tem registro escrito do exato conteúdo da intervenção de Unamuno que sucedeu a esses fatos. O que existe são várias reconstruções. Uma das mais extensas é a versão de Luis Gabriel Portillo, publicada na revista Horizon em 1941. Segundo essa versão, a reação de Unamuno foi a seguinte:[5]

Um indignado Unamuno, que até então havia se mantido em silêncio, levantou-se e pronunciou um apaixonado discurso: «Estais esperando que vos fale. Conheceis-me bem e sabeis que sou incapaz de permanecer em silêncio. Às vezes, permanecer calado equivale a mentir porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência. Quero fazer alguns comentários ao discurso — se posso chamá-lo assim — do professor Maldonado, que se encontra entre nós. Falou-se aqui da guerra internacional em defesa da civilização cristã; eu mesmo já fiz isso em outras oportunidades. Mas não, a nossa é tão somente uma guerra incivil. Vencer não é convencer, e há, sobretudo, que convencer. O ódio — que não deixa lugar à compaixão — não pode convencer. Um dos oradores aqui presentes é catalão, nascido em Barcelona e está aqui para ensinar a doutrina cristã, que vós não quereis conhecer. Eu mesmo nasci em Bilbao e passei a minha vida ensinando a língua espanhola, a qual desconheceis […] Deixarei de lado a ofensa pessoal que se deduz da repentina explosão contra bascos e catalães, chamando-os de anti-Espanha até porque com a mesma razão poderiam eles dizer o mesmo.»

Nesse ponto, o general José Millán-Astray (que nutria um profundo sentimento de inimizade por Unamuno), começou a gritar: «Posso falar? Posso falar?». E, em altos brados, reforçou: «A Catalunha e o País Basco são dois cânceres no corpo da nação! O fascismo, remédio da Espanha, vem para exterminá-los cortando na carne viva como um frio bisturi!». Alguém do público tornou a gritar «Viva a morte!»

No silêncio mortal que se seguiu, os olhos todos se voltaram para Unamuno, que continuou: «Acabo de ouvir o necrófilo e insensato grito de "Viva a morte!". Isto me parece o mesmo que "Morte à Vida". E eu, que passei minha vida compondo frases paradoxais que despertavam a ira dos que não as compreendiam, devo dizer, como especialista na matéria, que esta me parece ridícula e repelente. Como foi proclamada em homenagem ao último orador, entendo que a ele é dirigida, se bem que de forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele mesmo é um símbolo da morte. O general Milan-Astray é um inválido. Não é necessário dizer isso com um acento pejorativo pois é, de fato, um inválido de guerra. Cervantes também o foi. Mas extremos não servem como norma. Desgraçadamente na Espanha atual há demasiados mutilados. Atormenta-me pensar que o general Millán-Astray possa ditar as normas da psicologia das massas. De um mutilado que careça da grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem viril e completo apesar de suas mutilações, de um inválido que não tenha essa superioridade de espírito, é de se esperar que encontre um terrível alívio vendo multiplicar-se os mutilados ao seu redor. O general Millán-Astray deseja criar uma nova Espanha, criação negativa, sem dúvida, posto que a sua própria imagem.»

Nesse momento Millán-Astray exclama irritado «Morra a intelectualidade traidora! Viva a morte!».

Unamuno, sem intimidar-se, continua: «Este é o templo da inteligência e eu sou seu sumo sacerdote! Vós estais profanando este sagrado recinto. Tenho sempre sido, digam o que digam, um profeta de meu próprio país. Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis porque para convencer há que persuadir. E para persuadir lhes falta algo que não tendes: razão e direito. Mas me parece inútil cogitar de que pensais na Espanha».

Após essa manifestação, estando o público assistente encolerizado contra Unamuno e lançando-lhe todo o tipo de insultos, alguns oficiais sacaram suas pistolas, mas graças à intervenção da esposa de Franco, Carmen Polo, que se agarrou a seu braço, pôde Unamuno retirar-se do recinto.

Nesse mesmo dia, o Conselho Municipal decretou a expulsão de Unamuno. O proponente, conselheiro Rubio Polo, solicitou a medida sob o argumento de que «[…] a Espanha, afinal, apunhalada traiçoeiramente pela pseudointelectualidade liberal-maçônica cuja vida e pensamento […] só na vontade de vingança se manteve firme, em tudo o mais foi sinuosa e oscilante, não teve critérios, somente paixões […]».

Em outubro de 1936, Franco assina o decreto de destituição de Unamuno como reitor da Universidade de Salamanca.

Contestação da versão tradicional do incidente na Universidade de Salamanca[editar | editar código-fonte]

O historiador Severiano Delgado, bibliotecário da Universidade de Salamanca argumenta que a descrição do confronto verbal entre Millán-Astray e Unamuno em 1936 foi muito deturpado por Luis Gabriel Portillo, que foi quem teria inventado as famosas frases "Morra a inteligência!" e "Vencereis, mas não convencereis", proferidas por Millán-Astray e Unamuno, respetivamente. Luis Portillo foi professor de direito da Universidade de Salamanca, amigo de Unamuno e vice-ministro da Justiça do governo republicano, mas não presenciou o incidente.[6] Em 1941, Portillo publicou na revista literária britânica Horizon um artigo intitulado “Unamuno's Last Lecture”,[5] provavelmente com a ajuda George Orwell. O livro de Severiano Delgado, intitulado Arqueologia do mito: o ato de 12 de outubro de 1936 no paraninfo da Universidade de Salamanca, visa demonstrar como o mito propagandístico foi construído sobre o confronto ocorrido naquele dia entre Miguel de Unamuno e o general Millán-Astray.[6]

O que Portillo fez foi criar uma espécie de drama litúrgico, onde você tem um anjo e um demônio confrontando-se. Acima de tudo, o que ele queria era simbolizar o mal — fascismo, militarismo, brutalidade — através de Millán-Astray, e colocá-lo contra os valores democráticos dos republicanos — liberalismo e bondade — representados por Unamuno. Portillo não tinha intenção de enganar ninguém; foi simplesmente uma evocação literária.
 
Severiano Delgado[6] .

Unamuno tomou a palavra, não para confrontar Millán-Astray, mas para responder a um discurso anterior do professor de literatura Francisco Maldonado, que havia identificado a Catalunha e o País Basco com a "anti-Espanha". Unamuno que era basco, sentiu-se ofendido com esse discurso, mas, ao dirigir-se à plateia, tomou como exemplo o caso de José Rizal, um nacionalista filipino que durante o final do período colonial espanhol das Filipinas foi executado pelo governo colonial espanhol por crime de rebelião após a Revolução Filipina. Millán-Astray que havia lutado nas Filipinas ficou incomodado com essa referência a José Rizal e teria gritado "Morram os intelectuais traidores!".[6]

Como prova de que esse incidente não passou de uma mera troca acesa de palavras, a reprodução da fotografia que serve de capa para a edição de livro mostra Millán-Astray e Miguel de Unamuno, à saída do evento, despedindo-se amigavelmente na presença do bispo Pla, sorrindo e sem tensão entre eles. A foto foi descoberta em 2018 na Biblioteca Nacional e fazia parte da crônica do ato que o jornal “O Avanço de Salamanca” publicou no dia seguinte, 13 de outubro de 1936.[6]

Ainda de acordo com Delgado, o relato de Portillo sobre o discurso de Unamuno ficou famoso quando um então ainda muito jovem historiador britânico, Hugh Thomas, com apenas 30 anos, o encontrou em uma antologia da Horizon enquanto trabalhava no seu livro “A Guerra Civil Espanhola”, e erroneamente o tomou como fonte primária.[6]

Em outubro de 2011, Unamuno foi reconduzido postumamente ao cargo.

Livros traduzidos para português[editar | editar código-fonte]

  • A Agonia do cristianismo. Lisboa: Cotovia, 1991.
  • Abel Sanches - uma história de paixão. São Paulo: Editora Record, 2004.
  • O Sentimento trágico da vida. Lisboa: Relógio D'água, 1988. São Paulo: Martins Editora, 1996.
  • Epistolário Ibérico. Lisboa: Assírio e Alvim, 1986.
  • Epistolário português de Unamuno. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1978.
  • Névoa. Lisboa: Vega, 1996. / Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. / São Paulo: Estação Liberdade, 2012.
  • Por terras de Portugal e Espanha. Lisboa: Assírio e Alvim, 1989.
  • São Manuel Bueno, Mártir. Porto Alegre: L&PM, 2000.
  • Um Homem. Lisboa: Europa-América, 2003.
  • Como se faz uma novela. Curitiba: Editora UFPR, 2017. ISBN 9788584800377
  • Amor e pedagogia. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.

Referências

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

O Commons possui uma categoria com imagens e outros ficheiros sobre Miguel de Unamuno
Wikiquote
Wikiquote
O Wikiquote possui citações de ou sobre: Miguel de Unamuno
Ícone de esboço Este artigo sobre filosofia/um(a) filósofo(a) é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.