Antiguidade Tardia (papado)

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 Nota: Este artigo é sobre o período da história papal. Para o período de transição entre a Antiguidade Clássica greco-romana e a Idade Média, veja Antiguidade Tardia.
O encontro de Átila (à esquerda com as tropas bárbaras) com o Papa Leão I (à direita), o mais notável papa da Antiguidade tardia. Rafael Sanzio, 1514

O Papado na Antiguidade tardia foi um período da história papal entre 313, em que inicia-se a Paz na Igreja até o pontificado de Simplício em 476, em que ocorre a queda do Império Romano do Ocidente.

O início desse período é usualmente tido quando na Antiguidade tardia em 313, o imperador Constantino concede liberdade para todas as religiões; Constantino em seguida passou a interferir em diversas questões eclesiásticas, originando o cesaropapismo, e uma relação de "difícil entrosamento entre Igreja e Estado",[1][2] que é uma característica singular desse período.

Uma das primeiras demonstrações de um poder estatal administrado pelos papas, também surgiu nessa época, embora fosse de caráter puramente diplomático, como "defensor dos necessitados e da população", como observado por exemplo, no confronto do Papa Leão I com Átila, imperador dos hunos,[3] em que Leão convence Átila a não invadir e saquear Roma.

O pontificado "mais significativo e importante da antiguidade cristã" foi o de São Leão I, o Grande, que lutou pela unidade e ortodoxia católicas.[4]

A organização conciliar e sinodal que havia sido vital no século III, também cresceu em importância nessa época – através dos concílios ecumênicos convocados pelos imperadores (por questões pragmáticas e também cesaropapistas), para proporcionar uma resolução definitiva para os litígios doutrinários na Igreja Católica. A tentativa de alguns concílios de independerem da autoridade papal, desafiá-la ou mesmo controlá-la, fez que o Papa Bonifácio I declarasse precocemente que o poder papal é superior ao conciliar e o último não pode julgá-lo.[5]

Nessa época também aprofundaram-se os conflitos entre a Igreja do Ocidente e Oriente. Em 330 a capital do Império Romano foi transferida para Constantinopla, dessa maneira rapidamente no Império Romano do Oriente o poder civil controlou a Igreja e o bispo de Constantinopla cresceu em importância, baseando seu poder no fato de ser bispo da capital e por ser um homem de confiança do Imperador,[6] no Ocidente por sua vez, o bispo de Roma pôde consolidar a influência e o poder que já possuía desde o cristianismo primitivo.[6] Em 380, o Édito de Tessalónica publicado pelo imperador Teodósio I, estabeleceu que a religião católica conforme ensinada pelo Papa Dâmaso I, como religião de estado exclusiva do Império.[7][8]

O fim do papado na Antiguidade tardia é colocado normalmente em 472, início da Idade Média, em que as tribos germânicas invadem e provocam o colapso do Império Romano do Ocidente, dessa maneira as províncias romanas se tornam uma série de pequenos reinos, administrados pelos visigodos, vândalos, francos e etc. A Itália por sua vez, foi dominada pelos ostrogodos, iniciando o período de interação entre os papas e os reis ostrogodos.[9]

História[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Cesaropapismo
Ícone retratando o Primeiro Concílio de Niceia

Em 313, o imperador Constantino I publica o Édito de Milão em que concedeu liberdade para todos os credos religiosos, iniciando-se a Paz na Igreja. Constantino convocou em 325 o Primeiro Concílio de Niceia, uma manifestação mínima da crença partilhada pelos bispos cristãos,[10] que condena o arianismo, e dogmatiza o trinitarismo, afirmando também em seu cânon sexto estar seguindo o "costume antigo" ao oficializar os poderes especiais de Roma, assim como os de Alexandria e Antioquia;[11] sendo que os papas foram grandes defensores da fé de Niceia. Embora o bispo de Roma da época, Silvestre I, tenha ocupado seu cargo em um momento crucial da história da Igreja Católica,[12] pouco se sabe sobre ele;[13] sendo que por razões desconhecidas ele não compareceu ao concílio, no entanto, seus legados tiveram um papel importante no mesmo.[14] Como maneira de fazer penitência,[nota 1] Constantino ordenou a construção de três basílicas em Roma, a Basílica de São João de Latrão, de São Pedro, de São Paulo Extramuros, e vários cemitérios sobre os túmulos dos mártires e as doou ao papado.[13][15] Constantino I e os próximos imperadores consideravam que era seu papel manter a adoração apropriada à Deus, e preservar a ortodoxia em seus domínios,[16] embora não decidissem sobre a doutrina - que era responsabilidade dos bispos,[16] mesmo assim essa atitude eclodiu uma série de conflitos teológicos entre os imperadores e os papas.[2] Devido à pressão e a influência dos imperadores, os papas deixaram de participar dos próximos sete concílios ecumênicos, apenas aprovando ou reprovando seus decretos posteriormente.

Em 343, no pontificado do Papa Júlio I, reuniu-se o Concílio de Sérdica (ou Sárdica), que oficializa o costume de os bispos apelarem ao papa caso surgem litígios, embora originalmente foi convocado com a pretensão de ser um concílico ecumênico, perdeu sua universalidade pela ausência de muitos bispos.[5] Posteriormente Constâncio II, filho de Constantino, converteu-se ao arianismo e tentou impor suas visões doutrinárias ao Papa Libério, Libério se recusou e foi exilado em Bereia e substituído pelo Antipapa Félix II, após a morte do imperador, o povo romano expulsou Félix e Libério retornou a Roma, anulou seus decretos e reiterou sua posição trinitária, impondo-lhe aos demais bispos ocidentais.[17]

Em seguida o Papa Dâmaso I depôs diversos bispos relacionados ao arianismo, afirmou o primado do papa como sucessor de Pedro,[1] reformou templos, túmulos e monumentos em Roma e converteu a nobreza da cidade.[18] Dâmaso ordenou que Jerónimo de Estridão traduzisse a Bíblia do Grego e Hebraico para o Latim, originando-se a Vulgata. Dâmaso também convocou o concílio regional de Roma, cujos cânones foram fundamentais para a fixação dos livros bíblicos no Ocidente.[19] Uma vez que em 330 a capital do império foi transferida para Constantinopla, o concílio homônimo realizado em 381, pela primeira vez decreta uma posição de significativa importância para o bispo desta cidade[20] (originalmente não foi um concílio ecumênico, mais apenas regional, motivo pelo qual os bispos ocidentais e o papa foram ignorados).

Em 385 o Papa Sirício em um decreto ao Bispo de Tarragona defende o celibato e a castidade.[5]

Entre 427 e 428,[21] Nestório se tornou Patriarca de Constantinopla e se opunha ao uso do termo Teótoco (em grego, Mãe de Deus) para se referir à Virgem Maria;[22] em contraposição, São Cirilo, patriarca de Alexandria defendia o uso do termo, ambos os patriarcas enviaram seus sermões ao Papa Celestino I, pedindo que decrete sua opinião,[21] Celestino decidiu a favor de Cirilo e o delegou a autoridade de caçar o episcopado de Nestório,[22] no entanto, o imperador Teodósio II que resistiu ao veredito papal conclamou um concílio ecumênico em 431, em Éfeso, Cirilo abriu o concílio como presidente e representante papal e efetivamente dogmatizou sua posição.

O Papa Leão I foi o pontífice mais notável desse período,[3] e teve uma participacão essencial nos conflitos cristológicos da Igreja, contra o monofisismo de Eutiques. Para resolver definitivamente esta questão, em 451, o Imperador Marciano convoca o Concílio de Calcedônia, que adota a carta de Leão I, Tomus I sobre o assunto como dogma.|[23] O mesmo sínodo também considera o Concílio de Constantinopla como ecumênico,[nota 2] e reforça em dois cânones os poderes do Bispo de Constantinopla;[28] o concílio justificou esta decisão com o fundamento de que "os Padres justamente concederam privilégios ao trono da Roma antiga, porque era a cidade real", e que o que o Primeiro Concílio de Constantinopla "movido pela mesma consideração, deu privilégios iguais ao mais santo trono da Nova Roma, justamente a julgar que a cidade está honrada com a soberania e o Senado, e goza de privilégios de igualdade com a antiga Roma imperial, em assuntos eclesiásticos, bem devendo nas matérias eclesiásticas magnificar-se como ela e alinhar-se depois dela (...)".[29][30] O Papa Leão I embora tenha reconhecido o concílio como ecumênico e confirmado seus decretos, rejeitou todos os cânones que concediam privilégios a Constantinopla, argumentando que o Bispo de Roma baseava sua autoridade no fato de ser o sucessor de São Pedro e não o bispo da capital imperial.[31]

Papas desse período[editar | editar código-fonte]

Embora as características do papado na Antiguidade tardia se desenvolveram com o tempo, o período de 313-476, é uma aproximação grosseira utilizada por estudiosos como provável data para caracterizar este período. Houve 15 papas nessa época.

Notas

  1. Constantino havia ordenado o assassinato de sua família por questões políticas.[10]
  2. O Concílio de Constantinopla é considerado ecumênico por Calcedônia, porque usa seu credo como uma continuação do Primeiro Concílio de Niceia (originando-se o Credo niceno-constantinopolitano). No entanto ele só foi reconhecido pelo Ocidente como ecumênico no século VI [24] pelo Papa Hormisda e mesmo assim a validade do terceiro cânone, que cria o patriarcado de Constantinopla não foi aceito.[25]

Referências

  1. a b Alves J. Os Santos de Cada Dia (10 edição). Editora Paulinas. Pág.: 296, 696, 736. ISBN 978-85-356-0648-5
  2. a b História Global Brasil e Geral. Pág.: 101, 130. Volume único. Gilberto Cotrim. ISBN 978-85-02-05256-7
  3. a b «States of the Church». Catholic Encyclopedia; New Advent. Consultado em 2 de fevereiro de 2011 
  4. «Catechism of the Catholic Church». Catholic Encyclopedia; New Advent. Consultado em 2 de agosto de 2008 
  5. a b c Denzinger, Henrici; Hünermann, Petrus. Enchiridion symbolorum, definitionum et declarationum de rebus fidei et morum (Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral). versão portuguesa brasileira em 2007. [S.l.]: Paulinas. pp. 88-89 (Denzinger-Hünermann [*233-235); 54-57 (Denzinger-Hünermann [*133-136); 74, 57 (Denzinger-Hünermann [*185). ISBN 978-85-15-03439-0. pág.: 55 (Se um bispo tiver sido julgado em determinada causa e achar que tem boas razões para pedir revisão do julgamento... honaremos a memória do Apóstolo Pedro: escreva-se... ao bispo de Roma) pág.: 88-89 (Pertence ao bem-aventurado apóstolo Pedro, com base na afirmação do Senhor, o cuidado, por ele assumido, da Igreja Universal, que segundo o testemunho do evangelho, sabia sobre si fundada. As disposições do Concílio de Niceia não testemunham outra coisa, a tal ponto que não ousou definir nada sobre ele, vendo que era impossível propor algo acima do seu mérito, pois sabia, afinal, que tudo lhe era concedido pela palavra do Senhor... Esteja longe dos sacerdotes do Senhor ... tornar-se ... rival de modo particular aquele junto o qual o nosso Cristo estabeleceu o ápice do sacerdócio; se alguém ousar ultrajá-lo, não poderá habitar o reino dos céus. "A ti", diz ele, "darei as chaves do reino dos ceus" [Mt 16:19], e neste ninguém entrará sem o favor do porteiro... Cujo julgamento não é lícito submeter a nova discussão...) 
  6. a b GAETA, Franco; VILLANI, Pasquale (1986). Corso di Storia. per le scuole medie superiori. 1 1 ed. Milão: Principato. 323 páginas 
  7. Theodosian Code XVI.i.2, Medieval Sourcebook: Banning of Other Religions by Paul Halsall, June 1997, Fordham University, retrieved 2007-09-04
  8. Wilken, Robert (2004). "Christianity". in Hitchcock, Susan Tyler; Esposito, John. Geography of Religion. National Geographic Society. Pág.: 286. ISBN 0-7922-7317-6.
  9. "Ostrogoths" in the 1913 Catholic Encyclopedia.
  10. a b Roma: Ascensão E Queda De Um Império (no original em inglês: Ancient Rome: The Rise and The Faal of An Empire). Episódio 5: Constantino. Apresentado pelo The History Channel. 2009.
  11. (Canon 6) “O costume antigo do Egito, da Líbia e Pentápole, segundo o qual o bispo de Alexandria tem autoridade sobre todos estes lugares, um costume semelhante existe em referência ao bispo de Roma. Do mesmo modo, em Antioquia e nas outras províncias, as igrejas devem preservar seus privilégios.
  12. Oxford Dictionary of the Christian Church (Oxford University Press 2005 ISBN 978-0-19-280290-3), article "Sylvester I, St"
  13. a b «Pope St. Sylvester I». Catholic Encyclopedia; New Advent. Consultado em 2 de agosto de 2008 
  14. «O Papa e os concílios». Site Montfort. Consultado em 23 de maio de 2010 
  15. Helen Dietz: "The Eschatological Dimension of Church Architecture". The Biblical Roots of Church Orientation. 2005
  16. a b Richards, Jeffrey. The Popes and the Papacy in the Early Middle Ages 476–752 (London: Routledge & Kegan Paul, 1979) pp. 14–15-16.
  17. «Pope Liberius». Catholic Encyclopedia; New Advent. Consultado em 24 de maio de 2010 
  18. Catholic Encyclopedia (1913)/Pope St. Damasus I
  19. Bruce, F. F. (1988). The Canon of Scripture. [S.l.]: Intervarsity Press. 225 páginas 
  20. Canon 3
  21. a b Chapman, John (1908). «St. Cyril of Alexandria». The Catholic Encyclopedia (em inglês). 4. Nova Iorque: Robert Appleton Company. Consultado em 24 de agosto de 2009 
  22. a b GIBBON, Edward. History of Decline and Fall of the Roman Empire (em inglês). 4. [S.l.: s.n.]  Capítulo 47, Parte 2
  23. Extract from the Acts of the Council
  24. L'idea di pentarchia nella cristianità
  25. «George C. Michalopulos, Canon 28 and Eastern Papalism: Cause or Effect?).». Consultado em 2 de fevereiro de 2011. Arquivado do original em 1 de julho de 2009 
  26. Canon 9 and Notes
  27. The Challenge of Our Past: Studies in Orthodox Canon Law and Church History, by John H. Erickson (St Vladimir's Seminary Press, 1991 ISBN 0881410861, 9780881410860), p. 97
  28. O cânone 9 declarava que os bispos e sacerdotes deviam recorrer ao Bispo de Constantinopla em caso de conflitos,[26] e o cânone 28 reconhece definitivamente o patriarcado de Constantinopla, definindo sua jurisdição sobre Ponto, Ásia Menor e a Trácia.[27] group=nota
  29. Canon 28
  30. Canon IX, Council of Chalcedon Seven Ecumenical Councils, Christian Classics Ethereal Library
  31. «O Papa e os concílios». Site Montfort. Consultado em 23 de maio de 2010