Peão (xadrez)

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O Peão no modelo Staunton.

O Peão é uma peça menor do xadrez ocidental. No início de uma partida, cada jogador tem oito peças que são dispostas nas fileiras 2 para as brancas e 7 para as pretas. O peão move-se verticalmente na coluna que encontra-se, sendo incapaz de recuar. No primeiro movimento, a partir do ponto de partida, pode avançar duas casas e, a partir daí, uma de cada vez.

Um peão pode capturar a peça imediatamente na fileira à frente na diagonal. Quando na quinta fileira, pode capturar en passant o peão adversário na coluna adjacente que avançar duas casas em seu primeiro movimento. Ao atingir a oitava linha transforma-se em qualquer outra peça, excluindo o rei, movimento chamado de coroação ou promoção; o peão será substituído imediatamente por outra peça que pelo cavalo, bispo, torre ou rainha e deverá ser removido do tabuleiro. Está presente inclusive em variantes do jogo, tendo servido de inspiração para algumas peças não-ortodoxas.

Originalmente, foram a infantaria na representação militar que o xadrez tinha porém, na Idade Média, foi interpretado nas moralidades como os camponeses e a possibilidade de promoção, uma metáfora para a possibilidade de ascensão social através de um caminho virtuoso (reto). São tomados como unidade de valor das peças de xadrez entretanto tornam-se mais valiosos a medida que a possibilidade de promoção aumenta, o que pode influir na estratégia adotada pelos jogadores, no qual o oponente do peão tentará bloqueá-lo ou capturá-lo a todo custo.

Origem e etimologia

Uma reconstrução moderna de hoplitas gregos na formação falange.

Uma das lendas que acompanham a criação do jogo conta que o brâmane Sissa criou o chaturanga, predecessor mais antigo do xadrez, a pedido do Rajá indiano Balhait. Sissa tomou por base as figuras do exército indiano, e incluiu a peça hoje conhecida Peão como forma representativa da infantaria e do papel que esta desempenhava nos exércitos durante a guerra.[1]

De acordo com relatos gregos, esta era a composição do exército indiano desde o século IV a.C. A palavra chaturanga que posteriormente nomeou a primeira versão do jogo tem o significado ligado às partes do exército no Ramáiana e no Mahābhārata no qual o exército é expressamente chamado de hasty-ashwa-ratha-padatam do qual padatam[nota 1] é a palavra em sânscrito para um soldado.[3]

No idioma persa a peça era denominada Piyada e no árabe Baidaq, ambas com o mesmo significado que em sânscrito. Na maioria dos países europeus a peça tem o nome ligado a infantaria, o que originalmente representava, sendo peon em espanhol, pedina em italiano, bauer em alemão e pawn em inglês.[4]

Arqueologia

Ver artigo principal: Arqueologia do xadrez
Desenhos dos conjuntos de peças de Lewis (esquerda) e peças de Carlos Magno (direita).

Os artefatos mais antigos encontrados são do conjunto de peças de Afrasiab, encontrados no Uzbequistão na década de 1970. Os peões são pequenas figuras de soldados ajoelhados, apoiados em um joelho, segurando espada e escudo como se estivessem prontos para combate.[5]

Desenhos mais simples e estilizados foram desenvolvidos pelos muçulmanos seguindo a proibição do islamismo de representar figuras vivas. Os peões são as menores peças, seguindo a importância das patentes militares, e com formato de abóbada. No conjunto das peças de Ager, o Peão é um pequeno bloco cilíndrico.[6]

Os artefatos das Peças de Lewis possuem 19 peões estilizados com formas e tamanhos variados parecidos com lápides ou obeliscos. A maioria possui uma base hexagonal e duas peças possuem ornamentos gravados.[7][8] O único peão remanescente do conjunto Peças de Carlos Magno é representando por um pequeno soldado com escudo e elmo similares aos nórdicos do século XI o que desfez o mito de que o conjunto teria realmente pertencido ao imperador carolíngio que viveu no século VIII.[9]

A partir do século XV o xadrez se expandiu pela Europa e Rússia. Os peões continuaram sendo representados de forma estilizada com um formato semelhante entre si similar aos das Peças de Staunton. Houve algumas exceções como conjuntos confeccionados em Augsburgo que representaram os peões conforme os ofícios indicados na moralidade Liber de Moribus Hominum et Officiis Nobilium Sive Super Ludo Scacchorum escrita por Jacobus de Cessolis no século XIII.[10] Os ofícios são, a partir da coluna a: lavrador, ferreiro, alfaiate, mercador, médico, taverneiro, guarda e mensageiro.[11]

Movimento e valor relativo

abcdefgh
8
g5 preto peão
c4 black circle
f4 black cross
g4 black circle
h4 black cross
b3 black cross
c3 black circle
d3 black cross
c2 branco peão
8
77
66
55
44
33
22
11
abcdefgh
As casas assinaladas indicam onde o movimento é permitido.[12]

Na posição inicial das peças sobre o tabuleiro, cada jogador tem a sua disposição oito peões, posicionados na segunda fileira para as brancas, e sobre a sétima fileira para as pretas. Seu movimento consiste no avanço para a casa desocupada imediatamente a sua frente na mesma coluna ou no primeiro movimento opcionalmente por duas casas na mesma coluna desde que ambas as casas estejam desocupadas. Tal avanço foi introduzido na Europa durante a Idade Média porém só foi uniformizado com o estabelecimento das regras no final do século XV. Na Espanha e Alemanha, tal avanço somente era permitido se não tivesse havido captura de peças e na Alemanha ainda era restrito aos peões das torres, Dama e Rei.[12][13]

Captura ao tomar o lugar ocupada pela peça oponente que está na direção diagonal na fileira imediatamente à sua frente, tomando o lugar da peça. Se um peão atacar a casa pelo qual um peão oponente passa ao ter avançado duas casas em seu primeiro movimento, o peão atacante pode capturar o adversário, ocupando assim a casa pelo qual o peão adversário passou sobre. Esta captura característica denomina-se en passant e é permitida somente no movimento seguinte ao avanço do peão adversário.[12]

O movimento en passant foi introduzido por volta do século XV tendo sido descrito por Lucena em Repetición de Amores y Arte de Ajedrez (1497) porém só foi uniformizado por volta do século XVIII quando os italianos abandonaram o passar bataglia.[14][15] Conforme estabelece a FIDE, não é necessário designar uma letra específica para o peão nas notações algébricas de xadrez, que devem ser utilizadas em torneios oficiais. Em periódicos e na literatura, recomenda-se a utilização de figuras ou diagramas ( e )[16]

Usualmente, o valor relativo do Peão é atribuído arbitrariamente como um ponto embora os peões centrais sejam mais valiosos. Entretanto nos finais o valor pode ser superior na medida que estes avançam e existe a possibilidade de serem promovidos.[17] O valor do peão pode variar conforme a estrutura de peões existente. Peões dobrados valem 0,75 pontos caso seja possível desfazer tal fraqueza e 0,5 pontos caso não seja possível.[18]

Captura en passant

Ver artigo principal: En passant
Exemplo de captura en passant

Se um peão estiver na quinta fileira e um peão adversário de uma coluna adjacente mover duas casas em seu primeiro lance, é possível realizar a captura como se o peão adversário tivesse movido apenas uma casa. Este movimento é en passant e só pode ser realizado na jogada seguinte à que o peão adversário moveu duas casas.[19]

É o único movimento onde a peça que captura não ocupa a casa do tabuleiro da peça capturada.[20] Na notação algébrica de xadrez e notação descritiva de xadrez o movimento pode ser sinalizado por "e.p.", embora não seja obrigatório.[21] Neste caso, deve ser anotado como se o peão capturado tivesse avançado somente uma casa.[22] Caso a captura en passant seja o único movimento legal disponível, o jogador é obrigado a realizar o movimento ou abandonar a partida. O movimento também é obrigatório caso seja o único movimento que permite ao jogador sair da situação de xeque.[23]

Promoção

Ver artigo principal: Promoção (xadrez)
Coroação do peão

O peão tem a possibilidade de se tornar-se torre, cavalo, bispo ou rainha, uma vez que alcançou a última fileira, ou seja, em qualquer peça da mesma cor exceto peão ou rei. Isso é chamado de promoção, e representa um tema importante a considerar em táticas e estratégias.[24]A medida que o peão avança, seu valor relativo aumenta e deve-se evitar que o peão seja bloqueado pelas peças adversárias, que irão mobilizar esforços para impedir seu avanço.[25]

A ação da peça promovida é imediata, ou seja, se o rei adversário está na última fileira e ao coroar é solicitado uma dama ou torre, o rei adversário está automaticamente em xeque. Na maioria dos casos, os jogadores preferem promover o peão com uma dama, porque esta é a peça de maior valor relativo, porém é possível que a promoção a dama seja um inconveniente por, por exemplo, provocar um empate por afogamento é preferível a de uma torre, cavalo ou bispo, que também é chamada de "subpromoção".[24][26]

As regras de promoção variaram ao longo do tempo e só foram uniformizadas por volta do século XVIII. Inicialmente, a igreja católica se opôs a presença de duas rainhas no tabuleiro o que contrariava a doutrina monogâmica da igreja. Como consequência, o peão só podia ser promovido se a dama já tivesse sido capturada. Em alguns lugares como a França, por um breve período de tempo, o peão só poderia ser promovido por uma peça que já tivesse sido capturada e, caso nenhuma estivesse disponível, deveria permanecer como peão na última fileira até uma captura de uma peça de sua cor fosse realizada.[27][28]

Estratégia

O posicionamento dos peões é um elemento chave na estratégia do xadrez devido a sua baixa mobilidade que cria fraquezas permanentes na cadeia de peões. São utilizados para controlar casas importantes do tabuleiro ou impedir o avanço de peões adversários. Quando tem o caminho desobstruído, o avanço do peão no tabuleiro aumenta a probabilidade de promoção a Dama o que pode influenciar na estratégia a ser adotada a medida que o oponente desloca suas peças para bloquear o peão. Em contrapartida, o avanço do peão também enfraquece as próprias defesas pela impossibilidade do peão recuar e defender tais posições.[29]

O peão também pode ser sacrificado para ativar outras peças do tabuleiro ou para que o jogador ganhe tempo no desenvolvimentos das peças. Quando sacrifício é realizado na fase de abertura, esta é denominada Gambito. A teoria moderna preconiza que a maioria de peões em uma das alas é uma vantagem significativa porém outros aspectos como a mobilidade do próprio rei e outras peças ativas no tabuleiro podem influenciar na vantagem numérica dos peões. Em teoria, uma maioria de pões pode se converter em um peão passado na fase final da partida que pode ser decisiva para a conclusão da partida. A base, isto é o peão mais atrasado e conectado na cadeia de peões, é o ponto mais vulnerável a ataques pois não é defendido por outro peão sendo normalmente atacado para enfraquecer a estrutura dos peões. A criação de ilhas de peões ou peões isolados deve ser evitada sempre que possível. Peões dobrados ou isolados também podem ser considerados vulneráveis porém dependem da possibilidade do adversário capturá-los para caracterizar com uma fraqueza.[29]

Originalmente, a teoria do xadrez preconizava a ocupação do centro do tabuleiro como uma vantagem espacial a ser desenvolvida durante a partida. Todavia, a escola hipermoderna desenvolvida no início do século XX alterou esta visão, ao criar possibilidades de atacar a à distância o centro do tabuleiro.[29]

A figura do peão em outras variantes

À esquerda, vê-se um fuhyō (soldado à pé), figura japonesa do Shogi; ao meio, a figura dos peões vermelho e preto no Xiangqi; por fim, à direta, uma representação do peão berolina, uma peça de xadrez feérica.

Existem diversas peças não-ortodoxas de xadrez baseadas no peão. Com movimento similar ao do peão, consta o superpeão que pode avançar pelo número de casas disponíveis à frente e captura na diagonal de modo à frente de modo similar ao bispo. O peão berolina possui o movimento invertido, isto é, avança na diagonal e captura a peça à sua frente na mesma coluna.[30]

Algumas variantes que exploram a impossibilidade de promover o peão se nenhuma peça tiver sido capturada, denominam este como "peão latente". O peão que não possui movimento é denominado "peão imóvel" e tem como serventia permitir ao jogador perder a vez de jogar, evitando o zugzwang.[30]

No Xiangqi, a variante chinesa do xadrez, o peão pode se mover para frente e os lados (quando já atravessou parte do tabuleiro) capturando também desta forma. No Shogi, variante japonesa, move somente para frente, capturando caso a casa estiver ocupada por uma peça adversária e quando promovido retorna a posição inicial com a patente "ouro" e movimento similar ao general. No xadrez Avalanche, o jogador pode mover um peão adversário na sua vez de jogar além de mover sua própria peça.[31][32]

Galeria de imagens

Ver também

Notas

  1. A The London Encyclopaedia de 1839 menciona a palavra Padati com o mesmo significado.[2]

Referências

  1. Lasker 1999, pp. 29-30.
  2. The London Encyclopaedia, Or, Universal Dictionary of Science, Art, Literature, and Practical Mechanics (em inglês). Londres: [s.n.] 1839. pp. 572–573. ISBN 978-1-143-30161-2. Consultado em 16 de abril de 2010 
  3. Murray 1913, pp. 43-44.
  4. Willians 2000, pp. 26-27.
  5. Willians 2000, pp. 15-17.
  6. Calvo, Ricardo (2001). «The Oldest Chess Pieces in Europe» (em inglês). Consultado em 10 de agosto de 2010. Cópia arquivada em 10 de janeiro de 2006 
  7. Murray 1913, p. 759.
  8. Hooper & Whyld 1992, p. 225.
  9. Yalom 2004, p. 32.
  10. Willians 2000, pp. 38-76.
  11. Shenk 2006, p. 64.
  12. a b c «Laws of Chess» (em inglês). Consultado em 19 de janeiro de 2010 
  13. Murray 1913, pp. 457-465.
  14. Hooper & Whyld 1992, p. 124.
  15. Golombeck (1976), p.82
  16. «Appendix:Laws of Chess» (em inglês). Consultado em 19 de janeiro de 2010 
  17. Burgess 2000, p. 491.
  18. Berliner 1999, pp. 18–20.
  19. «FIDE rules (En Passant is rule 3.7, part d)» (em inglês). Consultado em 1 de abril de 2015 
  20. Burgess 2000, p. 463.
  21. Hooper & Whyld 1992, pp. 124-125.
  22. Golombek 1977, p. 216.
  23. Harkness, Kenneth (1967). Official Chess Handbook. [S.l.]: McKay. 49 páginas. ISBN 1-114-15703-1 
  24. a b Hooper & Whyld 1992, pp. 323-324.
  25. Seirawan 2003, p. 104.
  26. Golombek 1977, p. 175.
  27. Yalom 2004, pp. 15-18.
  28. Sunnucks 1976, p. 357.
  29. a b c Seirawan 2003, pp. 99-100, 106-107, 109-111, 113-114.
  30. a b Dickins 1971, p. 12.
  31. Pritchard 2000, pp. 74, 110, 131.
  32. «Shogi pieces - rules» (em inglês). Consultado em 2 de abril de 2015 

Bibliografia

  • Berliner, Hans (1999). The System: A World Champion's Approach to chess. [S.l.]: Gambit Publications. ISBN 1-901983-10-2 
  • Burgess, Graham (2000). The Mammoth Book of Chess 2nd ed. [S.l.]: Carroll & Graf. ISBN 978-0-7867-0725-6 
  • Dickins, Anthony Stewart Mackay (1971). A guide to fairy chess (em inglês) 1ª ed. Nova Iorque: Doven. ISBN 0486226875 
  • Golombek, Harry (1976). A History of Chess (em inglês) 1ª ed. Oxford: Routledge & Kegam Paul. ISBN 0710082665 
  • Seirawan, Yasser; Silman, Jeremy (2003). Xadrez Vitorioso: Estratégias 1ª ed. São Paulo: Artmed. ISBN 9788536306513 
  • Sunnucks, Anne (1976). The Encyclopaedia of Chess (em inglês) 2ª ed. Inglaterra: St Martin Press. ISBN 0-7091-4697-3 
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  • Yalom, Marilyn (2004). The Birth of the Chess Queen (em inglês) 1ª ed. Inglaterra: HarperCollins. ISBN 978-0060090647