Processo judicial

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Processo, em direito, é uma forma sistemática de proceder necessária ao válido exercício do poder.

Etimologicamente, tem o sentido de marcha para frente, avanço, progresso ou desenvolvimento.

O processo no direito é necessariamente formal porque suas formas atuam como garantia de imparcialidade, legalidade e isonomia na consecução das atribuições do Estado. A formalidade do processo também atua como barreira à busca de interesses individuais e à prática de arbitrariedades por aqueles que estão no Poder.

O Estado utiliza o processo em todos as suas atividades, em quaisquer dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, para a consecução de fins variados.

Processo judicial

A acepção mais conhecida de processo é o processo judicial, que são os instrumentos postos à disposição do Poder Judiciário para o exercício de suas funções típicas. O processo judicial é o instrumento pelo qual se opera a jurisdição, cujos objetivos são eliminar conflitos e fazer justiça por meio da aplicação da Lei ao caso concreto.

Pode ser entendido, portanto, como o instrumento, criado e regulamentado pelo direito, para exercício de uma das funções próprias do Estado, no caso a jurisdicional. A Constituição Federal é a fonte responsável por esboçar seu modelo fundamental, cabendo à legislação ordinária a sua regulamentação.

É comum a confusão entre processo, procedimento e autos. O procedimento é a sequência formal de atos consistente no desenvolvimento do processo. Em um processo pode haver mais de um procedimento. Os autos são o conjunto de documentos que se ordenam cronologicamente para materializar os atos do procedimento. O processo, por sua vez, se caracteriza pela sua finalidade, qual seja, a jurisdição; é o “instrumento para o legítimo exercício de poder” [1].

Por intermédio do processo o direito estabelece uma relação de cooperação entre as partes para a consecução de um objetivo comum (solução da controvérsia), segundo a qual as partes estão interligadas por uma série de direitos, faculdades, obrigações, sujeições e ônus. São pressupostos gerais para a constituição da relação processual (i) uma demanda regularmente formulada, (ii) capacidade de quem a formula, e (iii) presença de um juiz devidamente investido de poderes pelo Estado . Se presentes tais pressupostos, a relação processual será devidamente instaurada, independentemente da validade do direito substancial em questão. Isto caracteriza a autonomia da relação processual em relação ao direito material controvertido [2].

A fonte primeira das normas e princípios do processo judicial é a Constituição Federal, que prevê regras sobre (i) criação, organização e funcionamento do Poder Judiciário, (ii) direitos e garantias dos sujeitos em processo judicial, (iii) iinstrumentos processuais específicos, e (iv) princípios específicos à relação processual.

O maior acervo de normas processuais ordinárias são o Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal, a Consolidação das Leis de Trabalho, o Código de Processo Penal Militar e a Lei dos Juizados Especiais, mas elas podem ser encontradas também em leis extravagantes, constituições estaduais e tratados internacionais.

Também são fontes do processo, desde que não confrontem o conteúdo das Leis, os usos, costumes e o negócio jurídico. Além do processo tradicional, materializado em papel e sem acompanhamento informatizado, existe o Processo eletrônico, que vem sendo regulamentado, também, por leis específicas.

Em casos excepcionais, chamados de jurisdição voluntária, o processo judicial existe sem que ocorra litígio.

Natureza jurídica do processo judicial

Em 1868, Oskar Von Bülow racionalizou e desenvolveu a noção de processo enquanto relação jurídica processual e procedimento, consolidando a autonomia do direito processual em face ao direito material e o conceito de relação jurídica processual, assim reconhecida como uma relação com sujeitos, objeto e pressupostos próprios[3].

Os sujeitos dessa relação são o juiz, o autor e o réu, ao passo que seu objeto é o próprio serviço jurisdicional que o Estado tem o dever de prestar. Bülow também trata dos pressupostos processuais, que são requisitos para a constituição de uma relação processual valida: (i) uma demanda regularmente formulada, ou seja, a correta propositura da ação; (ii) capacidade postulatória de quem a formula e (iii) investidura de seu destinatário, ou seja, uma demanda feita perante uma autoridade jurisdicional.

Sujeitos da Relação Processual

São três os principais sujeitos do processo: o juiz, o autor e o réu.

O juiz compõe a relação processual como representante do Estado, gerindo a relação processual entre as partes de maneira imparcial e com a função de solucionar a lide e gerar pacificação social. Assim sendo, o juiz deverá ser um terceiro que não possua nenhum interesse no conflito, que conduza o processo segundo as regras e princípios estabelecidos pela ordem jurídica e que permita às partes participarem amplamente e igualmente para a solução da controvérsia.

Autor e réu são sujeitos contrapostos na relação processual e que terão sua esfera de direitos atingida pelo resultado alcançado ao final do processo. O autor é quem dá início à relação processual e o réu é aquele contra quem o processo é promovido. Suas posições no processo são guiadas por ao menos três princípios básicos: (i) necessidade de haver ao menos duas partes envolvidas em posições contrárias na relação processual; (ii) igualdade de tratamento processual entre as partes; e (iii) contraditório, que garante às partes ciência e possibilidade de atuar no processo em defesa de seus interesses [4].

É possível haver mais de uma pessoa em um ou em cada lado da relação jurídica processual, hipóses denominada de litisconsórcio. Há o litisconsórcio necessário, caso em que sua existência é essencial para a validade e eficácia do processo e sentença. Há também o litisconsócio unitário, segundo o qual os litisconsortes devem receber exatamente o mesmo tratamento no processo e sentença.

É possível também a participação de terceiros na relação processual para substituir ou para acrescentar a alguma das partes.

Salvo em casos específicos como os exemplos da justiça trabalhista e da impetração de habeas corpus, o advogado é essencial à relação processual. É, em verdade, obrigatório às partes estarem devidamente representadas por um advogado. Esta função pode ser exercida pela Defensoria Público e pelo Ministério Público.

Perspectiva metodológica

De fato houve evolução na metodologia de estudo do processo, partindo do sincretismo, passando pela fase autonomista e chegando na instrumentalidade.

Na fase sincretista do processo ele era considerado como mero apêndice do direito material. A ação era vista como o próprio direito subjetivo material, do qual decorreria o direito de obter em juízo a reparação da lesão sofrida[5].

Na fase autonomista o processo ganha independência em relação ao direito material, tornando-se objeto autônomo de estudo.

Essa fase metodológica surge de uma forte crítica ao sincretismo perpetrada principalmente por doutrinadores como Bernardo Windcsheid, Teodoro Murther,Oskar Von Bulow, Adolf Wach e James Goldschmit, que especulam sobre a natureza jurídica da ação e acerca da própria natureza jurídica do processo[6]. Esta fase é conhecida como autonomista ou conceitual, em que o processo passa a ser concebido como ciência, com princípios, conceitos, institutos e métodos próprios. Neste momento houve grande avanço no seu desenvolvimento e foram delineados os seus institutos fundamentais, tais como jurisdição e ação.

O desenvolvimento da ciência processual leva também a um questionamento crítico acerca do uso da forma e do afastamento do processo de sua finalidade maior, que é a realização dos escopos jurídicos, políticos e sociais da jurisdição[7]. Identifica-se, portanto, uma terceira fase metodológica do processo, conhecida como instrumentalista. O direito processual é reconhecido por sua autonomia, o que não o exime de cumprir com seu propósito de realização da justiça no caso concreto e justa composição da lide. 

Na fase instrumentalista houve uma ruptura com o formalismo na interpretação do processo, que passa a ser compreendido como instrumento para a consecução de determinados fins, que são a satisfação do direito material e consequente pacificação social.

As discussões e perspectivas acerca da função do processo na sociedade também remetem à identificação, na Constituição Federal, de direitos e garantias processuais, isto é, elementos processuais constitucionais.

O papel assumido pela Constituição Brasileira de 1988 foi decisivo para a construção do que certos autores denominam de "neoprocessualismo", que consiste em uma visão acerca do processo que reconhece que da lei constitucional deve partir o exercício de interpretação e de argumentação jurídicas. Por contemplar amplos direitos e garantias fundamentais, os fundamentos materiais e processuais tornaram-se constitucionais, fenômeno chamado de constitucionalização dos direitos infraconstitucionais[8].

Carlos Alberto de Salles propõe ainda mais uma perspectiva metodológica na interpretação do processo, a instrumentalidade metodológica. Sua nova perspectiva busca radicalizar, mas não romper, com a instrumentalidade acima descrita (classificada por ele como instrumentalidade finalista) de modo a adequar o processo não somente ao direito material, mas também à realidade social na qual está inserido. Isto porque há uma diversidade de situações da realidade fática que não encontram correspondência plena com o direito material [9].

Classificações do processo judicial

O processo judicial pode ser dividido em processo de conhecimento, processo cautelar e processo de execução.

O processo de conhecimento é aquele no qual o juízo é provocado para processar e julgar determinada pretensão. O processo de conhecimento é subclassificado em (i) declaratório, no qual busca-se apenas ver declarada a existência ou inexistência de relação jurídica; (ii) condenatório, no qual busca-se a declaração da existência de relação jurídica e punição do réu; e (iii) constitutivo, no qual a sentença constitui e modifica uma relação jurídica substancial.

O processo cautelar busca garantir, em casos excepcionais nos quais há comprovada urgência, a eficácia dos processos de conhecimento ou de execução. Por isso, ele é auxiliar, subsidiário, instrumental e provisório. Dependendo do caso, ele pode ser requerido anteriormente ou incidentalmente ao processo de conhecimento.

O processo de execução consiste na realização de providências judiciais para dar cumprimento a título executivo extrajudicial que reconheça a existência de obrigação a ser cumprida. O cumprimento de obrigação determinada em sentença judicial não é promovido por meio de processo de execução, mas sim no próprio processo no qual ela foi proferida.

Processo legislativo

No Poder Legislativo, o processo legislativo é "um conjunto de atos preordenados visando à criação de normas de direito. Esses atos são a) iniciativa legislativa; b) emendas; c) votação; d) sanção e veto; e) promulgação e publicação."[10] É, portanto, é o conjunto de atos e decisões necessários para a elaboração das leis em geral, definidas pela constituição de um país, especificados conforme o nível de competência normativa.


Processo administrativo

No Poder Executivo, o processo administrativo é "a sequência de atividades da Administração, interligadas entre si, que visa a alcançar determinado efeito final previsto em lei" [11]. Trata-se do modo como a Administração Pública toma suas decisões, seja por iniciativa de um particular, seja por iniciativa própria. A Lei que trata das diretrizes gerais do processo administrativo é a Lei n.º 9.784 de 1999, a qual se aplica a todos entes da Administração Pública Direta e Indireta federais. Além disso, o STJ tem reconhecido a aplicação desta lei federal para entes estaduais e municipais que ainda não aprovaram leis próprias.

A Lei nº 9.784, de 29 de Janeiro de 1999 regula o processo administrativo no âmbito da Administração pública Federal.

O processo administrativo, como espécie do gênero processo de direito, é um conjunto de atos administrativos, sucessivos e concatenados, praticados pela Administração Pública com o objetivo de satisfazer determinadas finalidades de interesse público. Suas disposições têm aplicabilidade obrigatória apenas sobre a Administração Pública direta e indireta, incluindo os 3 poderes da união, restando os demais entes da federação como coralário fora de sua abrangência. São órgãos todas as unidades de atuação desprovidas de personalidade jurídica, integrantes de estrutura organizacional da Administração Pública direta e indireta. Quando direta pertencem à estrutura do Estado, caso pertençam a Administração indireta encontra-se dentro das estruturas das autarquias, associações públicas, empresas públicas e sociedade de economia mista. Entidades são todas as unidades personalizadas precisamente por serem pessoas jurídicas, como as autarquias, associações públicas, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e, evidentemente, o próprio Estado. As entidades são sujeitos de direitos e obrigações diferentemente dos órgãos.

Ver também

Bibliografia

  • CHIOVENDA, La Condanna nelle Spese Giudiziali, Roma, 1900
  • CHIOVENDA, Istituzioni di diritto processuale civile, Jovene, 1930
  • CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2008.
  • FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 2001.
  • LEAL, Rosemiro Pereira (coordenação), Coisa julgada: de Chiovenda a Fazzalari, Del Rey, 2007.
  • LUNARDI, Soraya Gasparetto. Processo. In Dicionário brasileiro de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 302-303.
  • NOHARA / MARRARA. Processo administrativo. Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009.
  • NUNES, [[Elpídio Donizetti. Curso didático de Direito Processual Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
  • Pontes de Miranda|PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol I, Forense, 1973
  • SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em contratos administrativos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011

Referências

  1. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pg. 296
  2. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pg. 296
  3. BULOW, Oskar von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. (trad. para o espanhol). Buenos Aires, 1964 ed. [S.l.: s.n.] 
  4. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pg. 296
  5. GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Malheiros, 2014, 30ª edição ed. [S.l.: s.n.] 
  6. GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Malheiros, 2014, 30ª edição ed. [S.l.: s.n.] 
  7. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2009, 14ª Edição. ed. [S.l.: s.n.] 
  8. «CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo; Panóptica, ano 1, n. 6». Consultado em 5 nov. 2014 
  9. SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em contratos administrativos. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, pgs. 13 a 27
  10. José Afonso da Silva, "Curso de direito constitucional positivo", São Paulo: Malheiros.
  11. José dos Santos Carvalho Filho, "Manual de Direito Administrativo", Rio de Janeiro: Lumen Juris

Ligações externas