Livro de São Cipriano

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Livro de São Cipriano

Uma das edições portuguesas do Livro de São Cipriano do final do século XIX
Idioma português
Gênero Religião

O Livro de São Cipriano refere-se a diferentes grimórios do século XVII, XVIII e XIX, todos pseudepigraficamente atribuídos a São Cipriano de Antioquia (que não deve ser confundido com o São Cipriano, bispo de Cartago). De acordo com a lenda popular, São Cipriano teria sido um feiticeiro que se converteu ao cristianismo.[1][2][3]

A primeira edição conhecida em português data de 1846,[4] contendo diversos rituais de ocultismo e exorcismo, supostamente magias e "simpatias" (conjurações populares), com múltiplas finalidades, inclusive para o cotidiano.[5]

No Brasil, apesar de ser frequentemente associado às religiões afro-brasileiras, nada tem a ver com nenhuma delas, já que é herança popularizada na Europa do século XIX. Publicado no Brasil de maneira indiscriminada por vários editores, tornou- se um "almanaque ocultista" de fácil acesso que se diluiu na crendice popular.[6]

A lenda de São Cipriano[editar | editar código-fonte]

A localização da Anatólia no sudeste da Europa, onde ficava Antioquia, cidade natal de Cipriano

A lenda de Cipriano, tido como autor do livro, também conhecido como Cipriano de Antioquia, confunde-se com Cipriano de Cartago, santificado pela Igreja Católica. Apesar do abismo histórico que os afasta, as lendas combinam-se, e os Exorcistas de Cartago e os de Antioquia, muitas vezes, tornam-se um só na cultura popular. É comum encontrarmos fatos e características pessoais atribuídas equivocadamente. Além dos mesmos nomes, os mártires coexistiram, mas em regiões distintas.[6]

Cipriano, o feiticeiro, é celebrado no dia 02 de outubro. Foi um homem que dedicou boa parte de sua vida ao estudo das ciências ocultas. Após deparar-se com a jovem Justina, com quem se casou, converteu-se ao Catolicismo.[6]

Edições na península ibérica[editar | editar código-fonte]

O Cipriano ibérico não é um texto único, mas sim vários textos em espanhol e português, principalmente do século XIX.[7][3][8] Havia, no entanto, uma literatura cipriânica pré-moderna agora perdida, sem conexão aparente com qualquer obra existente além de ser inspirada pela lenda cipriânica.[8][1][3]

O Cipriano Português[editar | editar código-fonte]

A versão em português do Livro de Cipriano geralmente traz prefixos como "Grande e Verdadeiro", "O Único Completo" ou "Autêntico",[8] e normalmente tem como subtítulo "O Tesouro do Feiticeiro".[9] O conteúdo é aparentemente católico, embora profundamente enraizado em bruxaria,[10] e é popular (principalmente no Brasil) entre os praticantes de Quimbanda,[11] Umbanda, e Candomblé.[8] O Tesouro do Feiticeiro contém muito pouca evocação,[8] ao invés disso, baseia-se em tradições orais relacionadas a adivinhação, feitiços de cura, orações[9] (incluindo alguns para o anjo da guarda), exorcismos, feitiço de amor, os locais de tesouro enterrado em toda Galiza, e às vezes até tratados sobre magnetismo animal - tudo definido dentro de uma estrutura do catolicismo popular.[8] A maioria das edições começa com a lenda de São Cipriano e geralmente contém seções sobre alquimia, astrologia, cartomancia , conjuração de demônios, adivinhação, exorcismos, fantasmas, tesouros escondidos, magia do amor, magia da sorte, presságios, oniromancia, quiromancia e orações.[12] Algumas edições também contêm histórias de sucesso de um camponês francês chamado Victor Siderol, que supostamente descobriu tesouros escondidos graças ao livro.[12][3] As formas brasileiras do Tesouro do Feiticeiro variam drasticamente, embora as edições portuguesas sejam bastante estáveis (ao menos em comparação).[9]

A página de título de uma edição espanhola

A edição mais representativa é a edição da Livraria Económica,[3] que afirma ter comprado os direitos de tradução do livro pertencente a D. Gumerzindo Ruiz Castillejo y Moreno, proprietário da "Biblioteca Academica Peninsular Catalã". Segundo Leitão, a literatura cipriânica portuguesa representa uma combinação de crenças mágicas ibéricas e religião tradicional africana. O foco da Inquisição portuguesa no cripto-judaísmo (ao invés da bruxaria) tornou mais fácil para os praticantes de magia cristianizarem a magia ibérica tradicional e as crenças religiosas africanas importadas. A Inquisição involuntariamente ajudou nisso, tratando as práticas e crenças religiosas tradicionais africanas como formas desviantes do catolicismo, e não como algo fora da religião. Muitas dessas práticas teriam influenciado posteriormente a literatura cipriânica portuguesa.[13] Leitão afirma ainda que a literatura cipriânica portuguesa se desenvolveu em três fases:

  • o desenvolvimento de diversas tradições orais relativas a São Cipriano;[14]
  • a coleção das tradições orais em um Livro "padrão" de Cipriano, que por sua vez deu origem a outras tradições orais sobre o próprio livro;[15]
  • o livro padronizado sendo reorganizado, expandido e redigido com o advento da imprensa e do sincretismo sul-americano.[16]

O Cipriano Espanhol[editar | editar código-fonte]

A maioria das versões em espanhol, que teria sido escrito por um Jonas Sulfurino, são semelhantes (embora distintas de) A Chave de Salomão,[17] e são tipicamente uma repetição do Grande Grimório.[8] A versão mais completa e popular, intitulada Libro Infernal, combina elementos do Grande Grimório, a Chave de Salomão e o Grand et Petit Albert. O Libro Infernal também foi traduzido para o italiano em 1920 por seu editor original.[17]

A obra cipriânica mais antiga existente data de 1810 e afirma ter sido traduzida do latim. É intitulado "Heptameron ou elementos mágicos", mas apesar deste título tem pouca semelhança com o suposto grimório de Pietro d'Abano ou qualquer outro livro de feitiços europeu. Mais tarde, uma edição do Grande Grimório foi anexada a um livro sobre a Inquisição galega, alegado ser "o Ciprianillo". Em seguida, veio outra edição do Grande Grimório, que acrescentou o suposto monge copista Jonás Sufurino à lenda. Edições posteriores adicionaram material sobre magnetismo animal, cartomancia, hipnotismo, espiritualismo e a Franga Preta.[3]

Referências

  1. a b Leitão, p. xxix-xxxiii.
  2. Skinner, p. 13-15.
  3. a b c d e f Castro.
  4. Cited in the magazine O Archeologo Português, Vol. XXIII. Lisboa, Imprensa Nacional, 1918. p.223.
  5. Religiosidade Popular
  6. a b c «São Cipriano». Site Spectrum. Consultado em 23 de abril de 2017 
  7. Leitão, p. xxiv-xxxv.
  8. a b c d e f g Skinner, p. 15-16.
  9. a b c Leitão, p. xxviii.
  10. Leitão, p. xvii.
  11. Leitão, p. xxv.
  12. a b Leitão, p. v-ix.
  13. Leitão, pp. xviii-xxiii.
  14. Leitão, p. xxix-xxxi.
  15. Leitão, p. xxxii.
  16. Leitão, p. xxxii-xxxiii.
  17. a b Leitão, p. xxvi-xxviii.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]