Sapatos Pretos

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Sapatos Pretos
Chaussures Noires
Portugal Portugal  França
1998 •  cor •  97 min 
Género thriller erótico
Direção João Canijo
Produção Paulo Branco
Produção executiva Joaquim Carvalho
Roteiro João Canijo
Pierre Hodgson
Elenco Ana Bustorff
Vítor Norte
João Reis
Música Alexandre Soares
Cinematografia Mário Castanheira
Direção de arte Carla Figueiredo
Figurino Carla Figueiredo
Edição Rodolfo Wedeles
Lançamento Portugal 10 de abril de 1998
França 30 de setembro de 1998
Idioma português

Sapatos Pretos é um filme luso-francês de género thriller erótico de 1998, realizado por João Canijo a partir de um argumento de Canijo e Pierre Hodgson. A longa-metragem foi produzida por Paulo Branco.[1] Livremente inspirada num caso real, a narrativa é protagonizada por Ana Bustorff, no papel de Dalila, uma mulher em tentativa de escape do marido violento e da sua mãe chantagista, cujo desejo de libertação a leva a estabelecer uma relação perversa com Pompeu (interpretado por João Reis).[2]

Sapatos Pretos foi distribuído comercialmente em Portugal e França, onde estreou nas salas de cinema a 10 de abril e 30 de setembro de 1998, respetivamente.[3] O filme fez bastante sucesso em Portugal, tendo sido o 21º com mais público, no período 1980-2001.

Sinopse[editar | editar código-fonte]

Dalila é uma mulher casada e com um filho que não quer, de modo algum, envelhecer. Gere uma ourivesaria numa pequena vila com o seu marido, Marcolino, um homem violento e impulsivo. Em atos inconscientes, o homem gasta todo o seu dinheiro no prazer de ostentação, chegando a oferecer à esposa um descapotável novo após ter assinado uma hipoteca. Dalila sofre frequentemente com os episódios de violência doméstica, durante os quais o marido demonstra o seu sadismo.[4]

Quando regressa a Sines de uma viagem a Lisboa para um check-up médico, Dalila torna-se o alvo de falatório por parte dos moradores da vila, que comentam a sua mudança radical de visual: não só descolorou o cabelo como mudou o guarda-roupa, utilizando agora vestidos muito justos e curtos. Marcolino não se importa que Dalila seja observada e comentada por outros homens. Entretanto, a mulher seduz um jovem medíocre camionista, Pompeu, que se torna seu amante.[5]

Dalila inventa uma história acerca de ter um cancro de mama, como desculpa para poder deslocar-se a Lisboa e realizar um implante mamário. À medida que se renova, a mulher começa a perceber que não tem de tolerar as agressões e a relação de ódio com o marido. Ao ouvir as suas intenções de divórcio, a mãe de Dalila revela pouca empatia, afirmando que ela "deixaria de ser filha dela" se seguisse com uma separação.[2]

Dalila, sentindo-se encurralada, considera que a única opção que lhe resta é matar Marcolino. Pede a Pompeu que o faça como favor, mas o amante não está disposto a tal ato. Ainda assim, contrata um assassino, a quem Dalila tenciona pagar com uma mala de jóias do marido. A mulher engana Pompeu, pedindo-lhe que participe no assassínio para que possam fugir para o México e utilizar o valor das jóias para abrir uma pizzaria. Apesar do plano de um crime perfeito, Dalila é incriminada pela vizinha, Ercília, quando ela repara nuns sapatos pretos no funeral de Marcolino.[6]

Elenco[editar | editar código-fonte]

Equipa técnica[editar | editar código-fonte]

  • RealizaçãoJoão Canijo;
  • Argumento: João Canijo e Pierre Hodgson;[8]
  • Direção de fotografia: Mário Castanheira;
  • Montagem: Rudolfo Wedeles;
  • Assistente de realização: Pedro Madeira;[9]
  • Guarda-roupa: Mónica Lopes;
  • Caracterização: Teresa Águas;
  • Direção de som:  Philippe Morel;
  • Música: Alexandre Soares;
  • Sonoplastia: Gérard Rousseau;
  • Direção de produção: Joaquim Carvalho;
  • Produtor: Paulo Branco;[10]
  • ApoioJoão FonsecaMarco Martins, José Aragão e Pedro Blanco.

Produção[editar | editar código-fonte]

Desenvolvimento[editar | editar código-fonte]

A ideia para o argumento partiu de uma notícia que João Canijo leu no Público, acerca da esposa de um ourives ambulante que, cumpliciada com o amante, havia assassinado o marido. "Ao ler a história, percebi que aquilo era O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes (James M. Cain, 1934) só que passado em Reguengos, no Alentejo. Tinha tudo a ver com o mito que Salazar criou de que Portugal era um país de brandos costumes, coisa que é absolutamente mentira, pois é um país de violência contida."[11] Assim, o cineasta propôs-se desenvolver um argumento questionando essa noção de 'brandos costumes' portugueses. Focando-se na definição da personagem principal e nas circunstâncias do seu momento de transição de vida, Canijo adaptou, com a colaboração do inglês Pierre Hodgson, as circunstancias do crime real. Quando escrevia Dalila, o cineasta concluiu que a sua colaboradora frequente, Rita Blanco, não seria uma opção para o papel, uma vez que o mesmo exigia uma atriz com outras características físicas. A última versão do argumento foi já composta a idealizar Ana Bustorff para interpretar a protagonista.[12]

Rodagem[editar | editar código-fonte]

Canijo havia tido a sua primeira experiência a filmar em vídeo na televisão e Sapatos Pretos manteve esta opção, por proposta de Paulo Branco. A rodagem decorreu em Sines e no Cais de Sodré (Lisboa), num período entre junho e julho de 1997.[13] O cineasta recorda a sua dificuldade em readaptar-se à linguagem cinematográfica depois de ter realizado Alentejo sem Lei: "no Sapatos Pretos, as primeiras duas semanas de rodagem foram para o lixo".[11]

Durante as gravações, Ana Bustorff descreveu momentos em que se sentiu confusa. Vítor Norte e João Reis contaram que algumas cenas foram difíceis de fazer devido ao seu pudor, mas que, acima de tudo, foi uma rodagem divertida.

Temas e estética[editar | editar código-fonte]

Sapatos Pretos é um filme não naturalista que parte de influências do melodrama, filme de estrada, o thriller, cinema erótico e até a estética do western-spaghetti, resultando num drama passional que explora as características sórdidas das histórias de amor e morte.[5] A obra explora o tema do sexo através de uma estética crua e suja. De facto, o realizador demonstra um elaborado trabalho visual e um interesse pelos pormenores mais sórdidos e demenciais, o que se torna particularmente evidente na cena de violação de Marcolino à esposa.[6]

Tentando fugir ao lado telenovelesco da história, a rudeza e agressividade do estilo de Canijo é conseguido fazendo grande uso da câmara à mão e da pouca luz, o que chega a ser incomodativo para o espectador.[14] Esta rudeza mimetiza as características psicológicas dos personagens, tal como demonstrado numa cena em que Jordão recusa-se a ajudar o irmão Pompeu, despoletando uma luta num cenário escuro, subterrâneo e imundo. O cineasta considerou que Sapatos Pretos acentua em cores mais saturadas a sua perspetiva negra acerca da conjugalidade: "Três Menos Eu já era a história de uma menina que tentava libertar-se da família. A partir daí centrei-me, de facto, na conjugalidade. São as relações potencialmente mais violentas que alguém pode ter".[12]

Distribuição[editar | editar código-fonte]

Esta terceira longa-metragem de João Canijo foi distribuída comercialmente em Portugal pela Atalanta Filmes. A obra estreou a 10 de abril de 1998, nos cinemas Alfa, Amoreiras, Fonte Nova, Monumental, Mundial e Quarteto.[3] Em França, Sapatos Pretos foi lançado e 30 de setembro do mesmo ano.

A propósito de uma retrospetiva da filmografia de Canijo, Sapatos Pretos foi também exibido no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires (Argentina), a 15 de abril de 2012.[4]

Receção[editar | editar código-fonte]

Audiência[editar | editar código-fonte]

O filme foi bem recebido pelo público, tendo totalizado 52.387 espectadores em Portugal, um número significativo para a época. Sapatos Pretos é o 21.º filme português com mais público no período 1980-2001.

Crítica[editar | editar código-fonte]

A reação da crítica não foi consensual quanto à obra. Se uma crítica no jornal Expresso, a 10 de abril de 1998 lhe chamou "um filme grosseiro", António Cabrita, na mesma publicação, considera que o mesmo supera "em muito todas as promessas que os anteriores filmes de Canijo prefiguravam".[14] Outros críticos elogiaram o filme, nomeadamente pela interpretação de Ana Bustorff. Mário Jorge Torres, no Público, apelidou Sapatos Pretos de "grande filme português".

Com uma opinião oposta, A. Roma Torres (Jornal de Notícias) defende que a obra apresenta um Canijo regressado ao cinema sem ideias ou reflexão de elaboração fílmica, que resulta numa entrega à "fórmula sexo e crime que parecem exercer uma certa sedução no espectador português".[15] Luís Canau (Cinedie) critica a unidimensionalidade na expressão de femme fatale, transversal ao longo da interpretação de Bustorff.[16]

Premiações[editar | editar código-fonte]

Ano Premiação Categoria Trabalho Resultado Ref.
1999 Globos de Ouro, Portugal Cinema: Melhor atriz Ana Bustorff Venceu [17]
Prémio Nova Gente Melhor atriz Ana Bustorff Venceu

Referências

  1. «Sapatos Pretos». ICA. Consultado em 30 de março de 2021 
  2. a b programacion.cgai (1 de fevereiro de 2018). «Sapatos pretos». CGAI (em galego). Consultado em 30 de março de 2021 
  3. a b «Cinema Português». cvc.instituto-camoes.pt. Consultado em 31 de março de 2021 
  4. a b Vallone, Dario Ruellan, Gustavo Salvini, Pablo. «BAFICI 2012 - Film | Sapatos pretos». BAFICI 14 (em inglês). Consultado em 30 de março de 2021 
  5. a b Público. «Sapatos Pretos». Cinecartaz. Consultado em 30 de março de 2021 
  6. a b Portugal, Rádio e Televisão de. «Sapatos Pretos - Filmes - Drama - RTP». www.rtp.pt. Consultado em 30 de março de 2021 
  7. «Sapatos Pretos». Il Cineocchio (em italiano). Consultado em 30 de março de 2021 
  8. «Sapatos pretos». www.filmdienst.de (em alemão). Consultado em 30 de março de 2021 
  9. «"Sapatos pretos" by João Canijo» (em inglês). 10 de fevereiro de 2010. Consultado em 30 de março de 2021 
  10. Nascimento, Frederico Lopes / Marco Oliveira / Guilherme. «Sapatos Pretos». CinePT-Cinema Portugues. Consultado em 30 de março de 2021 
  11. a b «ENTREVISTAS» (PDF). webcache.googleusercontent.com. Consultado em 30 de março de 2021 
  12. a b Câmara, Vasco (10 de abril de 1998). «Entrevista a João Canijo». Público. Público 
  13. Nascimento, Frederico Lopes / Marco Oliveira / Guilherme. «Sapatos Pretos». CinePT-Cinema Portugues. Consultado em 31 de março de 2021 
  14. a b Faro, Cineclube De. «Cineclube de Faro: «Um filme de passagem», Canijo dixit. Kitsch, carne, Bustorff. E chega.». Cineclube de Faro. Consultado em 31 de março de 2021 
  15. «Toda a Memória do Mundo». portaroma.tripod.com. Consultado em 30 de março de 2021 
  16. «Sapatos Pretos». www.cinedie.com. Consultado em 30 de março de 2021 
  17. «Ana Bustorff». Elite Lisbon. Consultado em 31 de março de 2021 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]