Stanislas Dehaene

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Stanislas Dehaene
Stanislas Dehaene
Stanislas Dehaene, 2014
Nascimento 12 de maio de 1965 (58 anos)
Roubaix
Residência França
Nacionalidade francês
Alma mater Escola Normal Superior de Paris, École des hautes études en sciences sociales
Prêmios Medalha de Ouro Pio XI (2002), Grande Prêmio Científico Louis D. (2003), Prêmio Brain (2014)
Orientador(es)(as) Jacques Mehler
Instituições Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale
Notas Membro da Pontifícia Academia das Ciências

Stanislas Dehaene (Roubaix, 12 de maio de 1965))[1] é um neurocientista francês, professor do Collège de France e diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do INSERM. Ele atua em diversas linhas de pesquisa, em especial cognição numérica, as bases neurais da leitura e os correlatos neurais da consciência. Dehaene foi um dos dez cientistas premiados com o Centennial Fellowship da James S. McDonnell Foundation em 1999 pelo seu trabalho sobre "Neurociência Cognitiva das Habilidades Numéricas". Em 2003, juntamente com Denis Le Bihan, Dehaene recebeu o Grande Prêmio Científico Louis D. do Institut de France.[2]

Formação[editar | editar código-fonte]

Dehaene começou sua carreira como matemático, graduando-se em matemática na Escola Normal Superior de Paris entre os anos de 1984 e 1989.[1] Obteve um mestrado em matemática aplicada e ciências da computação em 1985 na Universidade Pierre e Marie Curie.[1] Inspirado após sua leitura do livro L'Homme neuronal (O homem neuronal: A biologia da mente) do notável neurocientista francês Jean-Pierre Changeux, Dehaene mudou de área e passou a desenvolver pesquisas em neurociência e psicologia, inicialmente colaborando com Changeux no desenvolvimento de modelos computacionais de redes neurais da cognição humana, colaboração que se mantém ativa.[1] Dehaene realizou seu doutorado em Psicologia experimental sob a orientação de Jacques Mehler na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), defendendo sua tese em 1989. Após receber o título de doutor, Dehaene passou a trabalhar como pesquisador no INSERM, no Laboratório de Ciências Cognitivas e Psicolinguística (Laboratoire de Sciences Cognitives et Psycholinguistique), dirigido por Mehler.[1] Durante os anos de 1992 e 1994, Dehaene fez um estágio pós-doutoral no Instituto de Ciências Cognitivas e Tomada de Decisão (Institute of Cognitive and Decision Sciences) dirigido por Michael Posner da Universidade de Oregon. Após seu retorno para a França, Dehaene passou a coordenar seu próprio grupo de pesquisa, o qual atualmente inclui cerca de 30 estudantes de pós-graduação, pós-doutorado e pesquisadores.[1] Em 2005, Dehaene foi eleito para a nova cátedra de Psicologia Experimental e Cognitiva do Collège de France.[1]

Especialidades[editar | editar código-fonte]

Cognição Numérica[editar | editar código-fonte]

Dehaene é mais conhecido por seu trabalho em cognição numérica, uma disciplina que ele popularizou e sintetizou com a publicação em 1997 do seu livro O Senso Numérico (La Bosse des maths), com o qual foi premiado com o Prix Jean Rostand de melhor livro de divulgação científica em língua francesa. Dehaene começou seus estudos sobre cognição numérica com Jacques Mehler, examinando a frequência de palavras numéricas entre diversas línguas,[3] a natureza analógica da representação numérica[4][5] e as inter-relações entre número e espaço.[6] Juntamente com Changeux, ele desenvolveu um modelo computacional da percepção e representação numérica, o qual previa a existência de neurônios especificamente dedicados a processar informações numéricas com curvas de ativação de natureza log-gaussiana,[7] previsão que já foi empiricamente confirmada com a utilização de métodos eletrofisiológicos de registro unicelular em macacos.[8] Através de uma colaboração que já se estende há anos com Laurent Cohen, neurologista do Pitié-Salpêtrière Hospital em Paris, Dehaene identificou pacientes com lesões em diversas regiões do lobo parietal que apresentavam déficits em operações de multiplicação, mas preservação das habilidades de subtração (associados a lesões no lobo parietal inferior) e outros com preservação das habilidades de multiplicação, mas déficits na subtração (associada a lesões no sulco intraparietal).[9] Essa dupla dissociação sugeriu a existência de diferentes substratos neurais para o processamento de cálculos aritméticos extensivamente treinados e linguisticamente mediados, como a multiplicação, processada pelas regiões do lobo parietal inferior, e cálculos computados online, como a subtração, processada pelas regiões do sulco intraparietal. Logo em seguida, Dehaene começou a realizar estudos de EEG[10][11] e neuroimagem funcional[12][13][14] das habilidades numéricas, os quais demonstraram os mecanismos neurocognitivos subjascentes ao processamento numérico. Juntamente com Pierre Pica e Elizabeth Spelke, Dehaene estuda as habilidades numéricas dos Mundurucus (grupo indígena que vive no estado do Pará, Brasil) e que, apesar de não terem palavras para designar números exatos maiores do que 5, são capazes de realizar julgamentos numéricos e cálculos aproximativos.[15]

Consciência[editar | editar código-fonte]

Dehaene subsequentemente direcionou sua linha de pesquisa para estudar os correlatos neurais da consciência, levando a publicação de uma série de artigos científicos e a edição de do livro "A Neurociência Cognitiva da Consciência" ("The Cognitive Neuroscience of Consciousness"). Ele desenvolveu modelos computacionas da consciência, baseados na Global Workspace Theory de Bernard Baars, a qual sugere que apenas algumas partes das informações podem ganhar acesso no espaço neural global.[16] Para explorar as bases neurais do espaço neural global, Dehaene conduziu experimentos de ressonância magnética funcional utilizando o método de masking e attentional blink, os quais mostraram que as informações que atingem percepção consciente levam a um aumento da ativação da circuitaria neural envolvendo regiões do lobo parietal e frontal.[17][18]

As bases neurais da leitura[editar | editar código-fonte]

Dehaene utiliza imageamento cerebral para estudar o processamento da linguagem em indivíduos monolíngues e bilíngues em colaboração com Laurent Conhen. Eles iniciamente se concentraram em investigar a contribuição das regiões cerebrais da via ventral do reconhecimento visual de palavras, em particular no papel da lateralização à esquerda do córtex temporal inferior na leitura de palavras. Seus estudos identificaram uma região que eles chamaram de "área visual da palavra" ("visual word form area", VWFM), que é sistematicamente ativada durante a leitura.[19][20][21] Eles também mostraram que a ablação dessa área em pacientes que passaram por cirurgia para tratar formas graves de epilepsia prejudica severamente as habilidades de leitura.[22] Dehaene, Cohen e seus colaboradores demonstraram subsequentemente que, ao invés de ser uma área isolada, a "área visual da palavra" é o estágio hierárquico final da extração de informações visuais no reconhecimento de letras e palavras.[23][24] Mais recentemente, eles começaram a investigar como a leitura depende de um processo chamado "reciclagem neural", que faz com que circuitos cerebrais originalmente selecionados durante a evolução para processar o reconhecimento de objetos passam a processar letras, pares de letras e palavras frequêntes.[25] Essa hipóteses foram recentemente demonstradas em um estudo que investigou a resposta cerebral de um grupo de adultos iliterados em tarefas de leitura .[26]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Como editor
  • Dehaene, S. (Ed.) Numerical Cognition. Oxford, Blackwell. ISBN 1-55786-444-6.
  • Dehaene, S. (Ed.) Le Cerveau en action: l'imagerie cérébrale en psychologie cognitive. Paris: Presses Universitaires de France, 1997. ISBN 2-13-048270-8.
  • Dehaene, S. (Ed.) The Cognitive Neuroscience of Consciousness. MIT Press, 2001. ISBN 0-262-54131-9.
  • Dehaene, S. Duhamel, J.R., Hauser, M. and Rizzolatti, G. (Ed.) From Monkey Brain to Human Brain. Cambridge, MA: MIT Press, 2005. ISBN 0-262-04223-1.
Como autor
  • La Bosse des maths. Paris: Odile Jacob, 1997. ISBN 2-7381-0442-8.
  • The number sense. New York: Oxford University Press, 1997; Cambridge (UK): Penguin press, 1997. ISBN 0-19-511004-8.
  • Vers une science de la vie mentale. Paris: Fayard, 2007. (Inaugural Lecture at the Collège de France). ISBN 2-213-63084-4.
  • Les neurones de la lecture. Paris: Odile Jacob, 2007. ISBN 2-7381-1974-3.
  • Reading in the brain. New York: Penguin, 2009. ISBN 0-670-02110-5 .[27]
  • Os Neurônios da Leitura - Como a Ciência Explica a Nossa Capacidade de Ler. Porto Alegre: Artmed, 2012. ISBN 9788563899446 .[28]

Referências

  1. a b c d e f g «Stanislas Dehaene's Official Curriculum Vitae» (PDF). Consultado em 25 de novembro de 2012. Arquivado do original (PDF) em 19 de julho de 2011 
  2. «2003 Louis D. Prize». Consultado em 24 de setembro de 2009. Arquivado do original em 27 de setembro de 2011  from the Institut de France(em francês)
  3. Dehaene S., Mehler J. (1992). «Cross-linguistic regularities in the frequency of number words». Cognition. 43: 1–29 
  4. Dehaene S (1989). «The psychophysics of numerical comparison: a reexamination of apparently incompatible data». Perception & Psychophysics. 45: 557–566 
  5. Dehaene S., Dupoux E., Mehler J. (1990). «Is numerical comparison digital? Analogical and symbolic effects in two-digit number comparison». Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance. 16: 626–641 
  6. Dehaene S., Bossini S., Giraux P. (1993). «The mental representation of parity and numerical magnitude». Journal of Experimental Psychology: General. 122: 371–396. doi:10.1037/0096-3445.122.3.371 
  7. Dehaene S., Changeux J.P. (1993). «Development of elementary numerical abilities: A neuronal model». Journal of Cognitive Neuroscience. 5: 390–407 
  8. Nieder A (2005). «Counting on neurons: The neurobiology of numerical competence». Nature Reviews Neuroscience. 6: 177–190 
  9. Dehaene S., Cohen L. (1991). «Two mental calculation systems». Neuropsychologia. 29: 1045–74 
  10. Dehaene S (1996). «The organization of brain activations in number comparison: Event-related potentials and the additive-factors method». Journal of Cognitive Neuroscience. 8: 47–68 
  11. Kiefer M., Dehaene S. (1997). «The time course of parietal activation in single-digit multiplication: Evidence from event-related potentials». Mathematical Cognition. 3: 1–30 
  12. Dehaene S., Spelke L., Pinel P., Stanescu R., Tsivkin S. (1999). «Sources of mathematical thinking : behavioral and brain-imaging evidence». Science. 284 (5416): 970–974. PMID 10320379. doi:10.1126/science.284.5416.970 
  13. Pinel P., Le Clec'h G., van de Moortele P.F., Naccache L., Le Bihan D., Dehaene S. (1999). «Event-related fMRI analysis of the cerebral circuit for number comparison». NeuroReport. 10: 1473–79 
  14. Chochon F., Cohen L., van de Moortele P.F., Dehaene S. (1999). «Differential contributions of the left and right inferior parietal lobules to number processing». Journal of Cognitive Neuroscience. 11: 617–630 
  15. Pica, P, C Lemer, V Izard & Dehaene, S. (2004), "Exact and approximate arithmetic in an Amazonian Indigene Group" Science, 306, pp. 499–503
  16. Dehaene S., Naccache L. (2001). «Towards a cognitive neuroscience of consciousness: Basic evidence and a workspace framework». Cognition. 79 (1-2): 1–37. PMID 11164022. doi:10.1016/S0010-0277(00)00123-2 
  17. Dehaene S., Naccache L., Cohen L., LeBihan D., Mangin J.F., Poline J.-B., Rivière D. (2001). «Cerebral mechanisms of word masking and unconscious repetition priming». Nature Neuroscience. 4: 752–758. PMID 11426233. doi:10.1038/89551 
  18. Sergent C., Baillet S., Dehaene S. (2005). «Timing of the brain events underlying access to consciousness during the attentional blink». Nature Neuroscience. 8 (10): 1285–86. PMID 16158062. doi:10.1038/nn1549 
  19. Cohen L, Lehéricy S, Chochon F, Lemer C, Rivaud S, Dehaene S. (2002). «Language-specific tuning of visual cortex? Functional properties of the Visual Word Form Area.». Brain. 125 (Pt 5): 1054–1069. PMID 11960895. doi:10.1093/brain/awf094 
  20. Dehaene S, Le Clec'H G, Poline JB, Le Bihan D, Cohen L. (2002). «The visual word form area: a prelexical representation of visual words in the fusiform gyrus.». Neuroreport. 13 (3): 321–325. PMID 11930131. doi:10.1097/00001756-200203040-00015 
  21. McCandliss BD, Cohen L, Dehaene S. (2003). «The visual word form area: expertise for reading in the fusiform gyrus.». Trends in Cognitive Sciences. 7 (7): 293–299. PMID 12860187. doi:10.1016/S1364-6613(03)00134-7 
  22. Gaillard R, Naccache L, Pinel P, Clémenceau S, Volle E, Hasboun D, Dupont S, Baulac M, Dehaene S, Adam C, Cohen L. (2006). «Direct intracranial, FMRI, and lesion evidence for the causal role of left inferotemporal cortex in reading.». Neuron. 50 (2): 191–204. PMID 16630832. doi:10.1016/j.neuron.2006.03.031 
  23. Dehaene S, Cohen L, Sigman M, Vinckier F. (2005). «The neural code for written words: a proposal.». 9 (7): 335–341. PMID 15951224. doi:10.1016/j.tics.2005.05.004 
  24. Vinckier F, Dehaene S, Jobert A, Dubus JP, Sigman M, Cohen L. (2007). «Hierarchical coding of letter strings in the ventral stream: dissecting the inner organization of the visual word-form system.». Neuron. 55 (1): 143–156. PMID 17610823. doi:10.1016/j.neuron.2007.05.031 
  25. Dehaene S, Cohen L. (2007). «Cultural recycling of cortical maps». Neuron. 56 (2): 384–398. PMID 17964253. doi:10.1016/j.neuron.2007.10.004 
  26. Dehaene S, Pegado F, Braga LW, Ventura P, Nunes Filho G, Jobert A, Dehaene-Lambertz G, Kolinsky R, Morais J, Cohen L. (2010). «How learning to read changes the cortical networks for vision and language.». Science. 330 (6009): 1359–1364. PMID 21071632. doi:10.1126/science.1194140 
  27. «Reading in the Brain by Stanislas Dehaene». pagesperso-orange.fr. Consultado em 6 de setembro de 2010 
  28. «Os Neurônios da Leitura - Stanislas Dehaene». www.grupoa.com.br/. Consultado em 25 de novembro de 2012. Arquivado do original em 23 de janeiro de 2012 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]