Afogamento simulado

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado de Waterboarding)
Aparelho de afogamento simulado em exibição no Museu do Genocídio Tuol Sleng, em Phnom Penh. Os pés eram amarrados à direita, as mãos à esquerda, e o regador azul despejava água no rosto do torturado.

O afogamento simulado (waterboarding) é uma forma de tortura na qual a pessoa é deitada de costas e imobilizada, com a cabeça inclinada para trás (a chamada "posição de Trendelenburg"), e água é lançada sobre a face e para dentro das vias respiratórias.[1] Por meio do sufocamento forçado e da inspiração de água, o torturado passa pelo processo de afogamento e é levado a acreditar que a sua morte é iminente.[2]

Diferentemente da prática de apenas submergir em água o rosto do torturado pela frente, o afogamento simulado provoca, quase de imediato, o reflexo faríngeo.[3] Embora nem sempre provoque danos físicos duradouros, o afogamento simulado inclui o risco de dor intensa, danos aos pulmões, dano cerebral causado pela falta de oxigênio, ferimentos (inclusive fraturas ósseas) causados quando o torturado se debate contra as amarras, e até mesmo a morte.[4] Os efeitos psicológicos podem perdurar por anos após o procedimento.[5]

Exemplos históricos[editar | editar código-fonte]

A técnica do afogamento simulado é considerada tortura por uma variada gama de autoridades, inclusive juristas,[4][6] políticos, veteranos de guerra,[7][8] agentes de serviços de informações,[9] juízes militares[10] e organizações de direitos humanos.[11][12].

O waterboarding tem sido utilizado em diversos lugares e em vários pontos da história, incluindo as diversas Inquisições,[13] pelos militares dos Estados Unidos durante a Guerra Filipina-Americana,[14] pelas forças da ordem americanas,[15] pelos oficiais japoneses durante a Segunda Guerra Mundial,[16] pelos franceses durante a Guerra da Argélia, pelos EUA durante a Guerra do Vietname (apesar da proibição da prática pelos generais americanos),[16] pelo regime de Pinochet no Chile,[17] pelos Khmers Vermelhos no Camboja, pelo Exército Britânico na Irlanda do Norte,[18] e pela polícia sul-africana durante a era do Apartheid. Na sequência da Segunda Guerra Mundial, os EUA executaram criminosos de guerra japoneses condenados, entre outros crimes, por "waterboarding" a prisioneiros de guerra americanos. [19]

Em 2007, causaram escândalo nos Estados Unidos as notícias veiculadas pela imprensa segundo as quais o Departamento de Justiça dos Estados Unidos havia autorizado a prática[20][21] do waterboarding, e que a Agência Central de Inteligência (CIA) havia submetido a afogamento simulado prisioneiros extrajudiciais.[22] A CIA admitiu haver sujeitado, ao procedimento, Khalid Sheikh Mohammed, Abu Zubaydah e Abd al-Rahim al-Nashiri, suspeitos da Al-Qaeda.[23]

No Brasil, durante o regime militar, a prática foi usada na tortura de presos políticos pelas autoridades.[24] Na América Latina, também é conhecida como "submarino". O sistema já foi usado pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante como método de tortura.[25] Durante a Segunda Guerra Mundial, o Império do Japão usou este método e foi condenado também por isso no Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente.[26]

Notas

  1. Eban, Katherine (17 de julho de 2007). «Rorschach and Awe». Vanity Fair. Consultado em 17 de dezembro de 2007. It was terrifying," military psychologist Bryce Lefever is quoted as saying, "...you're strapped to an inclined gurney and you're in four-point restraint, your head is almost immobilized, and they pour water between your nose and your mouth, so if you're likely to breathe, you're going to get a lot of water. You go into an oxygen panic. 
  2. White, Josh (8 de novembro de 2007). «Waterboarding Is Torture, Says Ex-Navy Instructor». Washington Post. Consultado em 17 de dezembro de 2007. As the event unfolded, I was fully conscious of what was happening: I was being tortured. 
  3. Ross, Brian; Esposito, Richard (8 de novembro de 2007). «CIA's Harsh Interrogation Techniques Described». ABC News. Consultado em 17 de dezembro de 2007. Unavoidably, the gag reflex kicks in and a terrifying fear of drowning leads to almost instant pleas to bring the treatment to a halt. 
  4. a b Various (5 de abril de 2006). «Open Letter to Attorney General Alberto Gonzales». Human Rights News. Consultado em 18 de dezembro de 2007  Em carta dirigida ao Procurador-Geral dos EUA, Alberto Gonzales, mais de 100 professores de direito estadunidenses afirmaram inequivocamente que o afogamento simulado é uma tortura e que a prática é um delito criminal punível segundo o código penal federal dos EUA.
  5. Mayer, Jane (14 de fevereiro de 2005). «Outsourcing Torture». The New Yorker. Consultado em 18 de dezembro de 2007. Dr. Allen Keller, the director of the Bellevue/N.Y.U. Program for Survivors of Torture, told me that he had treated a number of people who had been subjected to such forms of near-asphyxiation, and he argued that it was indeed torture. Some victims were still traumatized years later, he said. 
  6. Davis, Benjamin (8 de outubro de 2007). «Endgame on Torture: Time to Call the Bluff». University of Pittsburgh School of Law. Consultado em 18 de dezembro de 2007. Waterboarding has been torture for at least 500 years. All of us know that torture is going on. 
  7. «French Journalist Henri Alleg Describes His Torture Being Waterboarded by French Forces During Algerian War». Democracy Now!. 5 de novembro de 2007. Consultado em 18 de dezembro de 2007. I have described the waterboarding I was submitted to. And no one can say, having passed through it, that this was not torture, especially when he has endured other types of torture—burning, electricity and beating, and so on. 
  8. «Torture's Terrible Toll». Newsweek. 21 de novembro de 2005 Segundo John McCain, Senador estadunidense pelo Partido Republicano e candidato à presidência em 2008, que foi torturado como prisioneiro de guerra no Vietnã do Norte, o afogamento simulado é "tortura, o mesmo que apontar uma pistola na cabeça e disparar um tiro de festim", e pode causar dano psicológico à vítima "de maneira talvez incurável".
  9. Grey, Stephen (2006). Ghost Plane: The True Story of the CIA Torture Program. New York, New York: St. Martin's Press. pp. 225–226  Um ex-funcionário graduado da direção de operações da CIA foi citado dizendo que "Claro que era tortura. Experimente e você verá". Outro "ex-graduado na direção de operações" disse "Sim, é tortura".
  10. Bell, Nicole (3 de novembro de 2007). «Retired JAGs Send Letter To Leahy: "Waterboarding is inhumane, it is torture, and it is illegal."». Crooks and Liars. Consultado em 18 de dezembro de 2007  "Afogamento simulado (waterboarding) é desumano, é tortura e é ilegal"; e "afogamento simulado equivale a tortura ilegal em qualquer circunstância". Do Contra-Almirante Donald J. Guter, Marinha dos EUA (reformado), Judge Advocate General da Marinha, 2000-02; Contra-Almirante John D. Hutson, Marinha dos EUA (reformado), Judge Advocate General da Marinha, 1997-2000; General de Divisão John L. Fugh, Exército dos EUA (reformado), Judge Advocate General do Exército, 1991-93; General de Brigada David M. Brahms, Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA (reformado), Staff Judge Advocate, 1985-88.
  11. «CIA Whitewashing Torture». Human Rights Watch. 21 de novembro de 2005. Consultado em 18 de dezembro de 2007  "Não há dúvida de que afogamento simulado é tortura, apesar da relutância da administração em dizê-lo.", Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch.
  12. «Amnesty International Response to Cheney's "No-Brainer" Comment». Anistia Internacional. 26 de outubro de 2006. Consultado em 18 de dezembro de 2007 
  13. Shane, Scott (7 de novembro de 2007). «A Firsthand Experience Before Decision on Torture». New York Times. Consultado em 18 de dezembro de 2007 
  14. Rejali, Darius (2009). Torture and Democracy. [S.l.]: Princeton University Press. p. 280 
  15. «TEXAS SHERIFF'S GUILTY PLEA SHUTS A ROAD TRAP». The New York Times (em inglês). 27 de março de 1983. ISSN 0362-4331 
  16. a b Pincus, Walter (5 de outubro de 2006). «Waterboarding Historically Controversial». The Washington Post (em inglês). ISSN 0190-8286 
  17. Solis, Gary D. (2010). The Law of Armed Conflict: International Humanitarian Law in War (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. p. 465 
  18. McClements, Freya (26 de Junho de 2017). «Papers alleging British Army waterboarding in NI uncovered». The Irish Times (em inglês) 
  19. Frank, John (18 de Dezembro de 2007). «PolitiFact - History supports McCain's stance on waterboarding». Politifact (em inglês) 
  20. «History of an Interrogation Technique: Water Boarding». World News with Charles Gibson. ABC News. 29 de novembro de 2005. Consultado em 18 de dezembro de 2007 
  21. «Secret U.S. Endorsement of Severe Interrogations». New York Times. 4 de outubro de 2007. Consultado em 18 de dezembro de 2007 
  22. No contexto da "Guerra ao Terrorismo", prisioneiros capturados pelas autoridades estadunidenses que não são sujeitos ao devido processo legal previsto pela jurisdição dos EUA.
  23. Tran, Mark. «CIA admit 'waterboarding' al-Qaida suspects | World news | guardian.co.uk». www.guardian.co.uk. Consultado em 21 de fevereiro de 2008 
  24. Brasil: Nunca Mais, 7a edição, editora Vozes, Petrópolis, 1985, p. 36.
  25. Captives held by Islamic State were waterboarded
  26. Waterboarding Used to Be a Crime