Zero de Siegel

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Em matemática, mais especificamente na área de teoria analítica dos números, um zero de Landau–Siegel ou simplesmente zero de Siegel (também conhecido como zero excepcional[1]), nomeado em homenagem a Edmund Landau e Carl Ludwig Siegel, é um tipo de contraexemplo potencial para a Hipótese de Riemann generalizada, sobre zeros de funções L de Dirichlet associadas a corpos de números quadráticos. Grosso modo, estes são possíveis zeros muito próximos (num sentido quantificável) de s = 1.

Motivação e definição[editar | editar código-fonte]

O modo como zeros de Siegel aparecem na teoria de funções L de Dirichlet é como possíveis exceções para as região livre de zeros clássicas, que podem ocorrer somente quando a função L é associada a um caráter de Dirichlet real.

Caráteres de Dirichlet reais primitivos[editar | editar código-fonte]

Para um inteiro q ≥ 1, um caráter de Dirichlet módulo q é uma função aritmética satisfazendo as seguintes propriedades:

  • (Completamente multiplicativa) para todo m, n;
  • (Periódica) para todo n;
  • (Suporte) se .

Isto é, χ é o levantamento de um homomorfismo .

O caráter trivial é o caráter módulo 1, e o caráter principal módulo q, denotado , é o levantamento do homomorfismo trivial . Um caráter é chamado de imprimitivo se existe um inteiro com tal que o homomorfismo induzido fatora-se em

para algum caráter ; caso contrário, é chamado de primitivo. Um caráter é real (ou quadrático) se este é igual ao seu conjugado complexo (definido como ), ou equivalentemente . Os caractéres de Dirichlet reais primitivos estão em correspondência biunívoca com os símbolos de Kronecker para um discriminante fundamental (isto é, o discriminante de um corpo quadrático).[2] Uma maneira de definir é como a função aritmética completamente multiplicativa determinada por (para p primo):

Portanto, é comum escrever , os quais são caráteres primitivos reais módulo .

Região livre de zeros clássica[editar | editar código-fonte]

A função L de Dirichlet associada ao caráter é definida como a continuação analítica da série de Dirichlet definida para , onde s á uma variável complexa. Para não-principal, esta continuação é inteira; caso contrário esta possui um polo simples de resíduo em s = 1 como sua única singularidade. Para , funções L de Dirichlet podem ser expressas como o produto de Euler , donde segue que não possui zeros nesta região. O teorema dos números primos para progressões aritméticas é equivalente (em certo sentido) a (). Além disso, pela equação funcional, pode-se refletir estas regiões via para concluir que, com a exceção de inteiros negativos com mesma paridade que χ,[3] todos os outros zeros de estão em . Esta região é chamada de faixa crítica, e zeros nesta região são chamados de zeros não-triviais.

O teorema clássico em regiões livres de zeros (Grönwall[4], Landau[5], Titchmarsh[6]) diz que existe um número real (efetivamente computável) tal que, escrevendo para a variável complexa, a função não possui zeros na região

se é não-real. Se é real, então existe no máximo um zero nesta região, necessariamente real e simples. Este possível zero é chamado zero de Siegel.

A Hipótese de Riemann generalizada (HRG) afirma que para todo , todos os zeros não-triviais de estão na reta .

Definindo "zeros de Siegel"[editar | editar código-fonte]

Problema de matemática em aberto:

Existe para o qual para todo discriminante fundamental D se ?

A definição de zeros de Siegel como apresentada acima depende da constante A na região livre de zeros. Isto muitas vezes torna complicado lidar com estes objetos, uma vez que em muitas situações o valor preciso da constante A é de pouco interesse.[1] Assim, é comum trabalhar com enunciados relacionados, tanto afirmando quanto negando, a existência de uma família infinito de tais zeros, como em:

  • Conjectura ("zeros de Siegel não existem"): Se denota o maior zero real de , então .

Tanto a possibilidade de existência quanto a de não-existência de zeros de Siegel têm grande impacto em assuntos relacionados de teoria dos números, a conjectura "zeros de Siegel não existem" servindo como um substituto mais fraco, apesar de poderoso e às vezes completamente suficiente, para HRG (veja abaixo para um exemplo envolvendo o Teorema de Siegel–Tatuzawa e o problema de números idôneos). Uma formulação equivalente de "zeros de Siegel não existem" que não faz referência explícita a zeros é o enunciado:

A equivalência pode ser derivada por exemplo usando a região livre de zeros junto com estimativas clássicas para o número de zeros não-triviais de até certa altura.[7]

Estimativas de Landau–Siegel[editar | editar código-fonte]

O primeiro avanço na questão destes zeros veio de Landau, que mostrou que existe uma constante absoluta B > 0 efetivamente computável tal que, se e são caráteres reais primitivos de módulo distinto, e são zeros reais de respectivamente, então

Isto está dizendo que, se zeros de Siegel existem, então eles não podem ser muito numerosos. A forma como este resultado foi provado foi via uma argumento de 'torção', que levanta o problema para a função zeta de Dedekind do corpo biquadrático . Esta técnica ainda é aplicada bastante em trabalhos modernos.

Este efeito de 'repulsão', após análise mais cuidadosa, levou Landau ao seu teorema de 1936,[8] que diz que para todo , existe tal que, se é um zero real de , então . Contudo, no mesmo ano, e no mesmo volume do mesmo periódico, Siegel[9] melhorou diretamente esta estimativa para

Tanto a demonstração de Landau quanto a de Siegel não fornecem algoritmos para calcular explicitamente, tornando-as uma instância de um resultado não-efetivo.

Teorema de Siegel–Tatuzawa[editar | editar código-fonte]

Em 1951, T. Tatuzawa demonstrou uma versão 'quase' efetiva do teorema de Siegel,[10] mostrando que para qualquer fixo, se então

com a possível exceção de no máximo um discriminante fundamental. Usando a 'quase efetividade' deste resultado, P. J. Weinberger (1973)[11] mostrou que a lista de Euler de 65 números idôneos está completa com a possível exceção de no máximo um elemento.

Relação com corpos quadráticos[editar | editar código-fonte]

Zeros de Siegel são mais que um problema artificial devido à natureza do argumento para deduzir regiões livres de zeros, e de fato possuem conexões profundas com a aritmética de corpos quadráticos. Por exemplo, a identidade pode ser interpretada como uma formulação analítica da lei da reciprocidade quadrática. A conexão per se entre a distribuição de zeros próximos de s = 1 e aritmética vem mais precisamente da Fórmula do número de classes de Dirichlet:

onde:

  • é o número de classes de ideais de ;
  • é número de raízes da unidade em (D < 0);
  • é a unidade fundamental de (D > 0).

Desta forma, estimativas para o maior zero real de pode ser traduzido em estimativas para (via, por exemplo, o fato de que para ),[12] que por sua vez se tornam estimativas para . Trabalhos clássicos na área tratam estas três quantidades de forma essencialmente intercambiável, apesar de o caso D > 0 trazer complicações adicionais relacionadas à unidade fundamental.

Zeros de Siegel como 'fenômenos quadráticos'[editar | editar código-fonte]

Há um sentido no qual a dificuldade associada ao fenômeno de zeros de Siegel em geral é inteiramente restrita a extensões quadráticas. É uma consequência do Teorema de Kronecker–Weber, por exemplo, que a função zeta de Dedekind de um corpo de números abeliano pode ser escrita como um produto de funções L de Dirichlet.[13] Sendo assim, se possui um zero de Siegel, então existe um subcorpo com tal que possui um zero de Siegel.

Enquanto para o caso não-abeliano pode em geral ser fatorado apenas em termos de funções L de Artin, o mesmo resultado vale:

  • Teorema (Stark, 1974).[14] Seja um corpo de números de grau n > 1. Existe uma constante ( se é normal, caso contrário) tal que, se existe um real no intervalo
com , então existe um subcorpo quadrático tal que . Aqui, denota o discriminante da extensão .

"Zeros de Siegel não existem" para D < 0[editar | editar código-fonte]

Quando lidando com corpos quadráticos, o caso tende a ser mais complicado devido ao comportamento da unidade fundamental. Dessa forma, é comum tratar os casos e separadamente. Muito mais é conhecido para o caso de discriminantes negativos:

Cotas inferiores para h(D)[editar | editar código-fonte]

Em 1918, Hecke mostrou que "zeros de Siegel não existem" para implica que [5] (cf. Problema do número de classe). Isto pode ser estendido para uma equivalência, como é uma consequência do Teorema 3 em GranvilleStark (2000):[15]

onde a soma percorre formas quadráticas binárias reduzidas[16] de discriminante . Usando isso, Granville e Stark mostraram que uma certa versão uniforme da conjectura abc para corpos de números implica "zeros de Siegel não existem" para discriminantes negativos.

Em 1976, D. Goldfeld[17] demonstrou a seguinte cota inferior para , incondicional e efetiva:

Multiplicação complexa[editar | editar código-fonte]

Outra equivalência para "zeros de Siegel não existem" para pode ser dada em termos de cotas superiores para alturas de módulos singulares:

onde:

O número gera o corpo de classe de Hilbert de , que é definido como a sua extensão abeliana não-ramificada maximal.[18] Esta equivalência é uma consequência direta dos resultados em Granville–Stark (2000),[15] e pode ser vista em C. Táfula (2019)[19].

Uma relação precisa entre alturas e valores de funções L foi obtida por P. Colmez (1993[20], 1998[21]), que demonstrou que, para uma curva elíptica com multiplicação complexa por , tem-se

onde denota a altura de Faltings.[22] Via as relações padrões [23] e ,[24] o teorema de Colmez também fornece uma demonstração para a equivalência acima.

Consequências da existência de zeros de Siegel[editar | editar código-fonte]

Apesar de que espera-se que a Hipótese de Riemann generalizada seja verdadeira, enquanto a conjecture "zeros de Siegel não existem" continua aberta é interessante estudar quais são as consequências de tais contraexemplos severos à hipótese. Outra razão para estudar esta possibilidade é o fato de que a demonstração de certos teoremas incondicionais requerem a divisão em dois casos: primeiro um argumento assumindo zeros de Siegel não existem, e então outro assumindo que zeros de Siegel existem. O exemplo mais famoso de um teorema deste tipo é o Teorema de Linnik sobre o menor número primo numa progressão aritmética.

Listamos alguns exemplos de fatos que seguem da existência de zeros de Siegel.

Infinitude de primos gêmeos[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Primos gêmeos

Um dos resultados mais impressionantes nesta direção é o teorema de 1983 de Heath-Brown[25] que, seguindo Tao,[26] pode ser enunciado como a seguir:

  • Teorema (Heath-Brown, 1983). Pelo menos uma das seguintes afirmações é verdadeira: (1) Zeros de Siegel não existem. (2) Existem infinitos primos gêmeos.

Problema da paridade[editar | editar código-fonte]

O problema da paridade em teoria dos crivos se refere, grosso modo, ao fato de que argumentos de crivos tendem em geral a serem incapazes de distinguir entre inteiros com um número par de divisores primos de inteiros com um número ímpar de divisores primos. Isto causa muitas cotas superiores em estimativas de crivos, como a do crivo linear[27] serem o dobro do esperado. Em 2020, Granville[28] mostrou que assumindo a existência de zeros de Siegel é possível demonstrar que as cotas superiores geral para o problema de crivar intervalos são ótimas, o que significa que, se zeros de Siegel existem, então o fator extra de 2 vindo do fenômeno da paridade não seria puramente uma limitação do método.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b Ver Iwaniec (2006).
  2. Veja Satz 4, §5 de Zagier (1981).
  3. χ (mod q) é par se χ(-1) = 1, e ímpar se χ(-1) = -1.
  4. Grönwall, T. H. (1913). «Sur les séries de Dirichlet correspondant à des charactères complexes». Rendiconti di Palermo (em francês). 35: 145–159 
  5. a b Landau, E. (1918). «Über die Klassenzahl imaginär-quadratischer Zahlkörper». Göttinger Nachrichten (em alemão): 285–295 
  6. Titchmarsh, E. C. (1930). «A divisor problem». Rendiconti di Palermo. 54: 414–429 
  7. Veja o Capítulo 16 de Davenport (1980).
  8. Landau, E. (1936). «Bemerkungen zum Heilbronnschen Satz». Acta Arithmetica (em alemão): 1–18 
  9. Siegel, C. L. (1935). «Über die Klassenzahl quadratischer Zahlkörper» [On the class numbers of quadratic fields]. Acta Arithmetica (em alemão). 1 (1): 83–86. doi:10.4064/aa-1-1-83-86 
  10. Tatuzawa, T. (1951). «On a theorem of Siegel». Japanese Journal of Mathematics. 21: 163–178 
  11. Weinberger, P. J. (1973). «Exponents of the class group of complex quadratic fields». Acta Arithmetica. 22: 117–124 
  12. Veja (11) no Capítulo 14 de Davenport (1980).
  13. Teorema 10.5.25 em Cohen, H. (2007). Number Theory: Volume II: Analytic and Modern Tools. Col: Graduate Texts in Mathematics, Number Theory (em inglês). New York: Springer-Verlag. ISBN 978-0-387-49893-5 .
  14. Lema 8 em Stark, H. M. (1 de junho de 1974). «Some effective cases of the Brauer-Siegel Theorem». Inventiones mathematicae (em inglês). 23 (2): 135–152. ISSN 1432-1297. doi:10.1007/BF01405166 
  15. a b Granville, A.; Stark, H.M. (1 de março de 2000). «ABC implies no "Siegel zeros" for L-functions of characters with negative discriminant». Inventiones mathematicae (em inglês). 139 (3): 509–523. ISSN 1432-1297. doi:10.1007/s002229900036 
  16. Uma forma quadrática ax2 + bxy + cy2 é dita reduzida se: (1) a < ba < c ou (2) 0 ≤ ba = c.
  17. Goldfeld, Dorian M. (1976). «The class number of quadratic fields and the conjectures of Birch and Swinnerton-Dyer». Annali della Scuola Normale Superiore di Pisa - Classe di Scienze (em francês). 3 (4): 623–663 
  18. Teorema II.4.1 em Silverman, Joseph H. (1994), Advanced topics in the arithmetic of elliptic curves, ISBN 978-0-387-94325-1, Graduate Texts in Mathematics, 151, New York: Springer-Verlag .
  19. Táfula, C. (2019). «On Landau-Siegel zeros and heights of singular moduli». arXiv:1911.07215Acessível livremente [math.NT] 
  20. Colmez, Pierre (1993). «Periodes des Varietes Abeliennes a Multiplication Complexe». Annals of Mathematics. 138 (3): 625–683. ISSN 0003-486X. doi:10.2307/2946559 
  21. Colmez, Pierre (1 de maio de 1998). «Sur la hauteur de Faltings des variétés abéliennes à multiplication complexe». Compositio Mathematica (em inglês). 111 (3): 359–369. ISSN 1570-5846. doi:10.1023/A:1000390105495 
  22. Veja o diagrama na subseção 0.6 de Colmez (1993). Há uma pequeno erro de digitação no canto superior direito deste diagrama, que deveria ler "".
  23. Proposição 2.1, Capítulo X de Cornell, G.; Silverman, J. H., eds. (1986). Arithmetic Geometry (em inglês). New York: Springer-Verlag. ISBN 978-0-387-96311-2 
  24. Consequência da equação funcional, onde γ = 0.57721... é a constante de Euler–Mascheroni.
  25. Heath-Brown, D. R. (1 de setembro de 1983). «Prime Twins and Siegel Zeros». Proceedings of the London Mathematical Society (em inglês). s3-47 (2): 193–224. ISSN 0024-6115. doi:10.1112/plms/s3-47.2.193 
  26. «Heath-Brown's theorem on prime twins and Siegel zeroes». What's new (em inglês). 27 de agosto de 2015. Consultado em 13 de março de 2021 
  27. Veja o Capítulo 9 de Nathanson, Melvyn B. (1996). Additive Number Theory The Classical Bases. Col: Graduate Texts in Mathematics (em inglês). New York: Springer-Verlag. ISBN 978-0-387-94656-6 
  28. Granville, A. (2020). «Sieving intervals and Siegel zeros». arXiv:2010.01211Acessível livremente [math.NT] 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]