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Cristo no Monte das Oliveiras

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O Testamento de Heilingenstadt.

Cristo no Monte das Oliveiras (no original em alemão, Christus am Ölberge), opus 85, é um oratório composto por Ludwig van Beethoven para solistas vocais, coro e orquestra.

A composição iniciou em novembro de 1802 e terminou na primavera de 1803. Seu libreto, elaborado pelo poeta Franz Xaver Huber, narra as angústias de Jesus no Jardim das Oliveiras antes da sua prisão e crucificação.[1] Foi estreado no Theater an der Wien em 5 de abril de 1803 e revisado para uma segunda apresentação em 27 de março de 1804.[2] Uma segunda revisão ocorreu para publicação da obra pela editora Breitkopf & Härtel em 1811.[3]

Desde o século XIX a obra tem sido associada ao chamado Testamento de Heilingenstadt, uma carta datada de 6 de outubro de 1802 e endereçada aos seus irmãos Kaspar e Nicolaus, onde o artista, aflito com a progressão da sua surdez, manifesta ter tido intenção de por um fim à própria vida, mas acaba por decidir enfrentar o desafio e superá-lo através da arte, cumprindo o seu destino.[1] O tema do oratório parece ter sido escolhido pela identificação de Beethoven com o Cristo sofredor. Barry Cooper disse que o oratório "é altamente significativo em termos de desenvolvimento espiritual, pois ele corporifica muitas das mesmas emoções de terror, isolamento, luta, medo da morte, amor pela humanidade, desejo de bondade e triunfo final que já eram aparentes em suas cartas para Wegler e Amenda e no Testamento de Heilingenstadt. [4]

Segundo Maynard Solomon, o oratório se insere em uma sequência de composições cujo tema central é a morte de um herói, um componente importante no vocabulário musical do artista e muito presente na música associada à Revolução Francesa. Este ciclo temático inclui a Cantata para a morte do imperador José II; um movimento da sonata para piano op. 26 intitulado "Marcha funeral sobre a morte de um herói"; a sinfonia nº 3 Heroica, composta "para celebrar a memória de um grande homem", a ópera Fidelio e a música de cena para a tragédia Egmont de Goethe. O tema da morte aparece em vários outros trabalhos.[5]

A recepção inicial foi mista. Uma resenha no Zeitung für die Elegante Welt apreciou o geral da composição e elogiou algumas passagens chamando-as de "admiráveis", especialmente a ária do Serafim, que produzia "excelente efeito", mas outra resenha na Freymüthige Blätter considerou-o artificial e carente de expressividade.[6] O próprio autor, anos depois de compô-lo, parecia sentir-se embaraçado com ele, e precisou defendê-lo ao propô-lo para a publicação em 1811 desculpando-se pela sua juventude e pela pressa com que foi escrito, dizendo que se fosse escrever outro o faria de maneira muito diferente. Beethoven, com efeito, tinha pouca experiência com peças vocais de amplas proporções.[7] Segundo o relato de seu amigo e biógrafo Anton Felix Schindler, muitos anos depois Beethoven ainda se culparia por ter tratado o Cristo com excessiva teatralidade.[8] Mas audições seguintes tiveram boa receptividade. Uma apresentação em Milão em 1824 desencadeou "grande sensação", segundo notícia no jornal londrino The Harmonicon,[9] e na década de 1840 nos Estados Unidos foi chamado de "sublime",[10] e peça de "alta inspiração".[11]

O oratório nunca se tornou realmente popular e ainda suscita reações divergentes. Para alguns críticos seu nível estético não se compara ao das suas composições mais famosas. Lewis Lockwood, por exemplo, considera-o em geral competente mas um tanto convencional e pouco imaginativo.[7] Para Jan Caeyers, o sucesso relativamente pequeno do oratório em seu tempo se deve em parte a uma ausência de grandes modelos formais em sua geração em que Beethoven pudesse se inspirar para desenvolver o tema, e também ao tratamento operístico de alguns trechos, considerados indecorosos por parte do público, mas que hoje contribuem para aumentar seu interesse.[12] Na leitura de Cooper, essa mesma ausência de modelos empresta à obra um especial relevo como uma composição profundamente inovadora, movendo-se muito para além do legado deixado por Haydn e Mozart, além de ser significativa também pelas associações com seu drama pessoal e por oferecer um testemunho importante de um processo de mudança de rumos em seu estilo compositivo e em suas aspirações artísticas.[4] Segundo Calvin Stapert o oratório tem sido considerado um retrato da Paixão de Cristo muito mais humano que aquele pintado em outras paixões, como as de Bach.[13]

Referências

  1. a b Jander, Owen. "Echoes of the Heiligenstadt testament in Christ on the Mount of Olives". In: The Beethoven Journal, 2007; 22-23: 17-18
  2. Albrecht, Theodore. Letters to Beethoven and Other Correspondence: 1824-1828. University of Nebraska Press, 1996, p. 177
  3. Forbes, Elliot. Thayer's Life of Beethoven. Princeton University Press, 1967, p. 521
  4. a b Cooper, Barry. Beethoven. Oxford University Press, 2000, pp. 131-132
  5. Solomon, Maynard. Beethoven. Schirmer, 2012
  6. Forbes, p. 330
  7. a b Lockwood, Lewis. Beethoven: The Music and the Life. Norton, 2003, pp. 269-270
  8. "Beethoven's 'Engedi' and Mendelssohn's 'Lobgesang', performed 6th March". Morning Chronicle, 09/03/1844
  9. "Review of Music: Milan". The Harmonicon, nov/1824
  10. "Moscheles' Life of Beethoven". In: North American Review, 1841 (CXIII)
  11. "Biography. Beethoven". In: The Musical Magazine, 10/10/1840
  12. Caeyers, Jan. Beethoven – Der einsame Revolutionär. Beck, 2013, pp. 309–313
  13. Stapert, Calvin. "Images of Christ in Post-Enlightenment Oratorios". In: The Oxford Handbook of Christology. Oxford University Press, 2015, p. 465