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Teatro Lucinda

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Lucinda Simões.

O Teatro Lucinda foi um teatro brasileiro, localizado na Rua do Espírito Santo, 24, hoje Rua Pedro I, no Centro da cidade do Rio de Janeiro.

O teatro se especializou em comédias, revistas musicais, operetas e as chamadas "mágicas", um gênero de teatro fantasioso, mas também apresentava dramas sérios. Além disso, dava espaço para eventos políticos. Foi uma das casas de espetáculo mais populares do Rio de sua época, e no início do século XX ainda estava em atividade.[1][2][3][4]

O fundador do teatro, Furtado Coelho, em 1883

Foi inaugurado em 26 de junho de 1880 por Furtado Coelho,[5] esposo da famosa atriz portuguesa Lucinda Simões, e batizado em sua homenagem. Sua capacidade era de cerca de 650 lugares, distribuídos em 13 camarotes, 306 cadeiras na plateia, 96 lugares nas galerias nobres e 200 nas gerais.[6] O edifício era despretensioso e pouco se parecia com um teatro convencional. Sua entrada era estreita e inconspícua, e conduzia, através de um comprido jardim povoado de botequins e barracas, até a plateia. O interior, porém, tinha elegância. Na altura dos camarotes, pelo lado de fora, corria uma varanda aberta, com mesas e cadeiras.[7]

Furtado se notabilizou como empresário dinâmico e grande ator, sendo um dos pioneiros na introdução de uma tendência naturalista no teatro brasileiro, e não por acidente fez inaugurar a casa com a récita de Teresa Raquin de Zola, desencadeando polêmica. Já Lucinda se tornou uma das atrizes favoritas do público pela sensibilidade das suas interpretações,[8][9] sendo elogiada até por Eleonora Duse, que a viu no mesmo teatro representar o papel de "Suzanne d'Ange" em Demi-monde, de Dumas Filho.[10] Em 8 de abril de 1882 a Companhia de Variedades assumiu a direção do teatro e mudou seu nome para Teatro Novidades, mas a direção voltou em 1884 para Furtado, que lhe devolveu o nome original.[11]

Em junho de 1885 o imperador Dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina deram a graça de sua presença assistindo a uma "Festa Artística" organizada pela companhia de Furtado, descrita por Artur Azevedo: "Bonita sala, palavra de honra! Convidados escolhidos a dedo. A alta sociedade perfeitamente representada. Suas Majestades no seu camarote, acompanhadas dos respectivos semanários, do médico do paço e da indefectível dama de honor". Na temporada de 1886 foram contratados como residentes da Corte. Neste período, várias outras companhias deram temporadas no Lucinda.[12]

Em 1887, segundo Taveira, passou a denominar-se Teatro Éden Dramático, mas fontes posteriores a esta data ainda o chamam de Lucinda.[6] A direção foi confiada a Xisto Bahia, que deu mais cuidado ao repertório e foi responsável pela instalação da iluminação elétrica, sendo o primeiro teatro do Brasil a receber tal equipamento.[13] Artur Azevedo trabalhou em íntima associação com a casa e ali estreou várias de suas peças, como O Liberato,[14] O Bilontra[15] e Mercúrio.[16] O Lucinda também foi o palco da estreia de uma das mais aclamadas peças do final do século, Tim Tim por Tim Tim, da companhia Souza Bastos.[17]

No fim do século XIX o teatro nacional estava descobrindo os encantos de uma cenografia mais elaborada, capaz de produzir efeitos surpreendentes através de novos maquinismos, e apreciava cenários feéricos, de grande impacto visual, como os produzidos pelos italianos Coliva e Carrancini, entre os mais famosos cenógrafos da época, e que trabalharam também para o Lucinda. Para grande parte do Brasil, o teatro se tornara o mais concorrido entretenimento público, com predomínio dos gêneros cômico e musical, os que logo caíram na preferência do público. Para eles acorria tanto povo quanto elite, e os teatros mais sofisticados no Rio receberam a visita frequente da família imperial e outras personalidades num desfile de trajes elegantes, tornando-se locais da moda. As peças apresentadas pelas várias companhias em atividade no Rio, bem como as encenações propriamente ditas, não raro suscitavam vivos debates na imprensa, num clima de competição e entusiasmo, atestando a enorme receptividade desta arte naquele momento histórico.[18][19][20][21] Uma crônica de 1886 descreve a estreia da revista musical O Bilontra:

Apresentação alegórica no Teatro Lucinda em 13 de maio de 1902, comemorando a abolição da escravatura no Brasil
"Não causará espanto se dissermos que o Lucinda apresentava anteontem um aspecto de deslumbramento festivo; camarotes, varandas, cadeiras estavam literalmente cheios do que de melhor encerra a sociedade fluminense; não só no jardim, mas nos corredores do teatro, havia uma massa compacta de povo, que se aglomerava numa promiscuidade original, ansioso, sôfrego por ver o Bilontra, .... escrita pelo nosso colega Artur Azevedo e pelo Dr. Moreira Sampaio, os iniciadores, entre nós, deste gênero de peças, que parecem fadadas a grande popularidade, para regalo do público e felicidade dos empresários".[22]

Mas também esses eventos eram alvo de sátiras, como a que segue, de Olavo Bilac, publicada na revista A Bruxa, e que descrevia sua visão sobre alguns dos teatros mais conhecidos em seu tempo:[23]

"Fui ao jardim do Apolo ao jardim do Recreio
E ao do Lucinda. Vi moças de farto seio;
Vi senhores de olhar cúpido e ardente; vi
Tanta gente passar, às tontas por ali!
Vi namoro, e chalaça, e farsas, e bebidas,
E mais nada..." [23]

O movimento da casa atraía, adicionalmente, bêbados e prostitutas, que circulavam pela redondeza e nos barracões e botequins que haviam sido construídos em frente ao edifício principal.[23] Rui Barbosa deu uma conferência sobre abolicionismo no teatro em 7 de novembro de 1884, Comemoração da Lei Rio Branco (de 28.09.1871), quando acusou o imperador de sabotar o progresso do movimento.[24] Ali se enfrentaram em um acalorado debate Silva Jardim e José do Patrocínio, disputando sobre os sistemas de governo republicano e monárquico,[25] e em agosto de 1888 Silva Jardim deu uma conferência buscando conciliar monarquistas e republicanos que comemoravam o regresso do imperador à cidade, mas que degenerou em um tumulto que extravasou o teatro, produziu pessoas feridas e quase acabou em quebra-quebra pelas ruas próximas.[26] O I Congresso Operário Brasileiro foi encerrado no Teatro Lucinda em 22 de abril de 1906, ao som de A Internacional.[27]

As primeiras apresentações do cinematógrafo no Brasil aconteceram também ali. Entre 14 a 20 de janeiro de 1897 o lusitano Aurélio Paz dos Reis apresentou o seu "Kinematógrafo Portuguez", mostrando vistas de Portugal e episódios da vida portuguesa.[28] Em 15 de julho de 1897 outro cinematógrafo, trazido da Europa pela atriz Apolônia Pinto e seu esposo, Germano Silva, fez projeções em meio a um espetáculo de variedades em que se incluíam animais amestrados.[29]

Referências

  1. Costa-Lima Neto, Luiz. "O teatro das contradições: o negro nas atividades musicais nos palcos da corte imperial durante o século XIX". In: Opus, Goiânia, v. 14, n. 2, dez. 2008, pp. 48; 52-53; 58
  2. Freire, Vanda Lima Bellard et al. "A Mágica nos Teatros Cariocas, segundo a Visão da Imprensa (1880-1920)". In: Anais do XVII Congresso da Anppom. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 27 a 31 agosto de 2007
  3. Nascimento, José Leonardo do. "O Primo Basílio na cena teatral brasileira". In: Pro-Posições, v. 17, n. 3 (51) - set./dez. 2006, p. 87
  4. Silva (2011a), Ezequiel Gomes da. "De Palanque": as crônicas de Artur Azevedo no Diário de notícias (1885-1886). Cultura Acadêmica, 2011, p. 40
  5. Faria, João Robert. A Recepção de Zola e do Naturalismo nos Palcos Brasileiros. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, s/d., p. 2
  6. a b Taveira, Leonardo Mesquita. A música no teatro de revista como ferramenta didática no ensino do canto em português: uma sugestão pedagógica. TCC de Educação Artística – Licenciatura Plena com habilitação em Música. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. 2006, p. 15
  7. Theatro Lucinda. Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro - Centro de Pesquisa e Informação de Assuntos Educacionais, Fundação MUDES
  8. Magaldi, Sábato & Vargas, Maria Thereza. Cem Anos de Teatro em São Paulo. Senac, 2000, pp. 15-16
  9. Braz, Carlos Henrique. "Traídos pelo remorso", Veja Rio, 05 de Outubro de 2011
  10. Silva (2011a), pp. 175-176
  11. Teatro Novidades. Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro - Centro de Pesquisa e Informação de Assuntos Educacionais, Fundação MUDES
  12. Silva (2011a), pp. 57-58; 62; 83; 90; 175-176; 397
  13. Lisboa Junior, Luiz Américo. "Xisto Bahia: o mais importante artista baiano do século XIX". In: Anais do II Encontro Estadual de História ANPUH-BA. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2004. s/pp
  14. Lopes, Antonio Herculano & Lanzarini, Julia. "Abolição e teatro: sobre as dificuldades de representação da escravidão no palco". In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011, p. 5
  15. Silva (2011b), Ezequiel Gomes da. "Uma francesa na terra dos papagaios: Sarah Bernhardt no Brasil (1886)". In: Ecos, Edição nº 010 - Julho 2011, p. 53
  16. Arthur Azevedo e sua Obra. Memória de Leitura - Unicamp
  17. Souza, Maria Cristina de. "O Teatro de Revista no Brasil (O samba-cancã ou a história do espetáculo)". In: Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas. Ceart - Udesc, nº 8, nov. 2004, p. 84
  18. Faria, João Roberto. "Um Sólido Panorama do Teatro". In: Revista USP, n. 44, dezembro/fevereiro 1999-2000, pp. 345-346
  19. Prado, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. EdUSP, 1999, pp. 105; 155
  20. Magaldi, Sábato & Vargas, Maria Thereza. Cem Anos de Teatro em São Paulo. Senac, 2000, p. 22
  21. Silva (2011a), pp. 33-34; 112-113; 123-124
  22. Silva (2011a), p. 87
  23. a b c Simões Junior, Alvaro Santos. A Sátira do Parnaso: Estudo da Poesia Satírica de Olavo Bilac Publicada em Periódicos de 1894 a 1904. UNESP, 2007, p. 254-255
  24. Magalhães, Rejane M. Moreira de A. As ideias abolicionistas de Rui. Palestra proferida na formatura do Curso de Especialização em Direito Penal da Faculdade de Direito da UFG, em 5 de dezembro de 1997. Fundação Casa de Rui Barbosa
  25. Polito, Reinaldo. "Embate entre dois maçons". Araraquara.com, 28 de Agosto de 2011
  26. Coelho Neto, Henrique Maximiano. Discurso de Recepção ao Acadêmico Mário de Alencar. Academia Brasileira de Letras
  27. Lopes, Milton. Memória Anarquista do Centro Galego do Rio de Janeiro (1903-1922). BPI – Biblioteca Pública Independente / COMPA – Coletivo Mineiro Popular Anarquista, s/d., s/pp
  28. Costa, Fernando Morais da. "Primeiras tentativas de sonorização no cinema brasileiro (os cinematógrafos falantes - 1902 – 1908)". In: Anais do XXIII Simpósio Nacional de História – História: guerra e paz. Londrina: ANPUH, 2005
  29. Matos, Marcos Fábio Belo. "De Paris a São Luís: o percurso do cinema". In: Anais do I Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho: Mídia Brasileira - 2 séculos de história. Rio de Janeiro, 1º a 5 de junho de 2003, pp. 9-10