Abba Arika

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Abba Arika
Biografia
Nascimento
Morte
Sepultamento
Atividades
rabino
Amoraim da Babilônia
Pai
Aivu (d)
Outras informações
Área de trabalho
Religão
estudantes
Judá, o Príncipe
Hiyya, o Grande (en)
Superiores
Rav Huna (en)
Judah ben Ezekiel (en)

Vista da sepultura.

AcharonímRishonimGueonimSavoraítaAmoraítaTanaítaZugot

Rav Abba bar Aybo (רַב אַבָּא בַּר אִיבּוֹ: aramaico talmúdico; 175−247 EC), comumente conhecido como Abba Arika (אַבָּא אריכא)[1] ou simplesmente Rav (רַב), foi um judeu amoraíta do século III. Nasceu e viveu em Kafri, Assuristão, no Império Sassânida.

Em Sura, Arika iniciou o estudo sistemático das tradições rabínicas, que, usando a Mishná como texto fundamental, levou à compilação do Talmude.[2] Com ele começou o longo período de ascendência das prestigiadas academias talmúdicas na Babilônia[3] por volta do ano 220. No Talmude, ele é frequentemente associado a Samuel de Neardeia, um colega amoraíta com quem debateu muitas questões.

Biografia[editar | editar código-fonte]

O seu sobrenome, “Arika” (em português: o Alto,[4] deveu-se à sua altura, que excedia a de seus contemporâneos.[5][6] Outros dizem que a grafia correta é “Areka”, por considerá-lo um título honorário, “Palestrante”.[7][6] Na literatura tradicional, ele é chamado quase que exclusivamente de Rav, “o Mestre” (tanto seus contemporâneos quanto a posteridade que reconhecem nele um mestre), assim como seu professor, Judá, o Príncipe, era conhecido simplesmente como Rabi. Ele é chamado de Rabi Abba apenas na literatura tanaíta,[8][6] onde vários de seus ditos foram preservados. Ele ocupa uma posição intermediária entre os tanaítas e os amoraítas, e lhe é concedido o direito, raramente concedido a alguém que é apenas um amoraíta, de contestar a opinião de um tanaíta.[9][6]

Rav era descendente de uma distinta família babilônica que afirmava ter sua origem em Simei, irmão do rei Davi.[10][6] Seu pai, Aibo, era irmão de Chiya, o Grande, que viveu na Palestina e era um acadêmico altamente estimado no círculo colegiado do patriarca Judá, o Príncipe. Em suas associações na casa de seu tio e, mais tarde, como discípulo de seu tio e como membro da academia em Séforis, Rav adquiriu tal conhecimento da tradição que o tornou seu principal expoente em sua terra natal. Enquanto Judá, o Príncipe ainda vivia, Rav, tendo sido ordenado como professor (com certas restrições[11]), retornou ao Assuristão, referido como “Babilônia” nos escritos judaicos, onde imediatamente iniciou uma carreira, que estava destinada a marcar uma época no desenvolvimento do judaísmo babilônico.[6]

Nos anais das escolas babilônicas, o ano de sua chegada é registrado como o ponto de partida na cronologia da era talmúdica. Foi o 530.º ano da era selêucida e o 219.º ano da Era Comum. Como cenário de sua atividade, Rav escolheu primeiramente Neardeia, onde o exilarca (governante do povo hebreu no exílio) o nomeou agorânomo, ou mestre-do-mercado, e Rabi Chila o nomeou professor (amoraíta) de sua faculdade.[12][6] Depois ele se mudou para Sura, no rio Eufrates, onde fundou sua própria escola, que logo se tornou o centro intelectual dos judeus babilônicos. Como renomado professor da Lei e com muitos discípulos, vindos de todas as partes do mundo judaico, Rav viveu e trabalhou em Sura até sua morte. Samuel de Neardeia, outro discípulo de Judá, o Príncipe, ao mesmo tempo, trouxe à academia de Neardeia um alto grau de prosperidade; de fato, foi na escola de Rav que o aprendizado judaico na Babilônia encontrou seu lar e centro permanentes. A atividade de Rav tornou a Babilônia independente da Palestina e deu a ela a posição predominante, que estava destinada a ocupar por vários séculos.[6]

Pouco se sabe sobre a vida pessoal de Rav. Parece provável que ele fosse rico, por parecer ter se ocupado por um tempo com o comércio e, depois, com a agricultura.[13][6] Ele é mencionado como filho de nobres,[14] mas não está claro se esse é um termo carinhoso ou uma descrição verdadeira de seu posição. Rashi nos diz que ele está sendo descrito como o filho de grandes homens. Ele era altamente respeitado pelos gentios e também pelos judeus da Babilônia, conforme demonstrado pela amizade que existia entre ele e o último imperador parta, Artabano IV.[15][6] Ele foi profundamente afetado pela morte de Artabano em 226 e pela queda dos governantes partas, e não parece ter procurado a amizade de Artaxes I, fundador do Império Sassânida, embora Samuel de Neardeia provavelmente o tenha feito.[6]

Rav tornou-se íntimo, por meio do casamento de uma de suas filhas, à família do exilarca. Seus filhos, Ukban ben Nehmiah e Neemias, foram considerados pessoas da mais alta aristocracia. Rav teve muitos filhos, vários dos quais são mencionados no Talmude, sendo o mais ilustre, o mais velho, Chiya. No entanto, Chiya não sucedeu seu pai como diretor da academia: esse cargo ficou com o discípulo de Rav, Rav Huna. Dois de seus netos ocuparam sucessivamente o cargo de exilarca.[16][6]

Rav morreu em idade avançada, profundamente lamentado por numerosos discípulos e por todo o judaísmo da Babilônia, que ele havia elevado de uma comparativa insignificância à posição de liderança no judaísmo.[17][6]

Legado[editar | editar código-fonte]

O método de tratamento do material tradicional ao qual o Talmude deve sua origem foi estabelecido na Babilônia por Rav. Esse método toma a Mishná de Judá, o Príncipe como texto ou base, acrescentando a ela outras tradições tanaíticas e derivando de todas elas as explicações teóricas e aplicações práticas da lei religiosa. As opiniões legais e rituais registradas em nome do Rav e suas disputas com Samuel constituem o corpo principal do Talmude Babilônico. Seus inúmeros discípulos — alguns dos quais eram muito influentes e que, em sua maioria, também eram discípulos de Samuel — ampliaram e, em sua capacidade de instrutores e por meio de suas discussões, continuaram o trabalho de Rav. Nas escolas da Babilônia, Rav era corretamente chamado de “nosso grande mestre”. Rav também exerceu uma grande influência positiva sobre as condições morais e religiosas de sua terra natal, não apenas indiretamente, por meio de seus discípulos, mas diretamente, devido ao rigor com que reprimia os abusos em questões de casamento e divórcio e denunciava a ignorância e a negligência em questões de observância ritual.[6]

Rav, diz a tradição, encontrou um campo aberto e negligenciado e o cercou.[18][6]

Ensinamentos[editar | editar código-fonte]

Ele deu atenção especial à liturgia da sinagoga.[6] A oração Aleinu apareceu pela primeira vez no manuscrito da liturgia do Rosh Hashaná de Rav. Ele a incluiu no serviço mussaf do Rosh Hashaná como um prólogo para a parte da Realeza do Amidá. Por essa razão, alguns atribuem a Rav a autoria, ou pelo menos a revisão, da Aleinu.[19] Nessa nobre oração são evidenciados um profundo sentimento religioso e um pensamento elevado, bem como a capacidade de usar a língua hebraica de maneira natural, expressiva e clássica.[20][6]

Os muitos ditos homiléticos e éticos registrados sobre ele demonstram capacidade semelhante. O maior agadista entre os amoraítas babilônicos, ele é o único entre eles cujas declarações agadistas se aproximam em número e conteúdo das dos hagadistas palestinos. O Talmude de Jerusalém preservou muitos de seus pronunciamentos haláquicos e agádicos; e os Midrashim palestinos também contêm muitos de seus aggadot. Rav fazia discursos homiléticos, tanto no beth midrash quanto nas sinagogas. Ele gostava especialmente de discutir em suas homilias, os eventos e personagens da história bíblica; e muitos embelezamentos belos e genuinamente poéticos do registro bíblico, que se tornaram propriedade comum do Agadá, são criações suas. Seu Agadá é particularmente rico em pensamentos sobre a vida moral e as relações dos seres humanos entre si.[6] Alguns desses ensinamentos podem ser citados aqui:

  • “Os mandamentos da Torá foram dados apenas para purificar a moral dos homens”[21]
  • “Tudo o que não pode ser feito adequadamente em público é proibido, mesmo no aposento mais secreto.”[22]
  • “No futuro, uma pessoa fará um julgamento e prestará contas de tudo o que seus olhos viram e ela não comeu.”[23]
  • “Quem não tem piedade de seu semelhante não é filho de Abraão.”[24]
  • “É melhor se lançar em uma fornalha ardente do que envergonhar publicamente o próximo.”[25]
  • “Nunca se deve prometer casamento com uma mulher sem tê-la visto; pode-se, posteriormente, descobrir nela um defeito pelo qual se pode detestá-la e, assim, transgredir o mandamento: 'Amarás o teu próximo como a ti mesmo'”.[26]
  • “Um pai nunca deve preferir um filho a outro; o exemplo de José mostra as más consequências que podem resultar.”
  • “Enquanto as tâmaras ainda estiverem nas bordas de sua saia, fuja com elas para a destilaria!” [Ou seja, antes de desperdiçar o que tem, que o converta em algo mais produtivo][27]
  • “Receba o pagamento. Entregue a mercadoria!” [ou seja, não venda a crédito][28]
  • “[É melhor ficar sob o desagrado de Ismael (isto é, dos árabes) do que [o desagrado de] Roma; [é melhor ficar sob o desagrado de Roma do que [o desagrado de] um persa; [é melhor ficar sob o desagrado de um persa do que [o desagrado de] um discípulo dos Sábios; [é melhor ficar sob o desagrado de um discípulo dos Sábios do que [o desagrado de] um órfão e uma viúva.”[29]
  • “Um homem deve sempre se ocupar com as palavras da Lei e com os mandamentos, mesmo que não seja por causa deles. Pois, no final, ele o fará por causa deles.”[30]
  • “Um homem deve sempre procurar uma [boa] cidade cujo assentamento é recente, considerando que, como seu assentamento é [relativamente] novo, suas iniquidades também são poucas.”[31]
  • “Um discípulo dos Sábios deve ter em si um oitavo de um oitavo de orgulho, [e não mais].”[32]

Rav adorava o Livro do Eclesiástico (Sirácida) e advertiu seu discípulo Hamnuna Saba contra o ascetismo injustificável, citando seu conselho de que, considerando a transitoriedade da vida humana, não se deve desprezar as coisas boas deste mundo.[33]

Ele costumava se referir às alegrias celestiais do futuro com as seguintes palavras poéticas:[6]

Nada na Terra se compara à vida futura. No mundo vindouro não haverá comer, nem beber, nem comércio, nem trabalho, nem ódio, nem inveja; mas os justos se sentarão com coroas sobre suas cabeças e se regozijarão no brilho da Presença Divina.

 [34]

O Rav também dedicou muita atenção às especulações místicas e transcendentais com relação a Maaseh Bereshit, Maaseh Merkabah e o Nome Divino. Muitas de suas importantes declarações atestam sua tendência nessa direção.[35][36]

Referências

  1. Sherira Gaon (1988). The Iggeres of Rav Sherira Gaon (em inglês). Jerusalém: Rabbi Jacob Joseph School Press - Ahavath Torah Institute Moznaim. p. 96. OCLC 923562173 
  2. Chisholm, Hugh. «'Abba 'Arika». Encyclopædia Britannica (em inglês). 1 1911 ed. Cambridge: Cambridge University Press. p. 8 
  3. Oesterley & Box 1920.
  4. «Chullin 137b:13». www.sefaria.org. Consultado em 5 de março de 2021 
  5. «Niddah 24b:21». www.sefaria.org. Consultado em 5 de março de 2021 
  6. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s (Singer 1901–1906)
  7. Weiss, Dor, 3:147; Jastrow, Dictionary under the word
  8. Por exemplo, Tosefta Beitzah 1:7
  9. Bava Batra 42a e em outros lugares
  10. Sanhedrin 5a; Ketubot 62b
  11. Sanhedrin 5a
  12. Jerusalem Talmud Bava Batra 5 15a; Yoma 20b
  13. Hullin 105a
  14. Shabbat 29a
  15. Avodah Zarah 10b
  16. Hullin 92a
  17. Shabbat 110a, Mo'ed Katan 24a
  18. Hullin 110a
  19. Jacobson, B.S., The Weekday Siddur: An Exposition and Analysis of its Structure, Contents, Language and Ideas (2nd ed, Tel-Aviv, Sinai Publ'g) p. 307; Nulman, Macy, Encyclopedia of Jewish Prayer (1993, NJ, Jason Aronson) p. 24.
  20. Jerusalem Talmud Rosh Hashanah 1 57a
  21. Genesis Rabbah 44
  22. Shabbat 64b
  23. Talmude de Jerusalém, Kiddushin 4:12
  24. Beitzah 32b
  25. Bava Metzia 59a
  26. Kiddushin 41a
  27. Pesachim 113a
  28. Pesachim 113a
  29. «Shabbat 11a:3». www.sefaria.org. Consultado em 7 de novembro de 2023 
  30. Sanhedrin 105b; Pesahim 50b
  31. Shabbat 10b
  32. Sotah 5a
  33. «Eruvin 54a:5». www.sefaria.org. Consultado em 7 de novembro de 2023 
  34. Berakhot 17a
  35. Hagigah 12a, Kiddushin 71a
  36. Singer 1901–1906.

Fontes[editar | editar código-fonte]

  • Este artigo incorpora texto da Enciclopédia Judaica (Jewish Encyclopedia) (em inglês) de 1901–1906 (artigo "Abba Arika" por Isidore Singer), uma publicação agora em domínio público.
  • Oesterley, W. O. E.; Box, G. H. (1920), A Short Survey of the Literature of Rabbinical and Mediæval Judaism, Nova Iorque, NY: Burt Franklin