Afantasia
Afantasia, também já referida como imaginação cega, é uma condição mental caracterizada pela incapacidade de visualizar voluntariamente imagens mentais.[1] Muitas pessoas com afantasia também relatam uma incapacidade de recordar sons (músicas e vozes), cheiros ou sensações de toque. Alguns também relatam prosopagnosia, a incapacidade de reconhecer rostos.[2] A condição oposta se chama hiperfantasia, caracterizada pelo excesso de imagens mentais.[3]
O fenômeno foi descrito pela primeira vez por Francis Galton em 1880[4] mas desde então permaneceu relativamente pouco estudado. O interesse pelo fenômeno foi renovado após a publicação de um estudo em 2015, conduzido por uma equipe liderada pelo professor Adam Zeman, da Universidade de Exeter,[5] que também cunhou o termo aphantasia.[6] A pesquisa sobre a condição ainda é escassa.[7][8] O estudo estima que cerca de 2,5% da população tenha o problema.[9]
O termo "afantasia" é derivado da palavra grega phantasia, que se traduz em "imaginação", e o prefixo "a-", que significa "sem".[10]
História
[editar | editar código-fonte]O fenômeno foi descrito pela primeira vez por Francis Galton em 1880 em um estudo estatístico sobre imagens mentais, descrevendo-o como um fenômeno comum entre seus pares:[4]
"Para meu espanto, descobri que a grande maioria dos homens da ciência aos quais apliquei pela primeira vez protestou que as imagens mentais eram desconhecidas para eles, e eles olharam a mim como fantasioso e fantástico ao supor que as palavras 'imagens mentais' realmente expressavam o que eu acreditava que todos supunham que elas diziam. Eles não tinham mais noção de sua verdadeira natureza do que um daltônico que não percebeu seu defeito tem da natureza da cor".
O primeiro relato de caso foi coletado pelos médicos franceses Charcot e Bernard em 1883, do chamado "Monsieur X":[11]
"Minha esposa tem cabelos escuros, disso eu tenho certeza absoluta. É completamente impossível para mim recordar essa cor em minha memória, bem como imaginar seus traços"
No entanto, permaneceu praticamente sem estudo até 2005, quando o professor Adam Zeman, da Universidade de Exeter, foi abordado por MX, um homem que parecia ter perdido a capacidade de visualizar depois de passar por uma pequena cirurgia.[12] Após a publicação do caso da MX em 2010,[13] Zeman foi abordado por várias pessoas que relataram uma incapacidade ao longo da vida para visualização. Em 2015, a equipe de Zeman publicou um artigo sobre o que eles chamaram de "afantasia congênita"[5] despertando um interesse renovado no fenômeno agora conhecido simplesmente como afantasia.[6] A hipótese de Zeman, Dewar e Della Sala (2015) para uma causa genética não parece ser corroborada por alguns históricos familiares e testemunhos, incluindo de evento traumático na infância, e outra hipótese também considerada é a de Vito e Bartolomeu (2016) para a possibilidade de causa psicológica.[14][11]
Indivíduos afantásicos relatam pensar "em conceitos". Mesmo na ausência de imaginação visual, a memória visual é preservada, não possuindo limitações por exemplo no reconhecimento de rostos. Tarefas de memória pictorial são executadas sem prejuízo, o que parece indicar, em contraposição ao imagismo humeano ou hipóteses de base pictorialista para o funcionamento da mente, que proposições extraídas das informações sensórias para o processo cognitivo não dependem exclusivamente de imagens. Uma característica indicada nos testemunhos é de que possuem pouca habilidade de desenho, semelhante ao nível infantil, e uma dificuldade de entender descrições em histórias; a única diferença qualitativa dos relatos é de uma ausência de experiência fenomênica e de emoções na recordação de memórias.[11]
Em abril de 2016, Blake Ross, co-criador do Firefox, publicou um ensaio descrevendo sua própria afantasia e sua percepção de que nem todo mundo a experiencia.[15] O ensaio ganhou ampla circulação nas mídias sociais e em uma variedade de fontes de notícias.[16][17]
Em maio de 2018, em colaboração com Zeman, a Aphantasia Network foi lançada para criar uma comunidade de pessoas explorando a vida com afantasia e compartilhar histórias e estratégias para aprender mais sobre seus impactos.[18]
Avaliação
[editar | editar código-fonte]No artigo original[5] do professor Adam Zeman, o Vividness of Visual Imagery Questionnaire (VVIQ) é usado para avaliar a qualidade da imagem mental de 21 participantes auto-diagnosticados e auto-selecionados. Este questionário convida a pessoa a visualizar uma série de imagens (um parente, um sol nascente, uma loja que eles conhecem etc.) e classificar o quão vívida é a imagem, de "perfeitamente clara e animada como a visão real" (5 pontos) a "nenhuma imagem, você só sabe que está pensando no objeto" (1 ponto). É classificado como afantasia se eles obtiverem um total de 20 ou menos em 16 perguntas.[19]
Pesquisa
[editar | editar código-fonte]O artigo de Zeman identificou que a afantasia caracteriza apenas visualizações voluntárias; os afantásicos ainda eram capazes de ter visualizações involuntárias (isto é, sonhos).[5]
Outro estudo postulou que o engajamento frontal direcionando as conexões de retroalimentação ativa as representações sensoriais no córtex visual; pessoas com afantasia podem ter um déficit nessas conexões retroalimentativas, de modo que o córtex visual não possa ser ativado para produzir uma imagem.[20]
Um estudo de 2020 concluiu que aqueles que experimentam afantasia também experimentam imagens reduzidas em outros sentidos e têm memórias autobiográficas menos vívidas.[21]
Além da afantasia congênita, foram relatados casos de afantasia adquirida, devido a lesão cerebral ou causas psicológicas.[14][22]
Pessoas notáveis com afantasia
[editar | editar código-fonte]- Ed Catmull, co-fundador da Pixar e ex-presidente do Walt Disney Animation Studios. Catmull pesquisou 540 colegas da Pixar sobre sua visualização mental e descobriu que os gerentes de produção tendiam a ter visualizações mais fortes do que os artistas.[23]
- Derek Parfit, filósofo britânico. Sua afantasia pode ter influenciado seu longo interesse pela fotografia.[24][25]
- Blake Ross, co-criador do navegador Mozilla Firefox.[26]
- Richard Herring, comediante e podcaster britânico.[27]
- Yoon Ha Lee, autor de ficção científica.[28]
- Michelle Sagara, autora de fantasia.[29]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Larner, A. J. (2016). A Dictionary of Neurological Signs. Springer (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 29–30. ISBN 978-3319298214. Cópia arquivada em 24 de dezembro de 2016
- ↑ Kendle, Alan (2017). Aphantasia: Experiences, Perceptions, and Insights. Dark River. p. 11,17.
- ↑ Zeman, Adam (Setembro de 2020). «Phantasia–The psychological significance of lifelong visual imagery vividness extremes». Science Direct. Consultado em 18 de outubro de 2021
- ↑ a b Galton, Francis (19 de julho de 1880). «Statistics of Mental Imagery». Mind. os–V (19): 301–318. doi:10.1093/mind/os-V.19.301. Cópia arquivada em 16 de abril de 2016
- ↑ a b c d Zeman, Adam; Dewar, Michaela; Della Sala, Sergio (3 de junho de 2015). «Lives without imagery – Congenital aphantasia» (PDF). Cortex. 73: 378–380. ISSN 0010-9452. PMID 26115582. doi:10.1016/j.cortex.2015.05.019
- ↑ a b Gallagher, James (26 de agosto de 2015). «Aphantasia: A life without mental images». BBC News Online. Cópia arquivada em 26 de agosto de 2015
- ↑ Zimmer, Carl (22 de junho de 2015). «Picture This? Some Just Can't». The New York Times. ISSN 0362-4331. Cópia arquivada em 23 de junho de 2015
- ↑ Grinnell, Dustin (20 de abril de 2016). «My mind's eye is blind – so what's going on in my brain?». New Scientist. Cópia arquivada em 18 de setembro de 2016
- ↑ Muniz, Camilla. «Afantasia, a incapacidade de visualizar imagens na mente, atinge cerca de 2,5% da população». Extra Online. Consultado em 24 de julho de 2020
- ↑ Clemens, Anna (1 de agosto de 2018). «When the Mind's Eye is Blind». Scientific American
- ↑ a b c Humbert-Droz, Steve (15 de novembro de 2018). «Aphantasia and the Decay of Mental Images». In: Cova, Florian; Réhault, Sébastien. Advances in Experimental Philosophy of Aesthetics (em inglês). [S.l.]: Bloomsbury Publishing
- ↑ «You might not be able to imagine things, and not know it». The Independent. 25 de abril de 2016. Consultado em 16 de dezembro de 2016. Cópia arquivada em 20 de dezembro de 2016
- ↑ Zeman, Adam Z. J.; Della Sala, Sergio; Torrens, Lorna A.; Gountouna, Viktoria-Eleni; McGonigle, David J.; Logie, Robert H. (2010). «Loss of imagery phenomenology with intact visuo-spatial task performance: A case of 'blind imagination'». Neuropsychologia. 48 (1): 145–155. PMID 19733188. doi:10.1016/j.neuropsychologia.2009.08.024
- ↑ a b de Vito, Stefania; Bartolomeo, Paolo (janeiro de 2016). «Refusing to imagine? On the possibility of psychogenic aphantasia. A commentary on Zeman et al. (2015)». Cortex; a Journal Devoted to the Study of the Nervous System and Behavior. 74: 334–335. ISSN 1973-8102. PMID 26195151. doi:10.1016/j.cortex.2015.06.013
- ↑ «Aphantasia: How It Feels To Be Blind In Your Mind | Facebook». www.facebook.com
- ↑ Cabral-Isabedra, Catherine (27 de abril de 2016). «Mozilla Firefox Co-Creator Says He Can't Visualize Images: What You Need To Know About Aphantasia». Tech Times
- ↑ Clemens, Anna (1 de agosto de 2018). «When the Mind's Eye Is Blind». Scientific American
- ↑ «The Aphantasia Network». aphantasia.com. 4 de setembro de 2017
- ↑ «Vividness of Visual Imagery Quiz». The Aphantasia Network. 23 de junho de 2019
- ↑ Keogh, Rebecca; Pearson, Joel (agosto de 2018). «The blind mind: No sensory visual imagery in aphantasia» (PDF). Cortex. 105: 53–60. PMID 29175093. doi:10.1016/j.cortex.2017.10.012. Cópia arquivada (PDF) em 16 de março de 2019 – via Elsevier Science Direct
- ↑ Dawes, Alexei J.; Keogh, Rebecca; Andrillon, Thomas; Pearson, Joel (22 de junho de 2020). «A cognitive profile of multi-sensory imagery, memory and dreaming in aphantasia». Scientific Reports (em inglês). 10 (1): 1–10. ISSN 2045-2322. doi:10.1038/s41598-020-65705-7
- ↑ Zeman, Adam; Dewar, Michaela; Della Sala, Sergio (janeiro de 2016). «Reflections on aphantasia». Cortex. 74: 336–337. PMID 26383091. doi:10.1016/j.cortex.2015.08.015
- ↑ Gallagher, James (9 de abril de 2019). «Aphantasia: Ex-Pixar chief Ed Catmull says 'my mind's eye is blind'». BBC News. Cópia arquivada em 9 de abril de 2019
- ↑ Appleyard, Bryan (6 de junho de 2018). «Derek Parfit's quest for perfection». NewStatesman (em inglês)
- ↑ MacFarquhar, Larissa (29 de outubro de 2011). «How To Be Good». The New Yorker (em inglês)
- ↑ Cabral-Isabedra, Catherine (27 de abril de 2016). «Mozilla Firefox Co-Creator Says He Can't Visualize Images: What You Need To Know About Aphantasia». Tech Times
- ↑ «Warming Up | RichardHerring.com». 8 de fevereiro de 2020
- ↑ «Raven Strategem author Yoon Ha Lee on how his spaceships became bags of holding». SciFiNow (em inglês). 31 de maio de 2017
- ↑ «Aphantasia: when the mental image is missing». Canadian Broadcasting Corporation. 24 de junho de 2016
Leitura adicional
[editar | editar código-fonte]- Kendle, Alan (2017). Aphantasia: Experiences, Perceptions, and Insights. Bennion Kearny Limited. [S.l.: s.n.] ISBN 978-1-911121-42-8 (foreword by Adam Zeman)
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Gallagher, James (11 de abril de 2019). «'De olhos fechados não visualizo nada': criador de método revolucionário de animação 3D não consegue formar imagens mentalmente». BBC News Brasil
- «Aphantasia: When The Mental Image Is Missing». Quirks and Quarks. Episódio Part 1
- «Can you picture things in your head? Well, this guy can't». The Doc Project. Episódio Part 1
- "Aphantasia: Vendo o mundo sem olhos", Tamara Alireza, TEDxGoodenoughCollege