Descolonização

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Impérios coloniais do ocidente, de 1492 até 2008.

A descolonização é o processo de emancipação dos territórios coloniais em relação às metrópoles colonizadoras, conduzindo, em regra, à independência daqueles.[nota 1]

Iniciada em 1775, na América, foi após a Segunda Guerra Mundial que o termo se afirmou, quando o fenómeno assumiu uma escala global com o desenvolvimento dos primeiros nacionalismos emergentes no início do século XX.

A Organização das Nações Unidas criou um contexto favorável à descolonização, tornando-se a plataforma do anticolonialismo militante.[1][2][3]

O Comitê Especial das Nações Unidas sobre Descolonização declarou que no processo de descolonização não há alternativa para o colonizador, a não ser permitir um processo de autodeterminação,[3] mas na prática a descolonização pode envolver tanto uma revolução não-violenta quanto guerras de libertação nacional perpetradas por grupos de independência. Pode ser intramural ou envolver a intervenção de potências estrangeiras agindo individualmente ou através de organismos internacionais, como as Nações Unidas.

Embora exemplos de descolonização possam ser encontrados já nos escritos de Tucídides, houve vários períodos particularmente ativos de descolonização nos tempos modernos. Estes incluem a dissolução do Império Espanhol no século XIX; dos impérios Alemão, Austro-Húngaro, Otomano e Russo após a Primeira Guerra Mundial; dos impérios coloniais Britânicos, Francês, Holandês, Japonês, Português, Belga e Italiano após a Segunda Guerra Mundial; e da União Soviética (sucessora do Império Russo) em 1991, após o fim da Guerra Fria.[4]

A descolonização tem sido usada para se referir ao processo de descolonização intelectual das ideias dos colonizadores que fizeram os colonizados se sentirem inferiores.[5][6][7]

História[editar | editar código-fonte]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Impérios coloniais em 1945.

O crescimento populacional e econômico em vários países da Europa e da Ásia (os mongóis e os japoneses) levou a um tipo de colonização, com o carácter de dominação (e, por vezes, extermínio) de povos que ocupavam territórios longínquos e dos seus recursos naturais, criando grandes impérios coloniais. Um dos aspectos mais importantes desta colonização foi a escravatura, com a “exportação” de uma grande parte da população africana para as Américas, com consequências nefastas, tanto para o continente africano, como para os descendentes dos escravizados, que perduram até hoje.

Esta foi a primeira forma de imperialismo, em que vários países europeus, principalmente Portugal, Espanha, França, a Holanda e a Inglaterra (mais tarde o Reino da Grã-Bretanha), constituíram grandes impérios coloniais abrangendo praticamente todo o mundo. A exploração desenfreada dos recursos dos territórios ocupados, levou a movimentos de resistência dos povos locais e, finalmente à sua independência, num processo denominado descolonização, terminando estes impérios coloniais em meados do século XX.

Américas[editar | editar código-fonte]

Washington atravessando o Rio Delaware, retratado em 1851 por Emanuel Leutze do General, durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos.
Batalha de San Domingo, durante a Revolução Haitiana.
Declaração de independência do Chile, em 18 de fevereiro de 1818.

Começando com o surgimento dos Estados Unidos na década de 1770, a descolonização ocorreu no contexto da história do Atlântico, no contexto das revoluções Americana e Francesa. A descolonização tornou-se um movimento popular em muitas colônias no século XX e uma realidade depois de 1945.[8]

O historiador William Hardy McNeill, em seu famoso livro de 1963, A Ascensão do Ocidente, parece ter interpretado o declínio pós-1945 dos impérios europeus como sendo, paradoxalmente, devido à própria ocidentalização destes lugares, escrevendo que:

Embora os impérios europeus tenham decaído desde 1945 e os Estados-nações separados da Europa tenham sido eclipsados ​​como centros de poder político pela fusão de povos e nações ocorrendo sob a égide dos governos americano e russo, é verdade que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, a luta para imitar e apropriar a ciência, a tecnologia e outros aspectos da cultura ocidental aceleraram-se enormemente em todo o mundo. Assim, o destronamento da Europa ocidental, a partir de seu breve domínio do globo, foi associado (e foi causado por) por uma rápida ocidentalização sem precedentes de todos os povos da Terra.[9]:566

No mesmo livro, McNeill escreveu que "A ascensão do Ocidente, como pretendido pelo título e pelo significado deste livro, só é acelerada quando um ou outro povo asiático ou africano expulsa a administração europeia através de técnicas, atitudes e ideias ocidentais". suficientemente próprios para permitir que o façam ".[9]:807

Revolução Americana[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Revolução Americana

As treze colônias norte-americanas da Grã-Bretanha foram as primeiras a romper com o Império Britânico em 1776 e foram reconhecidas como nação independente pela França em 1778 e Grã-Bretanha em 1783. Os Estados Unidos da América foram o primeiro conjunto de colônias europeias estabelecidas a alcançar a independência e estabelecer-se como uma nação, além de ter sido o primeiro Estado colonizado independente nas Américas.[10][11]

Revolução Haitiana[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Revolução Haitiana

A Revolução Haitiana foi uma revolta de escravos iniciada em 1791 na colônia francesa de Saint-Domingue, na ilha caribenha de Hispaniola. Em 1804, o Haiti assegurou a independência da França como o Império do Haiti, que mais tarde se tornou uma república.[12]

América espanhola[editar | editar código-fonte]

O caos das Guerras Napoleônicas na Europa cortou as ligações diretas entre a Espanha e suas colônias americanas, permitindo que o processo de descolonização começasse em toda a região.[13]

África, Ásia e Oceania[editar | editar código-fonte]

Gandhi em 1947, com o Lorde Louis Mountbatten, último vice-rei da Índia Britânica, e sua esposa, a vice-rainha Edwina Mountbatten.

Durante o século XIX, as potências europeias exploraram exaustivamente os recursos dos continentes africano e asiático. Apesar disso, algumas colónias obtiveram relativo desenvolvimento que, para continuar, exigia a ruptura dos laços coloniais. A Segunda Guerra Mundial, por sua vez, possibilitou aos povos dominados a descoberta da própria força, já que vários deles prestaram auxílio às metrópoles durante o conflito.[14]

Uma das marcas essenciais da conjuntura internacional do pós-guerra foi o surgimento de numerosas nações. Muitas delas se formaram em consequência da luta de povos asiáticos e africanos para se libertarem do domínio imposto pelas potências colonizadoras. Essa nova realidade estimulou os povos dominados a reafirmarem os princípios de dignidade humana e direitos civis: o direito de autodeterminação dos povos, proclamado pela Carta de São Francisco. As novas nações acabaram contando em sua luta com o apoio tanto dos Estados Unidos quanto da União Soviética.

Os caminhos para a conquista da independência, ora pacíficos (a antiga colónia assumia a condição de nação soberana ao receber de forma progressiva concessões pela metrópole), ora violentos (não havia tentativas de abolição progressiva do estatuto colonial e os movimentos de libertação eram reprimidos). Em alguns casos, os países colonizadores, diante de movimento de emancipação irreversível, procuravam preservar as novas nações sob sua influência. A Inglaterra, por exemplo, "promoveu" a descolonização gradual de suas colónias, integrando-as em seu círculo de relações económicas (como aconteceu, entre outros, com a Índia e o Ceilão). Em outros, como a França, a tentativa de neutralizar os movimentos de independência, promovendo reformas económicas e sociais, era rompida à força e o conflito terminava em choques armados (como aconteceu na Indochina e na Argélia).

Animação da independência das nações africanas entre 1950 e 2011.

Quando os estados da Europa no final da Idade Média começaram a "descobrir" a África, encontraram aí reinos ou estados, quer de feição árabe ou islamizados, principalmente no norte e ocidente daquele continente, quer de tradição bantu. Os primeiros contatos entre estes povos não foram imediatamente de dominação, mas de carácter comercial. No entanto, os conflitos originados pela competição entre as várias potências europeias levaram à dominação política desses reinos, que culminou com a partilha do continente pelos estados europeus na Conferência de Berlim, em 1885. No entanto, as duas grandes guerras que fustigaram a Europa durante a primeira metade do século XX deixaram aqueles países sem condições para manterem um domínio económico e militar nas suas colónias. Estes problemas, associados a um movimento independentista que tomou uma forma mais organizada na Conferência de Bandung, levou as antigas potências coloniais a negociarem a independência das colónias.

A descolonização da Oceania deu-se logo após a Segunda Guerra Mundial, que enfraqueceu os países participantes, que ficaram sem recursos suficientes para manter suas colônias, tanto no interior da África quanto na Oceania insular. Outro fator importante é problemas governamentais nas colónias, como no caso do Kiribati foram as disputas territoriais entre o Reino Unido e países que se originaram de ex-colónias britânicas como Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia.[15]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. Diferentes definições podem ser dadas a esse termo, dependendo do ponto de vista: da etimologia, do colonizado ou do colonizador, etc.

Referências

  1. Cf, RIOUX, Jean-Pierre. «Point de vue : la décolonisations, cette histoire sans fin», in Vingtième Siècle : Revue d'Histoire, 2007/4, n.º 96, pp. 225-234.
  2. Hack, Karl (2008). International Encyclopedia of the Social Sciences. Detroit: Macmillan Reference USA. pp. 255–257. ISBN 978-0-02-865965-7 
  3. a b Adopted by General Assembly resolution 1514 (XV) (14 de dezembro de 1960). «Declaration on the Granting of Independence to Colonial Countries and Peoples». The United Nations and Decolonization 
  4. Robert Strayer, “Decolonization, Democratization, and Communist Reform: The Soviet Collapse in Comparative Perspective,” Journal of World History 12#2 (2001), 375–406. online
  5. Pushkala,, Prasad,. Crafting qualitative research : working in the postpositivist traditions. London: [s.n.] ISBN 9781317473695. OCLC 904046323 
  6. Sabrin, Mohammed (2013). «EXPLORING THE INTELLECTUAL FOUNDATIONS OF EGYPTIAN NATIONAL EDUCATION» (PDF). athenaeum.libs.uga.edu/handle/10724/28885 
  7. Walter., Mignolo, (2011). The darker side of Western modernity : global futures, decolonial options. Durham: Duke University Press. ISBN 9780822350606. OCLC 700406652 
  8. David Strang, "Global patterns of decolonization, 1500–1987." International Studies Quarterly (1991): 429–454. online
  9. a b McNeill, William H. (1991). The Rise of the West: A History of the Human Community. [S.l.]: The University of Chicago Press 
  10. Robert R. Palmer, The age of the Democratic Revolution: a political history of Europe and America, 1760–1800 (1965)
  11. Richard B. Morris, The emerging nations and the American Revolution (1970).
  12. Joseph, Celucien L. (2012). «'The Haitian Turn': An Appraisal of Recent Literary and Historiographical Works on the Haitian Revolution». Journal of Pan African Studies. 5 (6): 37–55 
  13. Nicole Bousquet, "The Decolonization of Spanish America in the Early Nineteenth Century: A World-Systems Approach." Review (Fernand Braudel Center) (1988): 497–531. in JSTOR
  14. Arruda, José Jobson de A., e Piletti, Nelson. Toda a História: história geral e história do Brasil, Capítulo 93. Editora Ática. São Paulo (1999)
  15. «Kiribati Island Groups». www.statoids.com. Consultado em 22 de junho de 2021 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

Fontes primárias[editar | editar código-fonte]

  • Le Sueur, James D. ed. The Decolonization Reader (Routledge, 2003)
  • Madden, Frederick, ed. he End of Empire: Dependencies since 1948 : Select Documents on the Constitutional History of the British Empire and Commonwealth - Vol. 1 (2000) online at Questia, 596pp
  • Mansergh, Nicholas, ed. Documents and Speeches on Commonwealth Affairs, 1952-1962 (1963) online at Questia
  • Wiener, Joel H. ed. Great Britain: Foreign Policy and the Span of Empire, 1689-1971: A Documentary History - Vol. 4 (1972) online at Questia 712pp; Covers 1872 to 1968.

Leitura adicional[editar | editar código-fonte]

  • Bailey, Thomas A. A diplomatic history of the American people (1969) online free
  • Betts, Raymond F. Decolonization (2nd ed. 2004)
  • Betts, Raymond F. France and Decolonisation, 1900–1960 (1991)
  • Butler, Larry, and Sarah Stockwell, eds. The Wind of Change: Harold Macmillan and British Decolonization (2013) excerpt
  • Chafer, Tony. The end of empire in French West Africa: France's successful decolonization (Bloomsbury, 2002).
  • Chamberlain, Muriel E. ed. Longman Companion to European Decolonisation in the Twentieth Century (Routledge, 2014)
  • Clayton, Anthony. The wars of French decolonization (Routledge, 2014).
  • Cooper, Frederick. "French Africa, 1947–48: Reform, Violence, and Uncertainty in a Colonial Situation." Critical Inquiry (2014) 40#4 pp: 466–478. in JSTOR
  • Darwin, John. "Decolonization and the End of Empire" in Robin W. Winks, ed., The Oxford History of the British Empire - Vol. 5: Historiography (1999) 5: 541-57. online
  • Grimal, Henri. Decolonization: The British, Dutch, and Belgian Empires, 1919–1963 (1978).
  • Hyam, Ronald. Britain's Declining Empire: The Road to Decolonisation, 1918–1968 (2007) excerpt
  • Ikeda, Ryo. The Imperialism of French Decolonisation: French Policy and the Anglo-American Response in Tunisia and Morocco (Palgrave Macmillan, 2015)
  • Jansen, Jan C. & Jürgen Osterhammel. Decolonization: A Short History (Princeton UP, 2017). online
  • Jones, Max, et al. "Decolonising imperial heroes: Britain and France." Journal of Imperial and Commonwealth History 42#5 (2014): 787–825.
  • Lawrence, Adria K. Imperial Rule and the Politics of Nationalism: Anti-Colonial Protest in the French Empire (Cambridge UP, 2013) online reviews
  • McDougall, James. "The Impossible Republic: The Reconquest of Algeria and the Decolonization of France, 1945–1962," The Journal of Modern History 89#4 (December 2017) pp 772–811 excerpt
  • MacQueen, Norrie. The Decolonization of Portuguese Africa: Metropolitan Revolution and the Dissolution of Empire (1997).
  • Monroe, Elizabeth. Britain's Moment in the Middle East, 1914-1956 (1963) online
  • Rothermund, Dietmar. The Routledge companion to decolonization (Routledge, 2006), comprehensive global coverage; 365pp
  • Rothermund, Dietmar. Memories of Post-Imperial Nations: The Aftermath of Decolonization, 1945–2013 (2015) excerpt; Compares the impact on Great Britain, the Netherlands, Belgium, France, Portugal, Italy and Japan
  • Shepard, Todd. The Invention of Decolonization: The Algerian War and the Remaking of France (2006)
  • Simpson, Alfred William Brian. Human Rights and the End of Empire: Britain and the Genesis of the European Convention (Oxford University Press, 2004).
  • Smith, Simon C. Ending empire in the Middle East: Britain, the United States and post-war decolonization, 1945–1973 (Routledge, 2013)
  • Smith, Tony. "A comparative study of French and British decolonization." Comparative Studies in Society and History (1978) 20#1 pp: 70–102. online
  • Smith, Tony. "The French Colonial Consensus and People's War, 1946–58." Journal of Contemporary History (1974): 217–247. in JSTOR
  • Strayer, Robert. “Decolonization, Democratization, and Communist Reform: The Soviet Collapse in Comparative Perspective,” Journal of World History 12#2 (2001), 375–406. online
  • Thomas, Martin, Bob Moore, and Lawrence J. Butler. Crises of Empire: Decolonization and Europe's imperial states (Bloomsbury Publishing, 2015)
  • White, Nicholas. Decolonisation: the British experience since 1945 (2nd ed. Routledge, 2014) excerpt online