Basílides

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Basílides
Nascimento século II
Alexandria
Morte século II
Ocupação teólogo, professor

Basilides (em grego: Βασιλείδης) foi um dos primeiros professores religiosos gnósticos em Alexandria, Egito [1] que ensinou entre 117-138[a] e era um pupilo ou de Menandro[2] ou de um suposto intérprete de São Pedro chamado Gláucias[3], esta última teoria rejeitada pelos estudiosos modernos[4]. A obra "Atos da disputa com Mani, o heresiarca" (Acta Archelai), capítulo 52, afirma que ele ensinou por um tempo entre os persas[5] Acredita-se que ele escreveu mais de duas dúzias de livros com comentários sobre os Evangelhos (todos perdidos) intitulados Exegetica[2], o que o torna um dos mais antigos comentaristas dos Evangelhos. Apenas fragmentos de suas obras foram preservados além daqueles nas obras de seus opositores.

Os seguidores de Basilides, os basilidianos formaram um movimento que persistiu por pelo menos dois séculos depois de sua morte - Epifânio de Salamis, no final do século IV, reconheceu uma persistente seita gnóstica no Egito. É provável porém que a escola tenha se fundido no ramo principal (main stream) do Gnosticismo já pelo final do século II [6].

Fontes[editar | editar código-fonte]

Padres da Igreja[editar | editar código-fonte]

Historiadores conhecem sobre Basílides e seus ensinamentos principalmente através dos escritos de seus detratores e é impossível determinar o quão confiáveis são estes relatos. A mais antiga refutação de Basílides, por Agripa Castor, se perdeu, e estamos dependentes nos relatos mais recentes de[7]:

Escritos de Basílides[editar | editar código-fonte]

Quase todos os escritos de Basílides pereceram, mas os nomes de três de suas obras e alguns fragmentos chegaram até nós[7]:

  • Fragmentos da Exegetica nos chegaram por Clemente (Stromata, IV 12)[9] e por Arquelau (Atos 55)[5] e provavelmente também na obra de Orígenes, Comentário sobre Romanos V]], livro I.
  • Orígenes afirma ainda que "Basílides teve a audácia de escrever um Evangelho de Basílides[10]. Tanto Jerônimo[11] quanto Santo Ambrósio[12] repetiram depois Orígenes. Porém, não existe nenhum traço de um "Evangelho de Basilides" em nenhum outro lugar. É possível que Orígenes tenha se enganado sobre a natureza de Exegetica ou que este evangelho fosse conhecido por algum outro nome.[13]
  • O mesmo Orígenes, numa nota em Jó, XXI, 1, fala sobre uma obra chamada "Odes" de Basílides.
  • Por fim, o Cânone Muratori termina da seguinte maneira: "É, então, conveniente que seja lido, ainda que não publicamente ao povo da Igreja, nem aos Profetas ´ cujo número já está completo , nem aos Apóstolos ´ por ter terminado o seu tempo. De Arsênio, Valentim e Melcíades não recebemos absolutamente nada; estes também escreveram um novo livro de Salmos para Marcião, juntamente com Basílides da Ásia..." (no original em latim, bastante obscuro, "etiam novu psalmorum librum marcioni conscripserunt una cum Basilide assianum catafrycum constitutorem").

Outras obras[editar | editar código-fonte]

Outros trechos são conhecidos através das obras de Clemente de Alexandria, principalmente a Stromata[13]:

  • O Octeto das Entidades Subsistentes (Fragmento A)
  • A The Singularidade do Mundo (Fragmento B)
  • Ser Eleito Naturalmente requer Fé e Virtude (Fragmento C)
  • O Estado da Virtude (Fragmento D)
  • Os Eleitos Transcendem o Mundo (Fragmento E)
  • Reencarnação (Fragmento F)
  • O Sofrimento Humano e a Bondade da Providência (Fragmento G)
  • Pecados Perdoáveis (Fragmento H)

Doutrina[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Basilidianos

Basílides aparece ainda associado à lenda da Clavícula de Salomão, Bareket da Tribu Ruben Satanás. Consta a lenda que este a transformou numa Gema gnóstica do estilo Abraxas antes de esta passar para as mãos da seita herética dos Cainitas do Egipto. Admitiu um princípio incriado, o Pai, cinco hipóteses emanadas dele e trezentos e sessenta e cinco céus, um dos quais é o nosso mundo comandado por YHVH (Yahweh, Jeová ou Javé).

Criação[editar | editar código-fonte]

As descrições do sistema basilidiano dadas pelas fontes principais (vide Fontes) são tão fortemente divergentes que parecem ser irreconciliáveis. De acordo com Hipólito, Basílides seria aparentemente um panteísta evolucionista; de acordo com Ireneu, um dualista emanacionista.

Historiadores, como Philip Shaff, são da opinião que: "Ireneu descreveu uma forma de basilidianismo que não era a original, mas uma versão posterior, já corrompida, do sistema. Por outro lado, Clemente de Alexandria com certeza, e Hipólito, no extenso relato na sua Philosophumena, provavelmente aprenderam diretamente da obra de Basílides, a Exegetica, e portanto representam a forma da doutrina como ensinada por ele[14].

Fé e Eleição (dos que serão salvos)[editar | editar código-fonte]

Basílides acreditava que a fé era apenas "um reconhecimento da alma para tudo aquilo que não se podia experimentar, por não estarem presentes". Ele também acreditava que a fé era um assunto de "natureza" (ser) e não de "escolha", assim os homens deveriam "descobrir as doutrinas não por demonstração e sim por uma apreensão intelectual"[15]. Basílides também parece ter acumulado formas de dignidade de acordo com a fé de cada um [16].

Por acreditar que a fé era uma questão da natureza (de "ser" ao invés de "escolher"), sem dúvida ele estressou o argumento até o ponto de separar uma parte da humanidade do resto, como imbuída por um decreto Divino a receber uma forma maior de iluminação. É neste sentido que ele deve ter dito que "a eleição [dos que serão salvos] é estranha a este mundo, por ser supramundana por natureza[17].

Metempsicose[editar | editar código-fonte]

Basílides também trouxe a noção de que o pecado num estágio passado de existência poderia ter sua punição no estágio atual, com "a alma eleita sofrendo honrosamente o martírio, enquanto que as demais almas seriam purificadas pela punição apropriada". Esta doutrina de metempsicose dos basilidianos também foi acusada de ter se utilizado das palavras do Senhor sobre a recompensa das terceira e quarta gerações [18]. Orígenes diz claramente que o próprio Basílides interpretou «Em outro tempo eu vivia sem a Lei, mas quando veio o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri» (Romanos 7:9) da seguinte forma:

O apóstolo disse, 'Em outro tempo eu vivia sem a Lei', ou seja, antes de eu chegar neste corpo, eu vivi num outro que não estava sob a lei, o de uma fera, por exemplo, ou de um pássaro.
 
Basílides, segundo Orígenes[19].

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Inferno[editar | editar código-fonte]

Orígenes reclamou que Basílides privou os homens de um temor salutar ao ensinar que as transmigrações (veja metempsicose) são as únicas punições após a morte[20].

Martírio[editar | editar código-fonte]

Por acreditar numa visão fatalista da metempsicose, Basílides acreditava que os mártires cristãos estavam sendo punidos não por serem cristãos, mas por pecados cometidos no passado[21]. É por este motivo que Orígenes diz que ele depreciava os mártires[22].

Paixões[editar | editar código-fonte]

Os basilidianos costumavam chamar as paixões de Apêndices, alegando que elas eram nada mais do que certos espíritos que se apendavam[b] em almas racionais num turbilhão primitivo e confuso. As paixões e desejos seriam então incutidos nas almas pelos apêndices, que imitavam os comportamentos de feras e bestas. Além disso, também imitavam a beleza e os movimentos das plantas. E podiam também trazer as características das coisas inanimadas (como a dureza do diamante, por exemplo)[23].

É impossível determinar com precisção a origem desta teoria tão singular, mas é provável que estivesse conectada com a teoria da metempsicose dentro do mesmo sistema, que parece ter encontrado suporte em Timeu, de Platão,[24].

Notas[editar | editar código-fonte]

[a] ^ Para provar que as seitas heréticas eram "posteriores à Igreja Católica, Clemente de Alexandria.[3] atribui os ensinamentos de Cristo aos reinados dos imperadores Augusto e Tibério; o dos apóstolos, e ao menos o de São Paulo, termina, diz ele, no tempo de Nero. Enquanto isso, "os autores destas seitas emergiram depois, no tempo do emperador Adriano e continuaram bastante, pelo menos até a era do velho Antonino". Ele usa Basílides, Valentim e (se o texto estiver correto) Marcião. Porém, seu texto sobre Carpócrates, algumas linhas adiante, sugere alguma dúvida se ele teria alguma evidência melhor além da inferência sobre a ordem em que apareceram em Ireneu de Lyon[25]. Ele conhecia a refutação à Basílides feita por Agripa Castor, mas não está claro, como as vezes se assume, se ele queria designar ambos os autores ao mesmo reinado. Suas Crônicas (em armênio) no ano 17 de Adriano (133) tem a seguinte nota: "O Heresiarca Basílides apareceu nestes tempos". O mais antigo de todos, e também o mais vago, é o testemunho de Justino Mártir. A inferência de que outros grandes heresiarcas, incluindo Basílides, estariam mortos naquele tempo recebe alguma confirmação de uma passagem em sua obra Diálogo contra Trifo (ca. 135)[26]
[b] ^ Ou "se anexavam", ou "aderiam", várias formas de contato próximo externo expressadas por προσηρτημένα, conforme M. Aur. xii. 3, com a nota de Gataker, e também ceteris appendicibus, sensibus et affectibus, de Tertuliano, Contra Marcião, citado por Gieseler [27].

Referências

  1. Ireneu. «24». Adversus Haereses. Doctrines of Saturninus and Basilides (em inglês). I. [S.l.: s.n.] ; Epifânio de Salamis (Epif). Panarion, XXIV.1 e XXIII.1
  2. a b Eusébio de Cesareia. «7». História Eclesiástica. The Persons that became at that Time Leaders of Knowledge falsely so-called. (em inglês). IV. [S.l.: s.n.] 
  3. a b Clemente de Alexandria. «17». Stromata. The Tradition of the Church Prior to that of the Heresies (em inglês). VII. [S.l.: s.n.] 
  4. Pearson, Birger A. A Companion to Second-Century Christian "Heretics". Basilides the Gnostic (em inglês). [S.l.: s.n.] 
  5. a b Arquelau. Atos da disputa com Mani, o heresiarca (em inglês). I. [S.l.: s.n.] 
  6. MEAD, G.R.S. Fragments of a Faith Forgotten. The Basilidian Gnosis (em inglês). 2005 (or. 1900). [S.l.]: Kessinger Publishing. pp. 253 e seguintes. ISBN 1417984139 
  7. a b «Encyclopaedia Catholica - Basilides» (em inglês). NewAdvent.org. Consultado em 11 de setembro de 2010 
  8. Pummer, Reinhard (2002). Early Christian Authors on Samaritans and Samaritanism (em inglês). [S.l.: s.n.] 32 páginas 
  9. Clemente de Alexandria. «12». Stromata. Basilides' Idea of Martyrdom Refuted. (em inglês). IV. [S.l.: s.n.] 
  10. Orígenes. «11». Homilias sobre Lucas (em inglês). I. [S.l.: s.n.] 
  11. São Jerônimo. Comentários sobre o Evangelho de Mateus, Prólogo
  12. Ambrósio de Milão, Expositio, Euangelii, Lucae i.2.
  13. a b HILGENFELD, Die Clem. Recogn. und Hom. nach ihrem Ursprung und Inhalt (1848). (em alemão). Jena: [s.n.] pp. 123 ff.  Em falta ou vazio |título= (ajuda)
  14. Philip Shaff, ed. Nicene and Post-Nicene Fathers, Second Series. [S.l.: s.n.] pp. 178, note 7 
  15. Clemente de Alexandria. «3». Stromata. Faith Not a Product of Nature. (em inglês). II. [S.l.: s.n.] 
  16. Clemente de Alexandria. «1». Stromata. On Faith. (em inglês). V. [S.l.: s.n.] 
  17. Clemente de Alexandria. «26». Stromata. How the Perfect Man Treats the Body and the Things of the World. (em inglês). IV. [S.l.: s.n.] 
  18. Teódoto. «28». Fragmentos (em inglês). I. [S.l.: s.n.] 
  19. Orígenes, Comentários sobre Romanos, IV 549 Ru.
  20. Orígenes. «12». Comentário sobre Mateus (em inglês). XII. [S.l.: s.n.] 
  21. Clemente de Alexandria. «12». Stromata. Basilides' Idea of Martyrdom Refuted. (em inglês). IV. [S.l.: s.n.] 
  22. Orígenes, Comentários sobre Mateus (em inglês), v. III, 856 Ru.
  23. Clemente de Alexandria. «20». Stromata. The True Gnostic Exercises Patience and Self-Restraint. (em inglês). II. [S.l.: s.n.] 
  24. Timaeus 42, 90 f.
  25. Ireneu. «24». Adversus Haereses. Doctrines of Saturninus and Basilides (em inglês). I. [S.l.: s.n.]  e seguintes.
  26. Justino. «35». Dialogue with Trypho. Heretics confirm the Catholics in the faith. (em inglês]). [S.l.: s.n.] 
  27. Tertuliano. «24». Contra Marcião. God is Not a Being of Simple Goodness; Other Attributes Belong to Him. Marcion Shows Inconsistency in the Portraiture of His Simply Good and Emotionless God. (em inglês). I. [S.l.: s.n.]