Batalha de Mogadíscio (2006)

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Batalha de Mogadíscio (2006)
Guerra Civil da Somália

Localização de Mogadíscio na Somália
Data 7 de Maio – 11 de Julho de 2006
Local Mogadíscio, Somália
Desfecho Vitória decisiva da União das Cortes Islâmicas
  • Final efetivo da ARPCT
Beligerantes
União das Cortes Islâmicas Aliança para a Restauração da Paz e Contra o Terrorismo
Comandantes
Sheikh Sharif Ahmed
Hassan Dahir Aweys
Mohamed Qanyare
Musa Sudi Yalahow
Nuur Daqle

Segunda Batalha de Mogadíscio foi uma batalha ocorrida em 2006 pelo controle da cidade de Mogadíscio, a capital da Somália. As forças em confronto foram a Aliança para a Restauração da Paz e Contra o Terrorismo (ARPCT) e a milícia leal à União das Cortes Islâmicas (ICU). O conflito começou em meados de fevereiro de 2006, quando os senhores da guerra somalis formaram a ARPCT para desafiar a emergente influência da União das Cortes Islâmicas. A influência dos islamistas foi em grande parte gerada por ricos doadores financeiros que procuraram permitir que a União dos Tribunais Islâmicos tomasse o poder no país para trazer estabilidade.[1] A batalha foi a segunda das nove grandes batalhas ocorridas em Mogadíscio durante a longeva Guerra Civil da Somália.

Verificou-se após a batalha que os Estados Unidos estavam financiando a ARPCT devido as preocupações de que a União das Cortes Islâmicas teria laços com a al-Qaeda.[2] A milícia da União das Cortes Islâmicas conquistou o controle de Mogadíscio e as forças da ARPCT deixaram a cidade.[3]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Em 2005, foi relatado que vários tribunais islâmicos independentes começaram a trabalhar cooperativamente sob a égide da lei da shariah, que então se tornaria a União dos Tribunais Islâmicos.[4] Este movimento, em seguida, assumiu o poder em Mogadíscio, criando um movimento islamista em toda a Somália. Esta cooperação entre os tribunais islâmicos fez com que os senhores da guerra e empresários somalis se unissem e formassem a ARPCT, com o apoio da ajuda estadunidense e etíope.[5] Após essa unificação, os membros começaram a se mobilizar para impedir que um movimento islamista assumisse o poder total sobre a capital. A ARPCT começou conduzindo vários ataques e sequestros no início de 2006, mas com o passar do ano essas agressões causaram o surgimento de um conflito.[5]

Batalha[editar | editar código-fonte]

Em maio de 2006, intensificaram-se os combates entre os senhores da guerra e as milícias leais à União dos Tribunais Islâmicos, que controlava cerca de 80% da cidade. Houve conflito anterior em toda a Somália envolvendo a ARPCT, porém nada que durasse mais do que alguns dias, assim a eclosão e a continuidade desta batalha significava que era, efetivamente, uma mudança em relação a situação anterior.[6] Em 4 de junho de 2006, a União dos Tribunais Islâmicos capturou Balad, 30 milhas ao norte de Mogadíscio. Balad estava anteriormente sob o controle de forças leais a Musa Sudi Yalahow.[7] Ao final do conflito, foi relatado que cerca de 350 pessoas foram mortas, com milhares desabrigados.[6]

Em 5 de junho de 2006, o primeiro-ministro somali Ali Mohamed Gedi demitiu quatro ministros (que também eram líderes de clãs) cujos exércitos particulares estavam envolvidos nos combates. Gedi demitiu o ministro da Segurança Nacional, Mohamed Afrah Qanyare, o ministro do Comércio Musa Sudi Yalahow, o Ministro de Reabilitação da Milícia, Botan Ise Alin, e o ministro dos Assuntos Religiosos, Omar Muhamoud Finnish, de acordo com o porta-voz do governo Abdirahman Nur Mohamed Dinari. Também convidou os tribunais islâmicos para negociações.[8]

No mesmo dia, Sheikh Sharif Ahmed, presidente da União dos Tribunais Islâmicos, teria tomado Mogadíscio, dizendo em uma transmissão de rádio: "Vencemos a luta contra o inimigo do Islã. Mogadíscio está sob o controle de seu povo."[9] O sucesso da União dos Tribunais Islâmicos foi atribuído à habilidade do movimento islamista de transcender a política de clãs.[10]

Após a queda de Mogadíscio, houve duas manifestações concorrentes. O maior clã de Mogadíscio, o Abgaal, realizou uma manifestação na parte norte da cidade, atraindo cerca de 3.000 pessoas. A Associated Press relata que os manifestantes gritaram "Não precisamos de engano islâmico!" e "Não queremos tribunais islâmicos, queremos paz!" Houve uma manifestação concorrente em apoio à União dos Tribunais Islâmicos. Nesse comício, Sheikh Sharif Ahmed é citado como tendo dito: "Até chegarmos ao estado islâmico, continuaremos com a luta islâmica na Somália", para uma multidão de cerca de 500 pessoas.[11]

Com a perda decisiva para a União dos Tribunais Islâmicos, o Governo Federal de Transição da Somália removeu quatro membros proeminentes da ARPCT de seus cargos dentro do governo.[6]

Os senhores da guerra recuaram para a Etiópia ou se renderam à União dos Tribunais Islâmicos, tornando os islamistas os novos senhores de Mogadíscio[12] e de seu importante porto.[13] As forças restantes da ARPCT, no entanto, teriam fugido para Jowhar.[14] Um membro da coalizão ARPCT disse que a coalizão "não tem planos imediatos", após sua derrota decisiva.[15]

Em 14 de junho de 2006, após um impasse que durou aproximadamente oito dias, a União dos Tribunais Islâmicos teria atacado as forças da ARPCT restantes em Jowhar, desbaratando-as e tomando a cidade.[16]

Legado[editar | editar código-fonte]

Ali Mohamed Gedi, desde então, solicitou forças de manutenção da paz da União Africana, e países vizinhos como o Quênia impuseram sanções aos senhores da guerra em fuga, impedindo-os de entrar em seus territórios.[17]

Em dezembro de 2006, a Etiópia declarou guerra ao vencedor da batalha, a União dos Tribunais Islâmicos. Além das tensões de longa data entre a Etiópia e a Somália por causa da reivindicação de terras, o governo etíope não aprovava que a União dos Tribunais Islâmicos ocupasse o poder na Somália. Este conflito foi de curta duração, terminando em favor da Etiópia.[18]

Apoio dos Estados Unidos para a ARPCT[editar | editar código-fonte]

Michael Zorick (oficial político do Departamento de Estado dos Estados Unidos para a Somália), que estava designado em Nairóbi, foi transferido para o Chade depois de enviar um telegrama a Washington criticando a política estadunidense de pagar aos senhores da guerra somalis. O The Times declarou: "As atividades americanas na Somália foram aprovadas por altos oficiais em Washington e foram reafirmadas durante uma reunião do Conselho de Segurança Nacional sobre a Somália em março."[19]

Em 7 de junho de 2006, o presidente da República do Congo e então chefe da União Africana, Denis Sassou-Nguesso, criticou os Estados Unidos por seu envolvimento nos combates em Mogadíscio após seu encontro com o presidente George W. Bush e a secretária de Estado Condoleezza Rice.[20]

Referências

  1. «Somalia's High Stakes Power Struggle». Council on Foreign Relations (em inglês) 
  2. «US cash support for Somali warlords 'destabilising nation'». New Zealand Herald, Reuters, The Independent. 7 de Junho de 2006 
  3. «Milícias islâmicas vencem batalha em Mogadíscio». BBC News. 11 de julho de 2006 
  4. Barnes, Cedric; Hassan, Harun (Julho de 2007). «The Rise and Fall of Mogadishu's Islamic Courts». Journal of Eastern African Studies (em inglês). 1 (2): 151–160. ISSN 1753-1055. doi:10.1080/17531050701452382 
  5. a b «Counter-terrorism in Somalia, or: how external interferences helped to produce militant Islamism». hornofafrica.ssrc.org (em inglês) 
  6. a b c Group., International Crisis (2006). Can the Somali crisis be contained?. [S.l.]: International Crisis Group. OCLC 870128243 
  7. Islamists seize key Somali town BBC 4 de Junho de 2006
  8. Somalia's prime minister sacks US-backed warlords Arquivado em 2006-06-14 no Wayback Machine Mail & Guardian Online 5 de Junho de 2006
  9. Mohamed Olad Hassan AP Islamic Militia Seizes Somalia's Capital Forbes 5 de Junho de 2006
  10. New power emerges from the south Arquivado em 2006-06-14 no Wayback Machine, Somalinet.com, 4 de Junho de 2006
  11. Mohamed Olad Hassan Thousands Rally in Somali Capital AP via East Bay Times 6 de Junho de 2006
  12. Islamists claim Mogadishu victory, BBC News.
  13. Islamists handed Mogadishu port, BBC News.
  14. Mohamed Ali Bile Somalis flee warlord stronghold fearing new battle Reuters 7 de Junho de 2006
  15. «Islamists claim control of Mogadishu». www.aljazeera.com 
  16. Somali Islamists capture key town BBC 14 de Junho de 2006
  17. Maliti, Tom; Olad Hassan, Mohamed (1 de janeiro de 2007). «More Peacekeepers Heading to Somalia». The Washington Post 
  18. Frenkil, Erik (Setembro de 2015). «The Lion Comes to Mogadishu: Why Ethiopia Invaded Somalia in 2006». Central European University – via Research Gate 
  19. Marc Lacey and Helene Cooper Efforts by C.I.A. Fail in Somalia, Officials Charge, The New York Times, 8 de Junho de 2006
  20. "AU chair lashes US over Somalia". ANDnetwork. 7 de Junho de 2006