Cafre

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Cafre ou kafir (do árabe كافر : kāfir: 'infiel') foi um termo que se tornou ofensivo (especialmente na sua versão inglesa, kaffir) que designa uma pessoa negra, na África do Sul e noutros países africanos.

Em português, foi inicialmente um termo neutro, aplicado aos negros africanos. 'Cafre' ou 'cafreal' designava o povo da Cafraria (ou Cafreria), a qual, segundo os textos antigos, seria uma região muito extensa da África Austral. 'Cafre' referir-se-ia a qualquer indivíduo da população africana banta, afim dos zulus, não muçulmana, do sudeste africano. Introduzido na língua portuguesa no século XVI,[1] a palavra foi usado por Camões no plural, 'cafres', no Canto V (47) de Os Lusíadas, em 1572.[2]

Etimologia[editar | editar código-fonte]

'Cafre' deriva da palavra árabe كافر, que é normalmente traduzida como "infiel". O termo foi originalmente aplicado aos não muçulmanos do sul e do leste da África por mercadores árabes. É verossímil que navegadores portugueses, ao encontrar estes mercadores, interpretassem a palavra como representando uma etnia africana. Essa interpretação foi, provavelmente, transmitida a outros colonizadores e exploradores europeus.

O termo kāfir é o particípio activo da raiz semítica K-F-R, "aquele que cobre" ou "infiel". Como termo pré-islâmico, descrevia agricultores enterrando sementes, cobrindo-as com solo durante a sementeira. Por isso, a palavra kāfir implica o significado de "alguém que se esconde ou cobre". Na terminologia islâmica, um kāfir é alguém que rejeita a fé islâmica, isto é, "oculta ou cobre a verdade".[3]

No século XVI, o explorador mourisco Leão, o Africano descreveu os cafri como negros pagãos que constituíam um dos cinco principais grupos populacionais da África. Segundo ele, eram indivíduos "negros como breu, de estatura avantajada e (segundo alguns) descendentes de judeus, embora sejam atualmente idólatras." Leão identificou o lugar de origem dos cafri como sendo algum ponto remoto do sul da África − uma área que ele designou como Cafraria.[4]

Seguindo a terminologia de Leão, o Africano, o clérigo e historiador inglês Richard Hakluyt (1552 - 1616) igualmente se refere a essa população como Cafars ou Cafari, no sentido de infiéis ou descrentes.[5][6] Ao falar dos escravos ("slaves called 'Cafari' ") e de certos habitantes da Etiópia ("and they use to go in small shippes, and trade with the Cafars") Hakluyt usa aqueles dois termos; ao referir-se a uma porção da costa da África, utiliza a expressão "land of Cafraria".[7][8] Em mapas dos séculos XVI e XVII, os cartógrafos europeus também aplicam a denominação Cafreria à parte sul da África.

Os termos 'cafar', 'cafre' e 'Cafreria' permaneceram em uso, na Europa, pelo menos até o final do século XVIII,[9] época em que a expansão dos Boers, iniciada no Cabo, atingiu a região habitada pelos Xhosa, povo genericamente designado pelos colonizadores como cafre (Kaffir). Assim, as guerras travadas na atual província sul-africana do Cabo Oriental, entre os colonizadores neerlandeses (e, depois, britânicos) e os Xhosa, foram chamadas Guerras Cafres (1779−1879).[10]

Uso recente do termo[editar | editar código-fonte]

Em 2010, o escritor português Vasco Pulido Valente, em artigo de opinião do jornal Público,[11] usou a expressão "semicafres do Mediterrâneo e do Leste" para designar os povos do sul e do leste da Europa, segundo a perspectiva dos europeus do norte.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. BARBOSA, Duarte. Livro em que dá relação do que se viu e ouviu no Oriente Barbosa Duarte. [1516]. Lisboa: Typ. da Academia Real das Sciencias, 1813, (Noticias para a historia e geographia, v. 2)., apud Dicionário Houaiss: 'cafre'
  2. Os Lusíadas. Canto V. (47): "Verão morrer com fome os filhos caros,/ Em tanto amor gerados e nacidos;/ Verão os Cafres, ásperos e avaros, /Tirar à linda dama seus vestidos ..."
  3. Björkman, W., “Kāfir”, in: Encyclopaedia of Islam, 1st. ed. (1913-1936). Eds.: M. Th. Houtsma, T.W. Arnold, R. Basset, R. Hartmann.
  4. Africanus, Leo (1526). The History and Description of Africa. [S.l.]: Hakluyt Society. pp. 20, 41, 53, 65 & 68 
  5. Cafre no Projeto Gutenberg
  6. Obras de Richard Hakluyt (em inglês) no Projeto Gutenberg
  7. Cafre no Projeto Gutenberg
  8. [https://books.google.com.br/books?id=E5jzDwAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false The Principal Navigations, Voyages, Traffiques and Discoveries... Volume 9. BoD – Books on Demand, 2020, p. 232
  9. 'Cafrerie'. In: Vosgien, Dictionnaire géographique portatif; Paris, 1758.
  10. Elikia M'Bokolo, Afrique noire. Histoire et civilisation du XIXe siècle à nos jours. Tome 2. Éditions Hatier. Paris, 1992, p. 234.
  11. Viva Portugal!. Por Vasco Pulido Valente. Público, 15 de maio de 2010.