Caso Bosman

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Caso Bosman
Jean-Marc Bosman, na época em que defendia o RFC Liège.
Corte Tribunal de Justiça da União Europeia
Código ECLI ECLI:EU:C:1995:463
Juízes G. Federico Mancini (desembargador-relator)
Gil Carlos Rodríguez Iglesias (presidente)
Carl Otto Lenz (advogado-geral)
Histórico
Apelou de Jean-Marc Bosman
Apelado para RFC Liège
Federação Belga de Futebol
UEFA

O Caso Bosman[1] é um caso paradigmático do direito que um jogador de futebol belga processou o clube que defendia ao final do seu contrato, obrigando a UEFA para alterar algumas normas[2].

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Jean-Marc Bosman foi um futebolista belga que jogou pelo RFC Liège, que até então disputava a Jupiler League (primeira divisão nacional). No fim da temporada de 1989–90, Bosman recusa a redução salarial de 75% que os dirigentes do clube propunham no novo contrato. É colocado na lista dos jogadores transferíveis com uma cláusula de indenização de 11.743.000 francos belgas (cerca de 4,8 milhões de euros). No mês seguinte, Bosman chegou a acordo com o clube francês USL Dunkerque. Liège e Dunkerque concordaram com a transferência do jogador para a temporada mais uma opção de compra, mas não aceita a cláusula de indenização proposta pelo clube belga[3], que rescinde o contrato do jogador e ele torna-se um jogador livre.

Bosman entrou com uma ação contra o Liége, a Federação Belga de Futebol e a UEFA, porque eles alegaram que as regras de transferência da Federação, da UEFA e da FIFA tinham impedido sua transferência para o Dunkerque.

Méritos[editar | editar código-fonte]

Com base nos artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma, de 25 de março de 1957, este proíbe as associações ou federações nacionais e internacionais de esporte de incluírem em seus respectivos regulamentos disposições que limitem o acesso de jogadores profissionais estrangeiros que receberam cidadania da União Europeia. Vai além, proíbe os clubes de futebol de exigir e receber qualquer pagamento pela contratação de um dos seus jogadores por um novo clube, quando faltavam menos de 6 meses para o final contrato do jogador.

Decisão[editar | editar código-fonte]

Em 15 de dezembro de 1995, o Tribunal de Justiça da União Europeia, sediado em Luxemburgo, dá razão a Bosman. Devem ser abolidas as restrições sobre a utilização e transferências de jogadores comunitários.

Dados cronológicos[editar | editar código-fonte]

  • 1982: Jean-Marc Bosman, à época com 17 anos, assina o seu primeiro contrato profissional com o Standard de Liège. Em 5 temporadas, foram 86 jogos e 3 gols marcados.
  • 1988: Bosman transfere-se para o RFC Liège por €75.000 (ainda com o franco belga em circulação).
  • 1990: Em final de contrato, o jogador pretende assinar contrato com o Dunkerque, então da segunda divisão francesa, depois de o Liège cortar o seu salário em cerca de 60%. O clube fixa, entretanto, o seu passe em €600.000, valor que o Dunkerque recusa. Dessa maneira, a transferência de Bosman para os Golfinhos não é concretizada.
  • Agosto de 1990: Bosman decide mover ação contra o Liège.
  • Novembro de 1990: O jogador recebe a notícia de que o Tribunal lhe deu razão. Transfere-se então para o Saint-Quentin, da Terceira Divisão francesa, sem que fosse paga qualquer indenização ao Liège.
  • 1991: O Liège interpõe o recurso da decisão e leva o caso ao Tribunal de Justiça da Bélgica. Bosman não poderia jogar enquanto a sentença não fosse proferida, recebendo então um subsídio de desemprego do Estado francês.
  • 1992: Bosman muda-se para a ilha de Reunião, um departamento francês próximo a Madagáscar, para defender o Saint Denis. Em setembro, regressa à Bélgica, embora sem jogar ou receber qualquer subsídio por encontrar-se desempregado.
  • 1993: O jogador assina, por um ano, com o Olympique Charleroi, da Segunda Divisão belga.
  • 1994: É contratado pelo Visé, da Quarta Divisão belga, jogando até aos 31 anos.
  • Março de 1995: O Tribunal Supremo da Bélgica rejeita um recurso apresentado pela Federação Belga de Futebol, pelo Liège e pela UEFA contra Bosman.
  • Junho de 1995: A mesma entidade jurídica remete o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao qual os advogados de Bosman, Jean-Louis Dupont e Jean-Luc Misson, pedem €750.000, por prejuízos decorrentes do processo a que foi sujeito o seu cliente desde 1990. Os representantes do jogador baseiam a sua argumentação com base no Tratado de Roma, considerando ilegais o sistema de transferências no futebol europeu e o limite à circulação de jogadores da União Europeia no mesmo espaço político e econômico.
  • 20 de junho de 1995: O tribunal dá início à discussão do Caso Bosman.
  • 20 de setembro de 1995: Carl Otto Lenz, advogado-geral do tribunal de Justiça da União Europeia, sugere que as pretensões de Bosman são válidas.
  • 3 de novembro de 1995: Alertada com a opinião de Lenz, a UEFA contra-ataca, apresentando uma carta assinada pelos 49 presidentes das federações nacionais, expondo o seu temor pela divisão do futebol europeu em clubes ricos e pobres, caso o tribunal dê razão a Bosman.
  • 20 de novembro de 1995: A Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais reúne-se em Bucareste para analisar a evolução das suas relações com a UEFA, em caso de vitória para Bosman.
  • 28 de novembro de 1995: O Senado italiano adianta-se à decisão do tribunal, e apresenta a "Emenda Speroni" (de autoria do senador Francesco Speroni), que permite a contratação e a utilização, sem limite, de jogadores da União Europeia.
  • 15 de dezembro de 1995: O tribunal dá razão a Bosman. A decisão vai fazer jurisprudência. A partir desta data devem ser abolidas as restrições sobre a utilização e transferências de jogadores comunitários. A UEFA, reunida em Birmingham, por ocasião do sorteio da fase final da Eurocopa 1996, bem como a FIFA, através de um comunicado, mostram-se desagradadas com a sentença, que não permite qualquer recurso.
  • 20 de dezembro de 1995: Jesús Samper, secretário-geral da Liga Espanhola, comunica que, no seu país, nada vai mudar devido ao Caso Bosman.
  • 21 de dezembro de 1995: Jean-Luc Misson, um dos advogados de Bosman, apresenta no Tribunal de Justiça da União Europeia mais dois processos semelhantes ao de Bosman: o de Jepp Tengdejerg, futebolista dinamarquês, e o de Tim Cranston, jogador inglês de hóquei sobre o gelo.
  • 4 de janeiro de 1996: A Federação Inglesa de Futebol segue o exemplo da Liga e decide abrir as portas à livre utilização de jogadores comunitários nas competições que organiza.
  • 6 de janeiro de 1996: Os directores desportivos da I e II Divisões da Bundesliga, na Alemanha, chegam a acordo para manter o sistema de limitação de jogadores estrangeiros, no mínimo até o fim da temporada.
  • 11 de janeiro de 1996: A Comissão Europeia confirma que a sentença do Tribunal Europeu deve ser aplicada.
  • 15 de janeiro de 1996: FIFA e UEFA reúnem-se em Zurique para estudar formas de atuação relativamente ao Caso Bosman e decidem manter nas competições europeias de clubes da temporada em curso a regra de utilização de estrangeiros ainda em vigor.
  • 19 de janeiro de 1996: A Comissão Europeia dá um prazo de seis semanas para a UEFA cumprir o disposto na sentença do Caso Bosman, ameaçando aplicar sanções financeiras, levantando as imunidades que a favorecem, e jurídicas, abrindo processos legais contra a UEFA.
  • 24 de janeiro de 1996: O Senado italiano aprova a Emenda Speroni sobre a livre circulação dos desportistas comunitários. Trata-se do artigo 12º da Lei Comunitária, separado como projeto de lei autônomo. A aprovação dá "luz verde" à execução do disposto na sentença do Caso Bosman.
  • 25 de janeiro de 1996: A UEFA reúne-se com os dirigentes do futebol italiano, para debater o Caso, e Lennart Johansson confessa, pela primeira vez, que o organismo que preside não possui capacidade para punir clubes que utilizem jogadores comunitários fora do limite. Os principais clubes italianos avisam que vão cumprir o disposto na sentença do Tribunal Europeu.
  • 25 de janeiro de 1996: Mario Pescante, dirigente-mor do Comitê Olímpico Nacional Italiano (CONI), diz estar na Itália, que preside a União Europeia em 1996, a organizar uma conferência de ministros e secretários de Estado do Esporte, marcada para 29 de março, por forma a ser elaborada uma emenda ou um protocolo para ser criado um regime de excepção para o desporto.
  • 26 de janeiro de 1996: É a vez de a UEFA se reunir com dirigentes espanhóis, tendo como pano de fundo a mesma discussão do dia anterior. Os principais clubes seguem o exemplo italiano.
  • 1 de fevereiro de 1996: Comissão europeia, por intermédio dos comissários Karel von Miert, da "Concorrência", e Pedraig Flynn, dos "Assuntos Sociais", reúne-se com a UEFA, representada por David Will, presidente de comissão da UEFA para as relações com a União Europeia e vice-presidente da FIFA, e por Jean Fournet-Fayard, membro do Comité Executivo da UEFA. Os Comissários europeus foram claros quanto à sua inflexibilidade com a UEFA, voltando a ameaçá-la para que siga o disposto na sentença do Caso Bosman, reiterando ainda a manutenção do prazo de seis semanas para que a entidade cumpra a sentença.

Ver Também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «Article 39, Treaty Establishing the European Community». EUR-Lex. Publications Office of the European Union. Consultado em 27 de agosto de 2008. Cópia arquivada em 15 de junho de 2008  Parâmetro desconhecido |url-status= ignorado (ajuda)
  2. Blanco, Jordi (15 de dezembro de 2020). «'Os jogadores ganham milhões graças a mim, mas eu vivo na miséria': Há 25 anos, Jean-Marc Bosman transformou o futebol». ESPN.com.br. Consultado em 11 de outubro de 2022 
  3. Burton, Mark (21 de setembro de 1995). «Who is Jean-Marc Bosman?». The Independent. Consultado em 14 de dezembro de 2011 

Links[editar | editar código-fonte]