Caso Escola Base

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Parede da casa do casal Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada pichada após falsa denuncia em 1994[1]

O caso Escola Base ocorreu em 1994, em São Paulo, onde os proprietários de uma escola infantil foram acusados injustamente de abuso sexual, causando danos irreparáveis à sua reputação devido à cobertura precipitada da imprensa e à conduta da polícia.

A Escola Base era uma escola particular localizada no bairro da Aclimação da capital paulista. Em março de 1994, o casal proprietário da escola, uma professora e um motorista foram injustamente acusados pela imprensa de abuso sexual contra alguns alunos de quatro anos da escola. Em consequência da revolta da opinião pública, a escola foi obrigada a encerrar suas atividades logo em seguida.[2]

O jornal Estado de São Paulo e a Rede Globo foram condenados a pagar indenizações aos acusados. O caso tornou-se referência nas discussões em cursos de direito e jornalismo, como exemplo das consequências trágicas que acusações precipitadas podem ocasionar.

Caso[editar | editar código-fonte]

O caso Escola Base envolve o conjunto de acontecimentos ligados a essa acusação, tais como a cobertura parcial por parte da imprensa e a conduta precipitada e muito questionada por parte do delegado de polícia Edélcio Lemos, responsável pelo caso, que, supostamente, teria agido pressionado pela mídia televisionada e pelas manchetes de jornais.[3] O caso foi arquivado pelo promotor Sérgio Peixoto Camargo por falta de provas.

Em março de 1994, o ano letivo havia acabado de começar. Tudo corria normalmente até o dia em que Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho notaram comportamentos estranhos em seus filhos, estudantes da instituição, e se dirigiram à delegacia para prestar queixa contra seis pessoas relacionadas ao colégio.

De acordo com as mães, os donos da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim Alvarenga e seu esposo, Maurício Monteiro Alvarenga, o motorista da Kombi que levava as crianças para a escola, faziam orgias com as crianças de quatro anos de idade no apartamento de Saulo e Mara Nunes, pais de um dos alunos.

Incumbido da investigação, Edélcio Lemos enviou os filhos de Lúcia e Cléa ao Instituto Médico Legal e conseguiu um mandado de busca e apreensão ao apartamento onde, supostamente, as crianças eram abusadas.

Quando nada foi encontrado, as mães, indignadas, foram à mídia. Foi a partir daí que o caso da Escola Base repercutiu e no mesmo dia, o laudo do IML foi analisado pelo delegado.

Era inconclusivo, mas dizia que as crianças apresentavam lesões que podiam ser de atos sexuais. Foi o suficiente para o delegado, que deu declarações dúbias à imprensa. Os acusados já eram, aos olhos do povo, culpados antes de qualquer julgamento.

Como nenhum grande evento estava ocupando as manchetes na época, a mídia deu uma enorme atenção ao caso. Os veículos investigavam o delegado e vice-versa, e o que se seguiu foi uma série de notícias recheadas de informações cuja veracidade não havia sido comprovada.

A manchete do tablóide paulista Notícias Populares daquele ano, dizia: “Kombi era motel na escolinha do sexo”, mas apesar do sensacionalismo que lhes era peculiar, isso traduziu com maestria a forma como a imprensa estava lidando com o caso.

Com o tempo, Lemos foi afastado da investigação, e os delegados substitutos ainda encontraram, por denúncia anônima, Richard Herrod Pedicini, um fotógrafo americano que morava nas redondezas da escola e, segundo a denúncia, vendia fotos das crianças molestadas.

A filha de Cléa foi levada ao apartamento do rapaz para fazer reconhecimento e quis brincar com uma abelhinha de pelúcia que estava no chão. Isso foi o suficiente para que fosse decretada a prisão preventiva do fotógrafo, enquanto a mídia já anunciava seu envolvimento com o caso. O fato de supostamente as crianças terem “reconhecido” a casa dele era o principal assunto das manchetes.

Invariavelmente, as provas da inocência começaram a aparecer. Quando a prisão preventiva de Saulo e Mara foi decretada, os advogados do casal finalmente tiveram acesso ao laudo do IML e viram o quão inconclusivo era, com a própria mãe de um dos meninos admitindo que ele sofria de constipação intestinal, uma das probabilidades apontadas pelo laudo.

A partir daí, apareceram depoimentos de outras pessoas como funcionários do colégio e pais de outros alunos em defesa dos acusados.

Em junho, três meses depois, os suspeitos foram inocentados pelo delegado Gérson de Carvalho, um dos que assumiram a investigação. Mesmo assim, os danos psicológicos, materiais e morais aos acusados eram enormes, e os inúmeros gastos com o processo deixaram as finanças de todos completamente arruinadas.

Os meios de comunicação foram acusados de não retratar a verdade de fato, declarando, apenas, que as investigações foram encerradas por falta de provas, sem necessariamente dizer que os acusados eram inocentes.

Consequências[editar | editar código-fonte]

Até hoje, o caso é tema de estudos de faculdades e seminários de jornalismo, direito, psicologia, psiquiatria e ciências sociais como exemplo de calúnia, difamação, injúria e danos morais.[4]

Vítimas[editar | editar código-fonte]

As pessoas acusadas no caso passaram a sofrer de doenças como estresse, fobia e cardiopatia, além de se isolarem da comunidade e perderem seus empregos.[4] Em 1995, Icusiro, Maria, Paula e Maurício moveram uma ação por danos morais contra a Fazenda Pública do Estado. Eles ganharam as duas primeiras instâncias. O processo está em Brasília, aguardando a sentença final.

Em 2007, Maria Aparecida Shimada, diretora da escola, morreu de câncer. Em 2014, seu marido e um dos proprietários da escola, Icushiro Shimada, morreu de infarto, em sua casa em São Paulo. Ele já tinha sofrido um infarto do miocárdio em 1994. Eles ainda aguardavam o pagamento de algumas indenizações.[5]

Paula nunca mais conseguiu trabalhar como professora, pois foi hostilizada como abusadora de crianças. em virtude das dívidas e da paranoia incontrolável que o rapaz desenvolveu após o caso, ela e o marido, Maurício, se divorciaram.

Saulo e Mara, como os outros, também enfrentaram problemas financeiros. Richard, mesmo após a conclusão, passou anos angariando recursos para mostrar que ele era, de fato, inocente.

Imprensa[editar | editar código-fonte]

Os órgãos de imprensa processados por danos morais são os seguintes:[6]

Órgão de Imprensa Ref.
Folha de S.Paulo [7]
TV Globo [3]
SBT [8]
Estado de São Paulo [9]
RecordTV
Rádio e Rede Bandeirantes
IstoÉ
Veja [10]
Folha da Tarde [11]
Notícias Populares

Em 2014, o STJ reduziu a condenação do SBT.[12]

Imóvel[editar | editar código-fonte]

Logo após o ocorrido, o imóvel foi alugado com o objetivo de abrigar meninas da Fundação Casa até pouco tempo depois da virada do século. A casa foi demolida em 2008 junto com outras construções ao redor para dar lugar a um condomínio de edifícios residenciais.[13]

Livros[editar | editar código-fonte]

Dois livros foram escritos narrando os acontecimentos e analisando os fatos.

O primeiro foi lançado em 1995 com o título Caso Escola Base: os abusos da imprensa,[14] tendo ganho o Prêmio Jabuti em 1996.[15]

O segundo, lançado em 2017, recebeu o título Escola Base.[16]

Um novo livro chamado O Filho da Injustiça escrito por Ricardo Shimada, filho de Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, foi lançado em 2023 e aborda, além das investigações, detalhes da sua vida com os pais antes, durante e após todo o ocorrido.[17]

Documentários[editar | editar código-fonte]

Em 2004, o documentário Escola Base – Marco Histórico da Irresponsabilidade da Imprensa Brasileira foi produzido por então estudantes de jornalismo Paulo Ranieri, Thiago Domenici e Gustavo Brigatto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.[18]

Em novembro de 2022, a GloboPlay lançou o documentário Escola Base – Um Reporter Enfrenta o Passado, conduzido pelo repórter Valmir Salaro, que fez a cobertura do caso na época.[19] O documentário foi elogiado pelo mea-culpa que o repórter fez 27 anos após o acontecido.[20]

Uma série documental com produção do Canal Brasil e disponibilizada no Globoplay foi lançada no dia 2 de junho de 2023.[21]

Referências

  1. «Caso Escola Base: Rede Globo é condenada a pagar R$ 1,35 milhão». Pragmatismo Político. 18 de dezembro de 2012. Consultado em 31 de outubro de 2022 
  2. «JRNews recorda o caso da Escola Base após 18 anos». Record News. 26 de março de 2012. Consultado em 30 de outubro de 2014. Arquivado do original em 2 de julho de 2013 
  3. a b «Caso Escola Base: Globo terá de pagar R$ 1,35 mi». Terra. 16 de setembro de 2005. Consultado em 30 de outubro de 2014 
  4. a b Revista Espaço Acadêmico. Disponível em https://www.espacoacademico.com.br/054/54lima.htm Arquivado em 25 de fevereiro de 2017, no Wayback Machine.. Acesso em 24 de fevereiro de 2017.
  5. «Morre Icushiro Shimada, erroneamente acusado no caso da Escola Base». VEJA. Consultado em 24 de outubro de 2022 
  6. Débora Pinho (23 de janeiro de 2003). «Donos da Escola Base processam veículos de comunicação». ConJur. Consultado em 30 de outubro de 2014 
  7. «Jornal deve indenizar donos da escola Base em R$ 1,08 milhão». Consultor Jurídico. Consultado em 22 de novembro de 2022 
  8. "STJ condena SBT a pagar indenização no caso Escola Base", O Globo, 20-2-2014, http://noblat.oglobo.globo.com/noticias/noticia/2014/02/stj-condena-sbt-pagar-indenizacao-no-caso-escola-base-525074.html, consultado 26-12-2014.
  9. «Donos da Escola Base processam veículos de comunicação». Consultor Jurídico. Consultado em 22 de novembro de 2022 
  10. Marco Antonio L. (9 de maio de 2012). «Veja, da Escola Base à Demóstenes». Jornal GGN. Consultado em 30 de outubro de 2014 
  11. «Escola Base – Jornal é condenado a indenizar no caso Escola Base – SEDEP». Consultado em 22 de novembro de 2022 
  12. «STJ reduz condenação do SBT no caso Escola Base». Consultor Jurídico. Consultado em 24 de outubro de 2022 
  13. «Que fim levou a casa que abrigou a Escola Base? - 15/11/2022 - São Paulo Antiga - Folha». webcache.googleusercontent.com. Consultado em 22 de novembro de 2022 
  14. «Folha de S.Paulo - Livro sobre caso da Escola Base é lançado com debate na Folha - 17/8/1995». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 24 de outubro de 2022 
  15. «Prêmio 1996». Prêmio Jabuti. Consultado em 30 de Outubro de 2014. Arquivado do original em 18 de outubro de 2014 
  16. Cruz, Maria Teresa (5 de abril de 2017). «Livro-reportagem esmiúça o 'Caso Escola Base', um dos maiores erros da imprensa no Brasil». Ponte Jornalismo. Consultado em 24 de outubro de 2022 
  17. redacaoterra. «Brasileiros contam como notícias falsas destruíram a vida dos seus pais». Terra. Consultado em 22 de novembro de 2022 
  18. «Caso "Escola Base" é tema de documentário». Catraca Livre. Consultado em 24 de outubro de 2022 
  19. «Globoplay estreia documentário Escola Base: Um Repórter Enfrenta o Passado». observatoriodatv.uol.com.br. Consultado em 14 de novembro de 2022 
  20. «Repórter da Globo faz mea-culpa em doc que desenterra caso Escola Base | Tela Plana». VEJA. Consultado em 14 de novembro de 2022 
  21. «Caso 'Escola Base': veja trecho exclusivo de novo documentário que estreia nesta sexta-feira». Estadão. Consultado em 3 de junho de 2023 
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