Ciência islâmica

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Inspirada pelo profeta Maomé, a religião islâmica surgiu na Península Arábica no século VII, tendo se difundido pelo Oriente Médio e Norte da África nos dois séculos seguintes. O império construído pelos árabes integrava territórios onde a ciência tinha se desenvolvido em épocas passadas, como o Egito dos Ptolomeus e a Pérsia dos sassânidas

O desenvolvimento da ciência nos tempos do império islâmico[editar | editar código-fonte]

O próprio Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, valoriza a ciência, em particular da medicina que é apresentada como uma arte próxima de Deus. Além disso, o mecenato empreendido por certos ramos da elite, inclusive califas e governadores como os Abássidas, revelou-se fundamental para o desabrochar da ciência. Tanto que em 1004 o califa Almamune inaugurou a "Casa da Sabedoria" (Bayt al-Hikmah) em Bagdade, que funcionou como centro de tradução de manuscritos e de reflexão científica.

Uma outra razão importante da preponderância absoluta do mundo islâmico nas ciências entre, aproximadamente, 750 e 1100, foi seu caráter internacional. A comunidade muçulmana englobava uma grande variedade de povos e raças, e a sociedade do islã era muito tolerante com os homens estrangeiros e suas ideias.

A língua árabe surge como uma língua de cultura e saber comum ao vasto território do mundo islâmico. Vários manuscritos gregos e de outras partes do mundo seriam traduzidos para o árabe. No final do século IX os escritos de Platão e em particular os de Aristóteles já tinham sido assimilados pela civilização islâmica. Entretanto, a ciência islâmica não segue cegamente a tradição teórica dos gregos. Após construírem suas bases teóricas a partir dos pensadores da civilização berço da filosofia, a ciência árabe amadurece. Então, os velhos mestres são colocados em dúvida: os árabes atribuíram grande importância à observação e a experimentação, em oposição à especulação lógica dos gregos.

Na Batalha de Talas (751) os árabes capturam chineses que conheciam as técnicas que permitiam fabricar o papel, que substituirá o uso de peles de animais e o papiro como suporte da escrita.

O legado islâmico nas ciências[editar | editar código-fonte]

Matemática[editar | editar código-fonte]

A civilização islâmica desempenhou um importante papel na história da matemática não só por ter preservado a sabedoria antiga, mas também por a ter desenvolvido. O seu papel foi inovador na álgebra (o nome desta disciplina deriva do árabe al-jabr), graças ao uso da numeração árabe e do zero, bem como na combinatória e trigonometria. A matemática foi usada pelos sábios islâmicos com o objetivo religioso, como a elaboração do calendário e o cálculo da quibla, ou seja, da orientação da cidade sagrada de Meca no sentido da qual se devem realizar as orações.

Uma grande contribuição da matemática árabe foi os algarismos indo-arábicos que são os algarismos que usamos hoje: 1,2,3,4,5,6,7,8,9,0.

Outra área em que os cientistas do mundo islâmico se destacaram foi na trigonometria (estudo e cálculo com ângulos e triângulos no plano e na esfera). As aplicações em vista eram várias, principalmente no domínio da astronomia, da geografia e da cartografia. Alguns dos nomes mais relevantes nestes temas são o de al-Biruni e o de al-Battani (séculos IX e X), latinizado para Albatenius, autor de importantes estudos astronómicos. Na trigonometria esférica destacou-se também Jabir ibn Aflah (século XII), de Sevilha, cujo nome foi latinizado para Geber.

Ainda contribuiram na área da Matemática, referências a estudos pioneiros sobre criptografia, a ciência das comunicações seguras.

Parte integrante da tradição científica islâmica no período em causa são as centenas de instrumentos, astronómicos e outros, que ainda hoje se conservam. Para além da sua sofisticação científica e técnica, muitos destes instrumentos, como esferas, relógios de sol e astrolábios, são verdadeiras obras de arte.

Cientistas do islã no tempo do império[editar | editar código-fonte]

Abu Rayhan al-Biruni[editar | editar código-fonte]

Nascido no ano de 973 em Khwarezm, no actual Uzbequistão, passou a vida a viajar pela Ásia Central, a fazer observações astronómicas e geográficas, e a estudar e a escrever. Personalidade tolerante e ecléctica, aprendeu muitas línguas diferentes e estudou culturas variadas. Sendo a maior parte da sua obra dedicada a temas de matemática, astronomia e áreas próximas (96 manuscritos de um total de cerca de 150 referenciados, e 15 dos 22 que sobreviveram até hoje), escreveu também trabalhos sobre medicina e farmacologia, metais e pedras preciosas, religião e filosofia, e ainda uma monumental história da Índia, que chegou até aos nossos dias, estando traduzida em várias línguas. Trabalhou até ao fim da vida, vindo a morrer em Ghazna, no actual Afeganistão, por volta de 1050.

Al Biruni utilizava-se de métodos empíricos para obter suas conclusões. Teve o mérito de descobrir, seis séculos antes de Galileu Galilei o princípio chamado de "invariância das leis da natureza", ou seja, o universo inteiro está sujeitos às mesmas leis naturais.

Ibn al Hayzam[editar | editar código-fonte]

Foi um dos maiores físicos de todos os tempos. Ajudou a desenvolver a óptica, enunciou a proposição na qual um raio de luz, ao passar através de um meio homogêneo, escolhe o caminho mais fácil e mais rápido. Essa descoberta estava muitos séculos adiantada.

al-Khwarismi[editar | editar código-fonte]

O livro de Álgebra de al-Khwarizmi foi muito influente ,mais do que o seu mérito intrínseco mereceria, devido à utilidade prática das matérias apresentadas, e regras com aplicação em questões de heranças, comércio e contabilidade[1]. Ao mesmo autor se deve um tratado, posteriormente traduzido para latim, sobre os sistemas de numeração indiana. As palavras algarismo e algoritmo atualmente derivam do nome de al-Khwarismi.

Omar Khayyām[editar | editar código-fonte]

Omar Khayyām (1048-1131) foi um poeta e matemático persa que calculou o comprimento do ano dentro de cinco casas decimais. Ele encontrou soluções geométricas para todas as 13 formas de equações cúbicas. Ele desenvolveu algumas equações de segundo grau ainda em uso. Ele é bem conhecido no Ocidente por sua poesia (rubaiyat).[2]

O declínio da ciência árabe[editar | editar código-fonte]

O declínio da ciência árabe, que acontece muito rapidamente, tem início em fins do século XI. Somente no final do século XX, os sábios muçulmanos reaparecem timidamente. As causas desse retrocesso não são muito claras. Porém, a maioria dos estudiosos concorda que as invasões mongóis, apesar de terem constituído apenas uma interrupção, contribuíram em certa medida para esse problema. Os fatores internos parecem mais importantes, a saber: o isolamento científico e o desânimo da inovação. Do século XI ao século XII, o império islâmico sofreu com inúmeros conflitos e revoltas de inspiração político-religiosa. Desses conflitos, saíram vitoriosos dinastias conservadoras, que inibiram a ciência. As mentalidades começaram a se modificar: a ortodoxia islâmica passou a considerar a ciência inimiga da crença em Alá.

Cientistas do islã do pós império (idade moderna)[editar | editar código-fonte]

Abdus Salam[editar | editar código-fonte]

Abdus Salam foi um físico paquistanês e muçulmano praticante. Nasceu no ano de 1926 em Santokdas e faleceu em Oxford, em 1996. Foi ganhador do Prêmio Nobel de física em 1979.

História da filosofia natural no islã[editar | editar código-fonte]

"Fihrist"[editar | editar código-fonte]

"Fihrist" ou catálogo foi um extraordinário trabalho realizado no século X por Muhammad ibn Ishaq al-Nadìm[3], mas beneficiado por diversos tradutores que contribuíram para a conversão dos textos da filosofia natural de Aristóteles do grego para o siríaco e o árabe, isto porque o Fihrist contém uma ampla lista comentada de trabalhos e autores em todos os ramos do conhecimento, incluindo múltiplas traduções, como do persa, grego, copta, siríaco, hebraico e híndu[4].

Al-Nadìm fornece também, ao longo da obra, informações sobre os comentários gregos dos trabalhos na Antiguidade Tardia e sobre os comentários árabes que se seguiram[5].

Hunayn ibn Ishãq[editar | editar código-fonte]

Hunayn nasceu na cidade de Hira, mas partiu ainda novo para terra gregas, onde aprendeu a língua. Anos depois, mudou-se para Bassora e aprendeu também o árabe[5]. Hunayn traduziu manuscritos gregos, a exemplo dos trabalhos de Platão e Aristóteles, mas ficou conhecido por traduzir as obras de três importantes autores da medicina grega: Hipócrates, Galeno e Discórides[6]. A importância deste trabalho vem do fato de que Hunayn era também um médico e autor de diversos tratados originais.

A transmissão da ciência e da filosofia natural gregas baseava-se em traduções confiáveis e inteligíveis, e Hunayn ibn Ishãq era conhecido como o melhor e mais confiável tradutor daquele idioma para o siríaco, e destes para o árabe[5]. Em razão de seu domínio do grego, Huanyn realizava a tradução primária dos textos para o siríaco e, ocasionalmente, do grego para o árabe. Outros então faziam a tradução das versões em siríaco para o arábe. Assim, estabeleceu uma escola de tradutores, composta por ele, por seu filho, Ishãq, seu sobrinho Hubaysh ibn al-Hasan e discípulos. Os trabalhos filosóficos e matemáticos, e quase todos os tratados de Aristóteles, foram traduzidos por eles[7].

A tradução era feita não apenas por considerar tratados gregos de lógica, filosofia natural e metafísica essenciais ao estudo da teologia cristã, mas provavelmente também por respeito aos pensadores laicos gregos e pelo interesse pessoal no aprendizado[8].

Traduções em Bagdá[editar | editar código-fonte]

A fase pós-Hunayn das traduções aristotélicas ocorreu em Bagdá, em que tradutores revisaram traduções mais antigas, por Abu Uthmãn al-Dimashqui, Qusta b. Luqã, Abu Bishr Mattã b. Yunus e seu discípulo Abu Zakariyyã Yahyyã b. 'Adi, Ab~'Ali'Isã b. Ishãg b. Zur'ah[9].

Quando o processo se completou, havia versões em árabe para todos os trabalhos de Aristóteles em lógica, filosofia natural e metafísica, bem como diversos trabalhos falsamente atribuídos a ele[5], em especial a Teologia de Aristóteles e o Livro das Causas (Liber de Causis). Esses tratados pseudoaristotélicos estavam muito longe do seu verdadeiro pensamento filosófico e eram neoplatônicos, compostos por paráfrases de livros de Plotino e de Proclo. Por esse motivo, a doutrina neoplatônica foi erroneamente atribuída a Aristóteles, o que o tornou neoplatonista, e assim o Aristóteles do pensamento islâmico foi extremamente diferente do Aristóteles do Ocidente latino[10].

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

SALAM, Abdus, Islam, civilización y ciencia, in: BALTA, Islam.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Khatib, Ahmed Sameer El (18 de novembro de 2013). «Contabilidade islâmica: uma análise comparativa das diferenças e semelhanças entre as normas contábeis internacionais emitidas pelo AAOIFI e IASB» 
  2. Masood, Ehsan (2009). Science and Islam A History. [S.l.]: Icon Books Ltd. p. 5, 104, 145–146 
  3. DODGE, Bayard (1970). The Fihrist of al-Nadim: A Tenth-Century Survey of Muslim Culture. [S.l.]: Columbia University Press 
  4. MONTGOMERY, Scott (2002). Science in Translation. Chicago: University of Chicago Press 
  5. a b c d Grant, Edward (2009). História da filosofia natural : do mundo antigo ao século XIX. São Paulo: Madras. OCLC 683316945 
  6. COULSTON, Charles (2009). Dictionary of Scientific Biography. New York: Charles Scribner's Sons 
  7. E.), Peters, F. E. (Francis (1968). Aristoteles Arabus. [S.l.]: E.J. Brill. OCLC 806887497 
  8. BEARMAN and, P.J.; et al. (2004). Encyclopaedia of Islam. Laiden: Brill 
  9. PETER, Francis (1968). Aristotle and the Arabs: the Aristotelian Tradition in Islam. Nova York.: New York University Press 
  10. Majid., Fakhry, (2004). A history of Islamic philosophy. [S.l.]: Columbia University Press. OCLC 55596585 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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