Crise do apagão

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Crise do apagão
Duração 16 de maio de 2001 - 19 de fevereiro de 2002
Danos R$ 45,2 bilhões (Tesouro Nacional)
Áreas afetadas Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e parte da Região Norte do Brasil
Causas Baixo níveis dos reservatórios das hidrelétricas, comprometendo a produção de energia elétrica

A crise do apagão[nota 1] foi uma crise nacional ocorrida no Brasil, que afetou o fornecimento e distribuição de energia elétrica. Ocorreu entre 1 de julho de 2001 e 19 de fevereiro de 2002, durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Causas[editar | editar código-fonte]

A crise ocorreu por uma soma de fatores: as poucas chuvas, a falta de planejamento e ausência de investimentos em geração e transmissão de energia. Com a escassez de chuva, o nível de água dos reservatórios das hidrelétricas baixou, comprometendo a produção de energia elétrica.[1]

O consumo de energia elétrica cresceu 49% entre 1990 e 2000, enquanto a capacidade instalada cresceu 39%. A falta de investimento teve origem nos governos Sarney e Fernando Collor.[2]

À época, 89,6% da energia elétrica brasileira tinha origem hídrica.[3]

Racionamento[editar | editar código-fonte]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

No início da crise, levantou-se a hipótese de que talvez se tornasse necessário fazer longos cortes forçados de energia elétrica em todo Brasil.[4][5] Estes cortes forçados, ou blecautes, foram apelidados pela imprensa de apagões.

Foi editada a Medida Provisória nº 2.147/2001, criando a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, do Conselho de Governo, e estabelecendo diretrizes para programas de enfrentamento da crise de energia.[6]

Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil durante o período.

A situação energética levou à necessidade urgente de cortar em 20% o consumo de eletricidade consumidores residenciais e industriais no Distrito Federal e em mais 16 estados das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, e parte da região Norte. Na região Sul não houve racionamento, tendo em vista que suas represas estavam cheias e houvera retomada de investimentos no setor.[7]

O racionamento teve seu início antecipado para 16 de maio de 2001 (a previsão inicial era o dia 1ª de junho), com um terço da iluminação pública das ruas tendo sido apagada.[8]

Em 4 de junho, começam as restrições obrigatórias paras as famílias, afetando 32,3 milhões de residências, enquanto que o racionamento obrigatório para as indústrias e o comércio começou em 1º de julho de 2001.[8]

Medidas[editar | editar código-fonte]

Estipularam-se benefícios aos consumidores que cumprissem a meta e punições como multa e corte de energia para quem não conseguisse reduzir seu consumo de luz. [8]

Houve a redução da iluminação pública de ruas, monumentos, peças de publicidade e fachadas de prédios públicos federais. Foram suspensos eventos esportivos a partir das 18h.[8][9]

Foi proibido o fornecimento de energia para a realização de atividades esportivas, shows, festas, exposições, circos, parques de diversão e rodeios durante a noite.[9]

Os serviços essenciais à população, como hospitais e delegacias, ficaram de fora do racionamento.[9]

Os consumidores residenciais cuja média mensal de consumo dos meses de maio, junho e julho de 2000 fosse de até 100 kWh deveriam observar uma meta de até 100% da média mensal, não havendo necessidade de redução. Para qualquer valor acima dessa faixa, a meta de redução consumo era de 20%. Para as contas de energia superiores a 200 kWh, havia uma cobrança de 50% a mais sobre o que excedesse esse nível. Para contas acima de 500 kWh, a sobretaxa era de 200%. Os consumidores que descumprissem a meta mensal fixada estavam sujeitos à suspensão do fornecimento de energia elétrica.[8]

Os consumidores comerciais, industriais, do setor de serviços e outras atividades deveriam observar meta de consumo de energia elétrica setenta e cinco e oitenta e cinco da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, conforme a classificação das suas atividades na Medida Provisória.[8]

Ocorreram mudanças comportamentais na população, como troca de equipamentos e adoção de lâmpadas mais econômicas.[8]

Consequências[editar | editar código-fonte]

Na época, previa-se grande possibilidade de ocorrer cortes de grandes dimensões no país, sobretudo nas grandes cidades e adotaram-se diversas medidas de racionamento, que produziram severas perdas na economia brasileira, que cresceu apenas 1,42% em 2001, quando tinha crescido 4,4% em 2000.[5][4]

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), publicada em 15 de julho de 2009 mostrou que o apagão elétrico gerou um prejuízo ao Tesouro de R$ 45,2 bilhões.[10] O ex-ministro Delfim Netto calcula que cada brasileiro perdeu R$ 320 com o apagão.[1]

Em 21 de janeiro de 2002, um blecaute na região centro-sul causado pelo rompimento de um cabo entre a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira e Araraquara deixou o Distrito Federal e dez estados brasileiros sem energia elétrica por algumas horas.[11] Tal evento não teve qualquer relação causal com a falta de água e o racionamento ainda em vigor no país.[12]

Depois da recuperação de chuvas, o racionamento foi encerrado em 19 de fevereiro de 2002.[13]

O bom resultado da campanha de racionamento foi suficiente para evitar os cortes de energia.[14][nota 2]Embora os cortes não tenham acontecido, o termo apagão foi popularizado pela oposição ao governo. A crise energética somada à crise financeira então vigente no país contribuiu para a perda de popularidade de Fernando Henrique, que culminou com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial de 2002.[14]

Mudanças na política energética[editar | editar código-fonte]

Programa Prioritário de Termelétricas[editar | editar código-fonte]

Com o agravamento da crise de energia do país, o Ministério de Minas e Energia (MME) criou Programa Prioritário de Termelétricas (PPT) em fevereiro de 2000, com o objetivo estimular a construção de usinas movidas a gás natural e carvão mineral, com prazo médio de implantação de 24 meses.[15]

Quando o programa foi lançado, havia 49 projetos, com capacidade instalada total de 15 mil MW - o seria capaz de trazer um aumento de 40% da potência do parque gerador brasileiro, na época. Estavam previstos investimentos de US$ 12 bilhões.[15]

O programa estabelecia condições atrativas para investimentos em termelétricas a gás natural, como o preço especial do gás natural reajustado anualmente; garantia de compra de energia pelas distribuidoras; e linha especial de financiamento do BNDES.[15]

A implantação do PPT enfrentou dificuldades, como a aquisição de turbinas no mercado internacional (sobrecarregado de encomendas) até a questão cambial O preço do gás natural, que seria fornecido pela Petrobras, acompanhava a variação do dólar. Apesar disso, as variações cambiais não poderiam ser repassadas às tarifas. Além disso, as poucas usinas em implantação tinham participação da Petrobras (dona do gás e das instalações de transporte).[16][17]

Posteriormente, o Ministério de Minas e Energia divulgou o Programa Emergencial de Termelétricas (PET), que envolvia a construção de usinas térmicas e a expansão da capacidade daquelas já em operação, com um total de 12 empreendimentos, quase todos com participação da Petrobras. [16]

Foram construídas 21 usinas termelétricas por meio do PPT, comoː a Usina Termelétrica TermoRio, Usina Termelétrica Seropédica, Usina Termelétrica Termomacaé, Usina Termelétrica Nova Piratininga, Usina Termelétrica Norte Fluminense, Usina Termelétrica de Ibirité, Usina Termelétrica de Três Lagoas, a modernização da Usina Termelétrica de Santa Cruz, a Usina Termelétrica de Canoas, Usina Termelétrica Termopernambuco, Usina Termelétrica Termoceará, Usina Termelétrica do Vale do Açu. Apenas seis entraram em operação até 2002.[15]

Construção de linhas de transmissão[editar | editar código-fonte]

Após a crise do apagão, o governo investiu na construção de linhas de transmissão de energia elétrica. Durante a crise, não havia linhas de transmissão suficientes para levar a energia da Região Sul, onde os reservatórios estavam cheios, para o Sudeste e o Nordeste. [9]

Novas usinas hidrelétricas[editar | editar código-fonte]

Também foi promovida a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia para garantir uma produção contínua estável de energia elétrica no final da década de 2000 e durante a década de 2010. A construção dessas usinas esteve envolvida em fortes debates, em razão dos impactos sociais e ambientais. Entre as usinas que foram construídas estão Santo Antônio, Jirau e Belo Monte.[9]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. É importante notar também que no português de Portugal, "apagão" é uma palavra que pode se referir a qualquer tipo de blecaute, especialmente cortes acidentais de energia, e não um racionamento forçado e multa por consumo, como inicialmente significava o apagão brasileiro, pois no português do Brasil, as quedas ocasionais de energia, quando o restabelecimento demora mais que alguns minutos, são denominadas blecaute.
  2. O limite de consumo mensal de energia elétrica de uma residência, sem multa, foi fixado em 320 kWh. Pela regras de racionamento, se esse limite for ultrapassado, o consumidor deveria pagar 50% a mais sobre o excesso. Além disso, em agosto, a tarifa sofreu um reajuste de 16%.

Referências

  1. a b NETTO, Delfim. Crescimento e Apagão. A barbeiragem do governo FHC com a falta de energia custou 320 reais ao bolso de cada brasileiro. Sextante, in CartaCapital
  2. Borges, Fabricio Quadros (2 de novembro de 2021). «CRISE DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL - UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE A DINÂMICA DE SUAS ORIGENS E RESULTADOS». RECIMA21 - Revista Científica Multidisciplinar - ISSN 2675-6218 (10): e210809–e210809. ISSN 2675-6218. doi:10.47820/recima21.v2i10.809. Consultado em 5 de setembro de 2022 
  3. Felix, Tiago. «Principal preocupação é que ocorram eventuais apagões, diz ex-presidente da Aneel». CNN Brasil. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  4. a b Martins, Raphael. «Racionamento atrapalhou retomada da economia em 2001; saiba se problema pode se repetir». G1. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  5. a b «EBC». memoria.ebc.com.br. Consultado em 17 de dezembro de 2020 
  6. «MEDIDA PROVISÓRIA No 2.147, DE 15 DE MAIO DE 2001.» 
  7. Sérgio Bueno, Valor (4 de setembro de 2010). «Gestão que projetou Dilma divide o Sul». Consultado em 29 de março de 2012 
  8. a b c d e f g «O que foi o apagão de 2001? A conta de luz subiu? Pode acontecer de novo?». economia.uol.com.br. Consultado em 8 de junho de 2023 
  9. a b c d e Globo, Acervo-Jornal O. «Da falta de estrutura fez-se a 'crise do apagão' no Brasil do início do século XXI». Acervo. Consultado em 8 de junho de 2023 
  10. Correio Braziliense. «Apagão elétrico custou R$ 45,2 bilhões aos brasileiros». 15 de julho de 2009 
  11. «Folha Online - Dinheiro - Queda de cabo entre Ilha Solteira e Araraquara causou blecaute - 21/01/2002». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 17 de dezembro de 2020 
  12. «UOL Últimas Notícias - Metade do Brasil afetado por apagão 21/01/2002 - 19h33». noticias.uol.com.br. Consultado em 17 de dezembro de 2020 
  13. «PAMPLONA, Nicola e TEREZA, Irany. Em 20 de agosto de 2000, o jeito foi racionar para não ter apagão Rio de Janeiro: O Estado de S. Paulo, 26/06/2006» 🔗. Consultado em 27 de junho de 2008. Arquivado do original em 24 de maio de 2011 
  14. a b «Apagão ou racionamento: 10 termos para entender a crise do setor elétrico». BBC News Brasil. Consultado em 8 de outubro de 2021 
  15. a b c d Doc88. «MegaWhat». MegaWhat. Consultado em 7 de junho de 2023 
  16. a b Doc88. «MegaWhat». MegaWhat. Consultado em 7 de junho de 2023 
  17. «Folha de S.Paulo - Fiasco de plano do governo agrava apagão - 13/05/2001». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 7 de junho de 2023