De Cantu et Musica Sacra

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De Cantu et Musica Sacra
De Cantu et Musica Sacra
Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, Arcebispo do Rio de Janeiro legado papal ao Concilium Plenarium Brasiliense (Concílio Plenário do Brasil), que definiu a norma De Cantu et Musica Sacra.
Propósito Regulamentação da música sacra em todo o Brasil
Local de assinatura Rio de Janeiro
Autoria Sebastião Leme da Silveira Cintra
Criado 1939 (85 anos)

De Cantu et Musica Sacra (Do Canto e Música Sacra) foi a principal norma sobre música sacra (Livro I, Parte II, Capítulo II, Artigo I) do Concilium Plenarium Brasiliense ou Concílio Plenário do Brasil,[1] presidido por Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, Arcebispo do Rio de Janeiro e legado papal ao Concílio Plenário do Brasil e do Congresso Eucarístico Nacional, em Recife, em 21 de julho de 1939.[2]

Significado do Concilium Plenarium Brasiliense[editar | editar código-fonte]

O documentos eclesiásticos mais amplos aplicados diretamente ao Brasil foram inicialmente as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 12 de junho de 1707 pelo Arcebispo Dom Sebastião Monteiro da Vide (aceitas nas demais dioceses erigidas nos séculos XVIII e XIX), em vigor até a realização do Concílio Plenário da América Latina, de 9 de junho de 1899.[3] O Concílio Plenário Brasileiro (1939) foi o primeiro código jurídico-eclesiástico exclusivo para o Brasil, substituindo assim o Concílio Plenário da América Latina de 1899.

Significado da norma De Cantu et Musica Sacra do Concilium Plenarium Brasiliense[editar | editar código-fonte]

No que se refere à atividade musical, as Constituições de 1707 determinaram “que nenhumas pessoas, eclesiásticas ou seculares, tanjam ou bailem, nem façam danças ou jogos profanos nas igrejas, nem em seus adros, nem se cantem cantigas desonestas ou cousas semelhantes”, decisão refletida em vários documentos eclesiásticos brasileiros subsequentes, até o início do século XX.[4][5]

O Concílio Plenário da América Latina, que substituiu as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707) como o máximo código jurídico-eclesiástico para o Brasil, incluiu o decreto De Musica Sacra que, apesar de sua amplitude, ainda manteve os ideais puristas do Concílio de Trento, especialmente na proibição dos idiomas vernáculos, do repertório sacro-popular e do canto feminino, com recomendações expressas à fidelidade dos textos litúrgicos, ao uso dos livros de canto aprovados pela Sagrada Congregação dos Ritos e ao caráter “grave, pio e distinto” da música sacra.[3] Mesmo assim, o Concílio Plenário da América Latina marcou uma nova era no controle exercido pela Igreja Católica no país.

Paralelamente, em 22 de novembro de 1903 (pouco após a entrada em vigor do Concílio Plenário da América Latina), o Papa Pio X (eleito em 4 de agosto desse mesmo ano) fez publicar o Motu Proprio Inter pastoralis officii sollicitudines (Tra le sollecitudini), que acarretou o maior impacto na música sacra desde o Concílio Tridentino:[6] o documento determinou, entre outros aspectos, que das igrejas fossem excluídas as bandas de sopros e todas as formas de composição musical aparentadas à ópera, admitindo somente a música composta com base na polifonia renascentista, principalmente na música de Giovanni Pierluigi da Palestrina (c.1525-1594).

Além da existência de um novo código jurídico eclesiástico no Brasil (o Concílio Plenário da América Latina, de 1899), a música sacra passou a ser regulada, em todo o mundo, diretamente pelo Motu Proprio de 1903 (reiterado em inúmeras determinações diocesanas brasileiras nos anos subsequentes), o que iniciou uma era de clara e intensa regulamentação da prática musical nas igrejas a partir das normas romanas e o progressivo abandono da forma de controle baseada no Concílio de Trento (reformado somente com a promulgação do Código de Direito Canônico de 1917). O Primeiro Sínodo da Diocese de Mariana realizado em 17 de julho de 1903, poucos meses antes da emissão do Motu Proprio de Pio X, foi o último documento diocesano do Sudeste brasileiro a determinar o controle da música nas igrejas a partir do Concílio de Trento, proibindo, entre outras, “quaisquer festividades que, sob o pretexto de devoção, se celebram com orgias ou danças, verbi gratia os congados, charolas, etc.”[7]

A norma De Cantu et Musica Sacra do Concílio Plenário do Brasil (1939)[1] basicamente aplicou no Brasil as determinações do Motu Proprio Inter pastoralis officii sollicitudines (Tra le sollecitudini) de 1903, de Pio XI.

Documentos da Igreja Católica sobre música sacra[editar | editar código-fonte]

A Igreja Católica, desde a Idade Média, emitiu determinações sobre a música sacra, na forma de bulas, encíclicas (epístolas encíclicas ou cartas encíclicas), constituições, decretos, instruções, motu proprio, ordenações e outras. A maior parte dessas decisões foi local ou pontual, e apenas algumas tiveram caráter geral, dentre as quais estão, segundo Paulo Castagna,[8] os doze conjuntos de determinações mais impactantes na prática musical, do século XIV ao século XX, excetuando-se destas as inúmeras instruções cerimoniais (ou rubricas) dos livros litúrgicos:

1. A Bula Docta Sanctorum Patrum de João XXII (1322)[9]

2. O Decreto do que se deve observar, e evitar na celebração da Missa de 17 de setembro de 1562, da Seção XXII do Concílio de Trento[10][11]

3. O Cæremoniale Episcoporum (Cerimonial dos Bispos), publicado por Clemente VIII em 1600, reformado por Bento XIV em 1752 e por Leão XIII 1886.

4. Os Decretos da Sagrada Congregação dos Ritos (1602-1909)

5. A Constituição Piæ sollicitudinis studio, de Alexandre VII (23 de abril de 1657)

6. A Carta Encíclica Annus qui hunc, do papa Bento XIV (19 de fevereiro de 1749)[8]

7. A Ordinatio quoad sacram musicen, da Sagrada Congregação dos Ritos (25 de setembro de 1884)[12]

8. O Decreto Quod sanctus Augustinus de Leão XIII (7 de julho de 1894), ratificado pela Sagrada Congregação dos Ritos como decreto n.3830

9. O Motu Proprio Inter pastoralis officii sollicitudines (Tra le sollecitudini) de Pio X (22 de novembro de 1903)[13][14][15]

10. A Carta Encíclica Musicæ sacræ disciplina sobre a música sacra, do papa Pio XII (25 de dezembro de 1955)[16][17]

11. A Instrução De musica sacra et sacra liturgia sobre música sacra e liturgia, do papa Leão XXIII, 3 de setembro de 1958[18]

12. O Decreto Sacrosanctum Concilium sobre música sacra do Concílio Vaticano II (4 de dezembro de 1963)[19]

Determinações sobre a música sacra no Concilium Plenarium Brasiliense[1][editar | editar código-fonte]

Liber I. Pars Secunda. Caput II. Art. I. De Cantu et Musica Sacra[editar | editar código-fonte]

(p. 162) nº 363, § 1. [...] Cantus vero organi vel harmonii sono sustineri potest [...].

(p. 163) nº 364, § 2. Musici concentus vulgo bandas de música ab ecclesia arceantur, et extra eandem tempora consecrationis omnino sileant; permittatur tantummodo in ecclesia cantus ecclesiasticus legitimis instrumentis suffultus.

(p. 163) nº 365, § 2. In ecclesiis saltem cathedralibus et paroecialibus scholæ puerorum instituantur, quibus, cantum gregorianum et musicam sacram edoctis, munus canendi in divinis officiis committi possit.

(p. 163) nº 366, § 1. In Seminariis, religiosorum domibus aliisque piis collegiis et commumatibus alumni iam a prima ætate studio cantus gregoriani et musicæ sacræ vacent. § 2. Populus instruatur ut hymnos et cantica aliasque partes ad ipsum pertinentes in ecclesiis cantu gregoriano simul canat.

(p. 163) nº 367, § 1. In sacris functionibus prohibentur musicorum cœtus ex viris simul ac mulieribus constituti. § 2. Toleratur quod, præsertim in ecclesiis ad communitatem religiosarum pertinentibus, mulieres et puellæ canant ad normam canonis 1264 § 2.

Liber I. Pars tertia. Caput III. De Sacris Processionibus[editar | editar código-fonte]

(p. 182) nº 407, § 1. Concentus musici, vulgo bandas de música nuncupati, si sacris processionibus instersint, ecclesiam ne ingrediantur, et in itinere sacras symphonias exsequantur, atque sonum intermittant ut clerus cum populo psalmos hymnosque præscriptor canat. § 2. Ne invitentur concentus musici, qui occasionem præbent festa religiosa profanandi. § 3. In processionibus nec non aliis functionibus ne admittantur pueri vel puellæ simulantes peculiares sanctos vel sanctas, toleratis tantum vulgo "anjos" amplis tunicis indutis.

Liber I. Pars Quarta. Caput II. De Seminariis[editar | editar código-fonte]

(p. 202-203) nº 451. In Seminariis instituantur scholæ cantus gregoriani et musicæ sacræ, neque desint lectiones de arte sacra et archeologia christiana, de Actione catholica et de Actione sociali.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b c CONCILIUM Plenarium Brasiliense in Urbe S. Sebastiani Fluminis Januarii Anno Domini MDCCCCXXXIX celebratum a Sebastiano S.R.E. Card. Leme da Silveira Cintra S. Sebastiani Fluminis Januarii Archiepiscopo Summi Pontificis Pii PP. XII legato a latere præside. Rio de Janeiro: Petropolis, 1939. XVI, 419p.
  2. The Cardinals of the Holy Roman Church
  3. a b ACTA et decreta Concilii Plenarii Americæ Latinæ in urbe celebrati. Romæ: Typis Vaticanis, 1900. ix, 462p.
  4. CASTAGNA, Paulo. Sagrado e profano na música mineira e paulista da primeira metade do século XVIII. II SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE MUSICOLOGIA, Curitiba, 21-25 jan. 1998. Anais... Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1999. p.97-125.
  5. CASTAGNA, Paulo. O estilo antigo na prática musical religiosa paulista e mineira dos séculos XVIII e XIX. São Paulo, 2000. Tese (Doutoramento) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 3v.
  6. DUARTE, Fernando Lacerda Simões. Resgates e abandonos do passado na prática musical litúrgica católica no Brasil entre os pontificados de Pio X e Bento XVI (1903-2013). São Paulo, 2016. Tese (Doutorado) – Instituto de Artes da Unesp. 495p.
  7. PRIMEYRO SYNODO da Diocese de Marianna celebrado pelo Exm.º e Rvmº Snr. Bispo D. Silverio Gomes Pimenta; julho de 1903. Marianna: Typographia Episcopal, 1903. 107p.
  8. a b CASTAGNA, Paulo. O estabelecimento de um modelo para o acompanhamento instrumental da música sacra na Encíclica Annus qui hunc (1749) do Papa Bento XIV. Revista do Conservatório de Música da UFPel, Pelotas, n.4, p.1-31, 2011.
  9. ESPERANDIO, Thiago José. A música sob o interdito: a ambiguidade da relação entre a Igreja e a polifonia musical no século XIV. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.
  10. IGREJA CATÓLICA. Decreto do que se deve observar, e evitar na celebração da Missa. Concílio de Trento, Seção XXII, 17 de setembro de 1562.
  11. IGREJA CATÓLICA. Decreto do que se deve observar, e evitar na celebração da Missa. Concílio de Trento, Seção XXII, 17 de setembro de 1562.
  12. SACRA RITUUM CONGREGATIONE. Ordinatio quoad sacram musicem. In: Acta Sanctae Sedis in compendium opportune redacta et il lustrata studio et cura Iosephi Pennacchi et Victorii Piazzesi. Roma: Typis Polyglottae Officinae, 1984. v.17, p.340-349.
  13. PIO X, Papa. Motu Proprio Tra le sollecitudini (22 de novembro de 1903). Versão em português.
  14. PIO X, Papa. Motu Proprio Tra le sollecitudini (22 de novembro de 1903). Versão em italiano.
  15. PIO X, Papa. Motu Proprio Tra le sollecitudini (22 de novembro de 1903). Versão em latim.
  16. PAPA PIO XII. Carta Encíclica Musicæ sacræ disciplina sobre a música sacra. 25 de dezembro de 1955. Versão em latim.
  17. PAPA PIO XII. Carta Encíclica Musicæ sacræ disciplina sobre a música sacra. 25 de dezembro de 1955. Versão em português.
  18. PAPA LEÃO XXIII. Instrução De Musica Sacra sobre música sacra e liturgia. 3 de setembro de 1958. Versão em latim. p.630-663.
  19. IGREJA CATÓLICA. Documentos do concílio Vaticano II.