Diagonal seca

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A diagonal seca, também chamada diagonal de formações abertas (Vanzolini, 1963) ou corredor de savanas (Schmidt & Inger, 1951), compreende uma ampla faixa que se estende do nordeste do Brasil ao noroeste da Argentina, e inclui as áreas biogeográficas da Caatinga, do Cerrado e do Chaco.[1][2][3][4][5] A denominação desse espaço geográfico deve-se a ocorrência de um conjunto de flora e fauna cuja distribuição se estende por essas três áreas. Entretanto, a existência de componentes bióticos endêmicos nessas regiões sugere histórias evolutivas com certo grau de independência.

Essa grande faixa apresenta uma variedade de formações vegetacionais, desde áreas mais abertas, até vegetações herbáceas e arbustivas, e separa as florestas tropicais pluviais, a Floresta Amazônica ao noroeste e a Mata Atlântica ao sudeste. A porção tropical/subtropical da América do Sul, situada a leste dos Andes, compreende extensos biomas cujos limites são determinados principalmente por diferenças nos níveis pluviométricos e características edáficas. Dessa forma, pode ser reconhecida uma dicotomia entre florestas tropicais pluviais, situadas em regiões de alta pluviosidade, sem períodos definidos de deficiência hídrica, e florestas e formações abertas tropicais estacionais secas, as quais apresentam estação seca bem definida[6].Também estão presentes próximos a essas formações secas a Mata dos Cocais e o Pantanal, que, apesar de apresentar alagações durante metade do ano, ainda compartilha muitas características com os outros biomas.

Mapa mostrando as regiões que compreendem a Caatinga, o Cerrado e o Chaco

Diversos esquemas biogeográficos foram propostos no decorrer das últimas décadas [7]tratando dos componentes bióticos endêmicos. As áreas foram originalmente definidas em termos fitofisionômicos, e depois caracterizadas quanto aos padrões de endemismo dos táxons. Tais esquemas são, porém, reduções da história, e sua validade como artifícios analíticos e pontos de partida para análises da coevolução biota-paisagem depende de uma compreensão abrangente a respeito da complexidade das histórias das biotas, suas particularidades e sobreposições.

Origens Biogeomorfológicas[editar | editar código-fonte]

Muitos eventos geomorfológicos podem ter afetado, de forma diferente, a história das diversas linhagens. Em geral, a velha ideia de estabilidade biológica e geológica dos trópicos [8] tem sido substituída por uma visão de maior dinamismo histórico. Há hipóteses ecologicamente orientadas, como a hipótese de gradientes ecológicos[9], há hipóteses que lidam com a dinâmica dos rios [10] ; há aqueles que incorporam a história tectônica [11] ; ainda há outros que ligam os ciclos glaciais com alterações do nível do mar criando incursões marinhas ou lagos de água doce continentais [12]; e finalmente há a ideia de alterações climáticas que favorecem a formação de refúgios de florestas [13]. Todavia, para entendermos os padrões gerais de diversidade, precisamos compreender como a ecologia influencia padrões biogeográficos de larga escala, dentro e entre clados. Entretanto, esses eventos biogeográficos também são produtos dos processos ecológicos, e uma dicotomia entre explicações históricas e ecológicas é artificial. Para lidar com importantes questões sobre a distribuição de linhagens e padrões globais de diversidade, é necessário adotar uma abordagem integradora. A biogeografia histórica pode, por meio do uso de cladogramas de área, responder questões evolutivas e ecológicas, distinguindo modos de especiação e reconstruindo padrões de arranjos de comunidades; a biologia filogenética táxon-orientada , usando ferramentas como os relógios moleculares, pode traçar associações entre eventos geológicos e eventos filogenéticos; a abordagem ecológica, por sua vez, considera os dois vieses anteriores para estudar a evolução de caracteres ecológicos, e a relação entre espécies dentro de uma comunidade. A análise de diferentes grupos fornece informações distintas acerca das alterações passadas na paisagem, portanto, o mapeamento das distribuições dos diferentes táxons é fundamental para a definição das áreas de endemismo e análise das relações históricas, e é de extrema importância, primariamente, para a delimitação dos biomas.

Exemplo disso foi o mapeamento de registros de espécies lenhosas que ocorrem na Caatinga. A partir da distribuição do angico-branco (Anadenanthera colubrina) pode-se reconhecer um novo padrão biogeográfico, inicialmente chamado Arco Pleistocênico, dada sua possível origem associada aos eventos de mudanças climáticas nesse período. Reconheceram-se, então, três núcleos de ocorrência: a Caatinga, Missiones (acompanhando os rios Paraguai e Paraná, entre o nordeste da Argentina, sudeste do estado do Paraná e sudoeste do Mato Grosso do Sul) e Piemonte (florestas subandinas de Catamarca no noroeste da Argentina ao sudoeste da Bolívia).

A vegetação de savana na América do Sul é associada a Área Microfloral Mista, um conjunto paleovegetacional de áreas abertas e que esteve amplamente distribuído na porção sul do continente desde o final do Cretáceo. Esta área esteve sob condições climáticas temperadas e secas, em contraste com a paleoflora do norte do continente.

Kielmeyera coriacea em vegetação de cerrado
Vegetação Caducifólia na caatinga
Caatinga pós período de chuva, evidenciando vegetações de brejo ao fundo
Campo savânico na região do Chaco

A partir do soergumento dos Andes, cerca de 3 a 2 maa, houve, como consequência, alterações no relevo da América do Sul que mudaram significativamente a configuração espacial de certos locais. A que conhecemos hoje, dos domínios savânicos, deve-se, principalmente, ao soerguimento do Planalto Central Brasileiro, que culminou com uma subsidência da região da planície onde hoje se estabelece o Chaco, além de uma intensa desnudação no nordeste brasileiro, com o surgimento da formação sedimentar Barreiras. O Chaco, desta maneira, teria surgido como consequência desta subsidência. Já os atuais níveis altitudinais do cerrado, surgiram com o mesmo soerguimento do Planalto Central. Destaca-se que as características edáficas do cerrado estão relacionadas a eventos anteriores ao quaternário. Durante o final do cretáceo e primeira metade do oligoceno, o clima na região, onde encontra-se o cerrado, esteve mais úmido, o que ocasionou intemperizações nas rochas do local. Na segunda metade do oligoceno (28 maa), o clima tornou-se mais frio e seco, e uma sedimentação levou ao surgimento de solos profundos, como conhecemos hoje. A caatinga tem origem concomitante a do Cerrado[14], apenas em condições de maior aridez local. O soergimento do planalto central brasileiro, no final do terciário, deve ter determinado as condições mais secas para o Nordeste do Brasil. No entanto há registros de uma fauna relictual mais antiga associada às condições secas.

São relatados 4 períodos de glaciação, que sucedem diminuições na temperatura, nos níveis pluviométricos e alterações na paisagem, com a expansão das vegetações sazonalmente secas e retração das florestas pluviais. Mas as avaliações das mudanças ocorridas nos períodos glaciais na América do Sul tem se restringido ao último pico glacial, LGM (último máximo glacial), entorno de 20.000 anos atrás. Os eventos gerais climáticos que afetaram a América do Sul no final do Pleistoceno e Holoceno alteraram drasticamente a fauna da América do Sul[15]. No LGM o clima predominante na América do Sul foi mais seco, enquanto no HCO (Holocene climatic optimum – clima ótimo do Holoceno, entre 5,000 e 9,000 anos atrás) era mais úmido. Na América do Sul, espaços abertos com gramíneas abundantes foram severamente reduzidos em áreas tropicais e subtropicais durante o HCO. Considerando-se que, em todo o mundo, o LGM do Pleistoceno superior foi mais seco do que é atualmente[16], associa-se o nosso máximo cenário de abertura vegetacional a esta fase.

Quanto à região hoje dominada pela floresta amazônica, tem havido intenso debate acerca do tipo de vegetação que a ocupou durante os períodos glaciais. Enquanto muitos autores defendem que a floresta pluvial teria sido substituída predominantemente por vegetação aberta de savana, outros defendem que apenas as áreas marginais foram ocupadas por essa vegetação.[carece de fontes?] São consideradas evidências do processo de retração e expansão ocorridos, a presença de enclaves de florestas úmidas no interior da Caatinga. Baseado em padrões de distribuição de mamíferos, no registro fóssil e na ecofisiologia, Vivo (1997) sugeriu que uma floresta de brejo capaz de suportar mamíferos arbóreos de florestas tropicais existiu na área presentemente ocupada pela Caatinga, ligando Amazônia Oriental e as florestas tropicais do Atlântico.

Características Físicas[editar | editar código-fonte]

O Cerrado se encontra majoritariamente sobre o Planalto Central Brasileiro, em locais com 500 a 1.200 metros de altitude; os solos são mais intensamente lixiviados, ácidos e mais pobres em nutrientes, em comparação com a Caatinga e o Chaco. A Caatinga e o Chaco correspondem a terras baixas sendo que a Caatinga em geral ocorre em depressões interplanálticas de solos rasos e pedregosos, sem ou com lençol freático de distribuição restrita. O Chaco se encontra em uma planície mais uniforme, correspondendo a uma bacia sedimentar de solos de sedimentos finos, profundos e compactados, quase sem rochas, o que dificulta a infiltração de água e deixa o lençol freático inacessível às raízes das plantas.

Levando em conta a pluviosidade, o Cerrado é o que apresenta os maiores valores pluviométricos, resultando na formação de dois pólos de aridez na diagonal seca. Se a pluviosidade for considerado fator ecológico chave para a distribuição das espécies, é importante evidenciar que alterações passadas, como o aumento da aridez nos períodos glaciais do Pleistoceno, influenciaram no seu padrão de distribuição. Muitos casos de disjunção entre a Caatinga e o Chaco são explicados dessa maneira. No entanto, as características do solo também influenciam a ocorrência de vegetação e, portanto, também influenciam na fauna. A Caatinga e o Cerrado são tipicamente tropicais, com temperaturas relativamente altas o ano todo. Porém o Chaco, possuindo clima subtropical, apresenta grande variação sazonal, possuindo um verão com as temperaturas mais altas do continente, enquanto que no inverno há ocorrências de geadas frequentes.

Vegetação[editar | editar código-fonte]

Quanto a vegetação, dois tipos de fitofisionomias ecologicamente distintas nas regiões tropicais sazonais podem, a priori, serem distinguidas: as florestas sazonais secas, que apresentam um porte florestal com esparso sub bosque herbáceo e que podem constituir-se em florestas semideciduais e as savanas, com componente herbáceo-graminoso representativo e que apresentam alta resiliência perante condições ambientais desfavoráveis, como pastejo ou incêndios . As vegetações ali presentes possuem porte, área basal e biomassa aérea menores que as florestas tropicais úmidas. Tais fitofisionomias estão sob condições de altas temperaturas, precipitação anual inferior a 1500mm que ocorre em distribuição irregular e solos relativamente férteis. São detentoras de uma beleza incomum dentro de padrões concebidos como adversos.

Quanto a Caatinga, uma variedade de classificações para vegetação já foi proposta: caatinga alta, caatinga baixa, sertão e agreste. Sem contar a presença dos brejos de altitude que são áreas de Mata Atlântica ocorrendo em zonas de maior altitude. O Cerrado compreende um domínio morfoclimático com vegetações diversas, incluindo florestas densas às beiras de rios (matas ripárias). Na maioria de suas áreas, encontram-se vegetações savanicas sobre solos profundos e arenosos que não permitem que haja um grande acúmulo de água na superfície e nos lençóis freáticos, o que caracteriza a presença de um estrato graminoso-herbácio.

Com relação ao Chaco, Pennington [quem?] destaca ser a única região do mundo onde a transição entre as zonas tropicais e temperadas não é um deserto, mas uma região semiárida com florestas. É formado de um estrato arbustivo descontínuo e o herbáceo esparso. A composição florística é mais relacionada com a do deserto de Monte (Argentina). É importante ressaltar que esses domínios possuem vegetações polimórficas, mais abertas do que florestais. Possuindo, além de enclaves de vegetação diversa, matas de galeria ao longo dos cursos de rios.

Extinção da Megafauna de Mamíferos[editar | editar código-fonte]

Grande parte da radiação de linhagens de mamíferos que ocorreu durante o Pleistoceno-Holoceno deve-se à expansão de habitats herbáceos decorrente de climas mais secos. Com a posterior regressão destes habitats, derivado de umas mudança climática, houve extinção de grande parte das linhagens de mamíferos. [15]

Com as diferenças nos fatores climáticos que ocorreram durante o Pleistoceno-Oloceno, as paisagens da América mudaram de maneira diferente em relação a quantidade de biomassa herbácea, quando comparadas às paisagens savânicas africanas, por exemplo. Estas diferenças estão relacionadas principalmente com diferentes constituições do solo [17]. Tais mudanças na fitofisionomia são uma provável explicação para a diferente composição de mamíferos nos dois continentes, principalmente em relação a megafauna, já que na África os ambientes continuaram savânicos, devido ao solo mais pobre, e nas savanas neotropicais o solo mais rico permitiu um acentuado surgimento de uma floresta mais densa (fator que colaborou para as extinções).

Referências

  1. Vanzolini, P. E. 1963. Problemas faunisticos do Cerrado, p. 307–320. In: Ferri, M. G. (ed.), Simpósio sôbre o Cerrado. São Paulo, Universidade de São Paulo, 469 p.
  2. Schmidt, K. P., and R. F. Inger. 1951. Amphibians and reptiles of the Hopkins-Branner Expedition to Brazil. Fieldiana. Zoology 31: 439–465.
  3. Ab’Saber, A. N. (1980). Os domínios morfoclimáticos na América do Sul. Primeira aproximação, [1].
  4. Prado, D. E. & Gibbs, P. E. 1993. Patterns of species distributions in the dry seasonal forests of South America. Annals Missouri Botanical Garden, 80: 902-927, [2].
  5. Silva, J. D. (1995). Biogeographic analysis of the South American Cerrado avifauna. Steenstrupia, 21(1), 49-67
  6. Zanella, F. C. (2011). Evolução da Biota da Diagonal de Formações Abertas Secas da América do Sul. In Carvalho e Almeida (2011) Biogeografia da América do Sul. Roca
  7. Pennington, R.T., Prado, D. E., & Pendry, C. A. (2000). Neotropical seasonally dry forests and Quaternary vegetation changes. JournalofBiogeography, 27(2), 261-273
  8. Sanders, H. L. (1969). Benthic marine diversity and the stability-time hypothesis. Pages 71-81 in G. G. Woodwell
  9. Endler, J. A. (1982). Problems in distinguishing historical from ecological factors in biogeography. American Zoologist, 22(2), 441-452.
  10. Wallace, 1952; Salo, J.,Kalliola, R., Häkkinen, I., Mäkinen, Y., Niemelä, P., Puhakka, M., &Coley, P. D. (1986). River dynamics and the diversity of Amazon lowland forest. Nature, 322(6076), 254-258.
  11. Patton, J. L., Da Silva, M. N. F., & Malcolm, J. R. (2000). Mammals of the Rio Juruá and the evolutionary and ecological diversification of Amazonia.Bulletin of the American Museum of Natural History, 1-306
  12. Klammer, G. (1984). The relief of the extra-Andean Amazon basin.In The Amazon (pp. 47-83). Springer Netherlands; Marroig, G., &Cerqueira, R. (1997).Plio-Pleistocene South American history and the Amazon Lagoon hypothesis: a piece in the puzzle of Amazonian diversification. JournalofComparativeBiology, 2, 103-119
  13. Haffer, J. (1969). Speciation in Amazonian forest birds. Science, 165(3889), 131-137; Vanzolini, P. E., & Williams, E. E. (1970). South American anoles: the geographic differentiation and evolution of the Anolischrysolepis species group (Sauria, Iguanidae)
  14. Gottsberger, G., &Silberbauer-Gottsberger, I. (2006). Life in the Cerrado: Origin, structure, dynamics and plant use (Vol. 1). RetaVerlag
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