Discussão:Étienne de La Boétie

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La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária ou Uma Profilaxia Espiritual[editar código-fonte]

por CGER

I - Introdução


“ Então Deus disse:« Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra». Deus criou o homem à sua imagem; à sua imagem de Deus ele o criou; e criou-os homem e mulher.”

Génesis 1,26-27

Aceitar o repto aliciante, em abordar, na perspectiva do Divino, a obra de Etienne de La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária ou O Contra Um como posteriormente foi rebaptizada segundo informação de Michel de Montaigne é sempre um desafio inacabado e intemporal. Isto porque, sendo a presente obra de carácter universal e intemporal, ela é também um alerta sobre o comportamento do ser humano no desempenho do poder e a sua íntima relação com os princípios mais basilares da humanidade: a dignidade humana. O autor transporta-nos, com o seu olhar, através de uma peregrinação histórica que abrange, o seu contexto próximo, do qual se distancia e o mundo egípcio, bem como a Antiguidade Clássica Ocidental e oriente Persa. Para tal faz uma retrospecção e uma prospecção sobre o Homem e as suas expectativas num Deus liberal, que não pode deixar de agir com uma magnanimidade justa na reposição da verdade, sobre aqueles que atentaram e atentam contra a verdadeira dignidade da condição humana. Tudo isto porque o afã, que move o ser humano na sua relação, com o acesso ao exercício do poder e a sua auto-ilusão face ao mesmo, conduzem a um desvirtuamento, relativamente ao que de mais divino existe e anima o interior do corpo, ou seja, a verdadeira natureza humana. Sendo o homem criado à verdadeira imagem de Deus ele julga ter a veleidade, por inerência, de se querer tornar um Deus terreno na presença dos seus súbditos, ao aclamar-se como seu representante, para assim satisfazer os seus desejos, rompendo com uma igualdade que o conduz a uma corrupção sem limites como se de uma alienação se tratasse em relação à sua essência originária. Na obra testemunhamos todos os tiques dos soberanos terrenos e subsequentemente também, o exercício de uma consciência com requintes de malvadez, não só entre os soberanos terrenos e os seus súbditos, mas também entre os próprios súbditos, facto que nos poderá remeter para uma simples questão: O homem ao afastar-se da sua origem, não terá no seu gene sementes de se julgar Deus? Ora isto conduzir-nos-á à questão do corpo e do tempo. Assim sendo, o homem enquanto corpo é a subversão da natureza divina pelo facto de ter criado hábitos que se revelam numa vontade de poder, ganância , soberba e avidez. Numa retrospectiva histórica atenta, verificamos, que com este agir, não há passado, presente nem futuro terreno. O problema está lá, isto é, o erro que ele cometeu é perene na terra ignorando, este, a predestinação convencido de que a morte é um ponto final na vida, construindo, deste modo, uma existência inautêntica para se iludir face à única certeza existencial. O Homem em La Boétie, pré-existe, encarna na terra para evoluir e aguarda julgamento por ter desvirtuado a utopia terrena e alterado o plano divino, isto é, ele não é digno da sua liberdade. Assim, temos um fim que é o princípio, isto é, a eternidade espiritual não tem tempo, ao contrário da união corpo e alma que se consubstanciam num tempo cronológico e escatológico associado a um eterno retorno. A salvação é uma peregrinação individual, onde a lei terá que ter como verdadeira acção uma pura igualdade, que segundo São João consiste nas palavras proferidas por Jesus Cristo: “Dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros. Assim como Eu vos amei, também vós deveis amar-vos uns aos outros.” E esta Lei é a possibilidade da transgressão original poder ser corrigida. No Discurso Sobre a Servidão Voluntária, a salvação consiste em seguir os passos exemplares do verdadeiro eleito por Deus, que veio ao mundo para nos mostrar o verdadeiro caminho. E aqui sim, a possibilidade de realizar a utopia poderá ser um dado exequível. Isto é, a graça é possível desde que o homem tenha uma vontade pura . Em La Boétie poderemos encontrar na sua personagem, o que: “ A todo o homem ilustrado se impõe este quesito: - qual é o papel da humanidade no teatro universal? Os sábios para responder, consultam a natureza. Os filósofos, dispensando essa formalidade, põem-se a olhar para o invisível.” Quiçá , La Boétie, veja o mundo com a sageza desta dupla perspectiva ?!


II - O princípio ou uma das causas


«Submetei-vos todos às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram instituídas por Deus. Quem se opõe à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus. Aqueles que se opõem atraem sobre si a condenação.» São Paulo, Romanos, 13, 1-3

Ao longo da obra, Discurso sobre a Servidão Voluntária, Etienne La Boétie faz a apologia de Deus como um Ser omnipresente, omnisciente e omnipotente, sendo Ele a única esperança que a humanidade possui para que a recta justiça seja feita num futuro eterno, porque só assim se poderá corrigir a insubordinação cometida pelo homem face a todo o plano divino. Esta insubordinação começa a vislumbrar-se com a citação, no início do texto, que faz de Homero: “Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.” É como se nos estivesse a remeter para o início de uma história significativamente trágica para a humanidade, isto é, as relações entre os homens e as dos soberanos terrenos com os seus súbditos passarão a ser de ódio e paixão. Na essência, temos aqui um problema de consciência ética, onde a opção do livre-arbítrio versus servo-arbítrio é intrínseca a toda condição humana e, concomitantemente, representa também, a possibilidade da perversão de todos os princípios naturais da Lei de Deus, porque ele ao criá-lo, é intenção sua que este respeite a igualdade. É assaz claro, que a Ilíada, é um texto poético onde as relações entre os chefes e os soldados são já por si complexas e ainda mais complexas se tornaram ,quando os deuses mantêm com todas as personagens uma relação de proximidade e de distância, permanecendo assim, a sensação de que os deuses são condição primeira para que os guerreiros assumam a sua imortalidade, desempenhando, estes também, o papel de juízes, de modo a que possam julgar as acções, realizadas em conformidade ou contrárias aos planos pré-definidos no Olimpo. Ora, isto revela-nos que o mundo da Ilíada está imbuído de um politeísmo antropomórfico, em que as relações humanas com os deuses patenteiam uma certa obediência e práticas ritualistas, onde as oferendas aparecem como se fossem orações, de modo a satisfazer os desejos mais díspares dos deuses, apaziguando-se assim, as suas iras e obtendo-se em troca, os seus favorecimentos sobre um pedido concreto. Portanto, temos assim uma relação cingida numa (des)obediência entre os homens e os deuses. Na Ilíada manifesta-se também, de forma clara, que o povo aclama o guerreiro para o conduzir nas grandes façanhas épicas elevando-o à sua imortalidade e abrindo-lhe as portas do panteão dos deuses. É óbvio, também, que um exército comandado por vários chefes poderá acarretar várias consequências, na distribuição do saque conquistado à custa das vidas humanas. Daí que a possibilidade de reproduzir, de forma mimética, a estrutura hierárquica do Olimpo para o mundo dos mortais é a solução mais viável e aquela que se aproxima mais da verdadeira realidade, ou seja, do princípio de que “Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.” É nesta transposição que reside o cerne da questão da servidão humana, na medida em que, se vários chefes elegem um entre eles, por inferência, os seus povos submetem-se a um só chefe e aqueles que o elegeram constituirão uma classe intermediária entre o chefe eleito e o povo. E, se esta hierarquização mimética do mundo dos deuses for consciente, então, uma só pessoa ou chefe encarnará na sua figura a representação do poder como se fosse eleito pelos deuses do Olimpo para exercer o poder e tornar exequível, no tempo cronológico do corpo, o plano divino. Consequentemente, e aos olhos das almas que habitam a terra, deparamo-nos com a existência de uma teogonia que pré existe, de modo subtil, nas mais diversas formas de exercer o poder e de governar povos, sejam elas monarquias, oligarquias, timocracias, teocracias, tiranias ou qualquer outra forma de acção política, sendo o exemplo mais claro, é o dos “ reis espartanos, que habitualmente reinavam aos pares, preocupavam-se bastante com a sua imagem, afirmando tanto a sua descendência de Hércules como uma posição especial entre os restantes chefes gregos.” Ora, isto implica a existência de uma generosidade da magnanimidade divina ao dar esta possibilidade ao ser humano. Mas, a sua avidez comete o seu pequeno/grande pecado, porque: “ De facto, no que diz respeito às relações com as divindades, uma das regras fundamentais da sabedoria grega é que o homem não pode de forma alguma pretender tornar-se igual a eles.” Ulisses, ao pronunciar tais palavras, perante os chefes Aqueus, provenientes das mais variadas localidades da Grécia, sentenciou o princípio e o fim da possibilidade de uma boa ou má governação para a história do Ocidente. Isto é, a sua afirmação foi como a de um oráculo para a humanidade. Um gesto análogo é o de Clearco , quando foi a Delfos para copiar pelas suas próprias mãos a inscrição que estava no templo do Oráculo de Apolo: “Conhece-te a ti próprio,” para a anunciar aos seus concidadãos. Também Platão, corrobora esta ideia, no livro terceiro da República, quando afirma que: “ Aquiles , sendo filho de uma deusa, e de Peleu, que era tão sensato e descendia de Zeus na terceira geração, e tendo sido educado pelo sapientíssimo Quíron, tivesse um espírito tão desordenado, que albergasse no seu íntimo dois males contrários um ao outro, uma grosseira ambição, e, por outro lado, um sobranceiro desprezo pelos deuses e pelos homens.” O que vem reforçar que com as palavras de Ulisses e a atitude assumida por Aquiles, se deu início a alguma coisa que se tornará trágico para a humanidade, ou seja, as relações entre os homens e os seus estilos de governação assentarão sempre na dúvida sobre a incerteza da intencionalidade dos governantes, mas também, com laivos de esperança de que os desígnios dos planos divinos sejam de facto concretizados em prol de uma existência mais humana. As palavras proferidas por Ulisses, e citadas por La Boétie, só irão reforçar a razão de Platão, quando se insurge, na República, contra os poetas como Homero, por escreverem coisas contrárias à verdadeira natureza humana. Daí, Platão indignar-se, ao afirmar que: “Pelo contrário, foram os poetas a dizer que não cometeram tais actos, ou então que não eram filhos de deuses, mas que não afirmem as duas coisas a um tempo, nem tentem convencer os nossos jovens de que os deuses são causadores do mal, e de que os heróis não são em nada melhores do que os homens. Tal como anteriormente dissemos, isso é ímpio e falso, pois demonstramos que é impossível que o mal venha dos deuses.” . Estas efabulações criadas pelos poetas nos jovens, remetem-nos para um problema de carácter ético que percorrerá todo o tempo cronológico da humanidade, e em simultâneo, para a procura de uma resposta no sentido de se saber o até que ponto a intenção divina interfere na relação que o homem mantém com o poder que lhe foi delegado. A questão das chefias no mundo cristão é também superiormente colocada, na célebre epístola aos Romanos, por São Paulo, quando nos assegura que “Os homens desprezaram o conhecimento de Deus; por isso, Deus os abandonou ao sabor de uma mente incapaz de julgar. Desse modo, eles fazem o que não deveriam fazer: estão cheios de todo o tipo de injustiça, perversidade, avidez, malícia; cheios de inveja, homicídio, rixas, fraudes e malvadezas; são difamadores, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, soberbos, fanfarrões, engenhosos no mal, rebeldes para com os pais , insensatos, desleais, gente sem coração e sem misericórdia. E apesar de conhecerem o julgamento; que considera digno de morte quem pratica tais coisas, eles não só as cometem, mas também aprovam quem se comporta assim.”. Torna-se, então, indispensável questionar este ser humano que age como se fosse o dono do universo. Que lei ou leis o legitimam a ter condutas nada dignificantes à sua condição originária? Ora, o comportamento do soberano terrestre em La Boétie, assume a atitude atrás descrita por São Paulo e salvo raras e honrosas excepções no tempo cronológico e em algumas tribos, nações ou estados, registámos que o homem tem sido um mau co-aliado da história da Humanidade. Isto é, o soberano terrestre tem mantido um modo de proceder que é de todos tempos: Antiguidade Clássica –ocidental e oriental -, Idade Média, Renascimento, e se nos aventurarmos mais, podemos referenciar toda a história da humanidade, pós La Boétie, ou seja, Idade Moderna e Idade Contemporânea, onde encontramos interpretações díspares de formas muito particulares da prática de exercitar esta forma de poder. Esta acção tem efeitos nefastos sobre os súbditos pelo facto de a lei natural ter sido subvertida. Galvão Telles, reputado jurista, em Introdução ao Estudo do Direito também se depara com o problema da subversão, ao afirmar que “Pode acontecer, e acontece por vezes infelizmente, que o direito positivo está em contradição com o natural. Claro que só numa restrita medida isso sucederá, porque o direito natural se reduz necessariamente a um pecúlio muito limitado de princípios imutáveis que são conforme a natureza do homem, no que este tem de permanente. Alguma coisa há de permanente na natureza do homem, pois de contrário o homem deixaria de o ser. Mas há também muito de mutável, e isso, que é a maior parte, fica abandonado à soberania livre do direito positivo.” E este dilema, para La Boétie, reside essencialmente, na impossibilidade de o homem poder inquirir o próprio homem, perscrutando-lhe a sua intencionalidade. E ele corrobora-nos esta vontade intemporal, quando diz: “Razão tinha Momo para zombar, quando censurou o homem forjado por Vulcano, por não lhe ter feito no coração uma janela através da qual pudessem ser vistos os seus pensamentos !” O que para o conhecimento do senso comum, em Portugal, tem o seu equivalente no provérbio “Quem vê caras não vê corações.” Digamos que o acesso, por parte do homem ao outro, é um enigma com o qual terá de conviver sempre, na esperança de que a sua consciência exteriorize, na prática, uma acção humanizadora, disposição esta, natural e transversal a toda a humanidade, e por isso, “ O povo delega naquele que acha ser o melhor líder sempre com a esperança de que tudo se resolva e daí suportar-lhe certas leviandades, mas o poder inebria-o e aí ele julga-se um Deus.” Posta esta situação perguntámo-nos: porquê? É óbvio que o texto de La Boétie também nos impele, incessantemente, para este interrogar e já para outras questões, tais como: quais as razões que nos incitam a ter este procedimento? Porque é que o homem, regularmente, se sente deslumbrado ao ser indigitado para exercer um cargo? Porque necessita ele avidamente do poder? Quais as causas que levam um ser humano, a sujeitar-se àquele que lhe é igual na sua essência ? Segundo La Boétie, poderemos encontrar o fundamento desta maneira de ser na transgressão da lei da igualdade primordial, que ele violou, quando Deus lha legou, ao criá-lo à sua imagem, já que “as sementes do bem que a natureza em nós coloca são tão pequenas e inseguras que não aguentam o costume contrário,” remetendo-nos, assim, La Boétie para um distanciamento entre o homem e Deus. Subsequentemente, poderemos inferir, ser verdade a possibilidade de ter existido uma desobediência primária perante a verdadeira semente. Deste modo, é nos lícito afirmar que o homem muito antes, de apelar à desobediência civil face ao seu semelhante, já o tinha feito, ao recusar a igualdade de Deus, ou seja, trata-se de um comportamento inato à sua condição. Na sequência desta perspectiva, poderemos afirmar que esta desobediência irá acarretar para a humanidade graves consequências, nomeadamente, a origem da desigualdade e a servidão do homem perante o homem. Daí, as palavras inocentes de Ulisses, a alertar para a necessidade de se escolher “Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém”. Partindo, assim, deste princípio de desobediência original, o homem transgride a verdadeira lei divina/ natural. E o seu afã consistirá na obrigação de ter, impreterivelmente, que percorrer peregrinamente uma longa Via Sacra, até reconhecer uma igualdade, que seja plena e efectiva com os seus. Em La Boétie, o homem surge-nos sob a égide de uma lei que é tríplice. Convém explicitar o porquê desta afirmação, isto é, o que se pretende dizer com esta posição. Em primeiro lugar, o homem que nos é apresentado transporta dentro do seu corpo, de modo inato, um gérmen do seu criador. Em segundo lugar, está submetido à lei do mais forte, isto é, a uma dimensão biológica que dotou cada corpo humano, de uma fisionomia e de uma habilidade que lhe permitem sobreviver. Em terceiro lugar, a única forma aparente de contornar toda esta desigualdade biológica é a capacidade de usar a razão, de forma particular, ou seja, a qualidade específica que lhe possibilita elaborar leis, com destino a poder suportar-se a si próprio leis estas, que se encontram incorporadas nos ensinamentos originais do dever ser, isto é, nas ideias de igualdade, liberdade e fraternidade. É óbvio que estes ensinamentos ou desígnios do dever ser divino, se apresentam ao comum dos mortais sob a aparência de uma quimera impossível de concretizar, alegam os mais pessimistas, em tom muito irónico e, às vezes, até de forma malévola, como se fossem proprietários da verdade. Mas, se estes ensinamentos sofrem de alguma doença que resulte numa obstrução à sua exequibilidade, deve-se única e exclusivamente à vontade de poder do homem. Porquê? Porque este tem medo da igualdade plena, ante os seus! Subsequentemente, a servidão só terá fim quando o homem restabelecer a igualdade original/primordial em que foi gerado, ou seja, quando puser em prática a lei que ele aceitou no paraíso. Aqui reside uma das grandes esperanças do homem, ou seja, se falamos em Lei divina e lei positiva, é devido ao facto da sua eternidade estar a co-habitar na vitalidade da alma peregrina do homem. Ela é a única possibilidade de podermos concretizar a utopia recusada, aquando da desobediência do pleno dever ser, ou seja, da igualdade, liberdade e fraternidade. Só que o homem não soube ser livre, isto é, ele tornou-se mau no uso da sua liberdade original. Segundo La Boétie, e validando o que no parágrafo atrás referimos, os “homens não aguentam o embate do costume contrário.” Pelo facto de não saberem exercer a sua genuína liberdade. Neste aspecto, S. Paulo, na sua notável Carta aos Romanos, tinha razão ao dizer que só há uma verdadeira lei, “ Porque diante Dele ninguém será justificado pelas obras da Lei, pois da Lei vem só o conhecimento do pecado.” E esta subversão, que consiste na mutabilidade que fica ao livre arbítrio do homem, guiou-o à pura negação da utopia terrena e celestial, em consequência, o homem inadvertidamente, induziu a sua alma para uma germinação assente numa vontade de poder, levando-o à criação da dimensão do Mal. Isto é, o homem está entregue a si, mesmo, porque assim decidiu, escolher este caminho, esquecendo-se de que “Uma coisa é claríssima na natureza, tão clara que a ninguém é permitido ser cego a tal respeito, é o facto de a natureza, ministra de Deus e governanta dos homens, nos ter feito todos iguais, com igual forma, aparentemente num mesmo molde, de modo a que nos reconhecêssemos como companheiros ou mesmo irmãos.” Daqui se infere que, uma vez mais, que a verdadeira Lei assenta numa irmandade fraterna e igualitária, onde a partilha é uma pura e perene amizade fundada no amor natural e original, isto é, somos provenientes de uma utopia esquecida, “onde não há Lei, não há transgressão”. Os mais cépticos poderão colocar a seguinte questão: será que um mundo concebido, segundo esta visão, faz sentido? Que leis poderão ser essas? Não será esta visão de mundo original uma pura anarquia? Quanto aos primeiros, poderemos responder-lhes que o receio da possibilidade de uma realidade mais verdadeira e de acordo com uma igualdade divina lhes poderá causar receio e abalar todos os seus alicerces conceptuais de mundo. Quanto à segunda questão, poderemos alegar que a anarquia só existe num mundo em que vigora a lei do mais forte porque na Lei Divina o Homem age sempre em conformidade com um dever ser e em igualdade para com Deus, ou seja, não existem relações assentes numa lei artificial mas sim numa lei autêntica. A lei original, a lei da verdade pura! A lei do homem está doente, porque ele pensou imitar Deus pela via negativa. Apesar de se inspirar na lei natural, a sua verdadeira lei, não abdicou de se adaptar segundo os seus intentos concupiscentes, o que o levou a endoutrinar o seu próximo com uma lei corrompida, artificial e fundada no mais forte, tal como “ Licurgo, com as suas leis e a sua arte política, tão bem educou e formou lacedemónios que todos preferiam sofrer mil mortes a submeter-se àquilo que não fosse a lei da razão.” Nesta perspectiva, o homem esqueceu Deus, alienando-se assim da fonte da vida. Ele criou um mundo em que, às vezes, nas relações intersubjectivas e interpessoais, sucede aquilo que La Boétie reforça, ao afirmar que : “ Quanto ao tirano, nem os próprios favoritos podem ter confiança nele, pois aprenderam por si que ele pode tudo, que não há direitos nem deveres a que esteja obrigado, a sua única lei é a sua vontade, não é companheiro de ninguém, antes senhor de todos.” É o Homem que promulga a lei, desde o início dos tempos, arrastando o ser humano para a desconfiança, ou seja, o homem desconfia de si mesmo quando se insurge veementemente, tendo já Platão alertado para esta situação já no Fedro , ao narrar-nos o mito de Thot, sobre a origem da escrita e os seus malefícios para o homem, porque ela remete-nos para o esquecimento da verdade, ideia, aliás, mais tarde defendida por S. Paulo, na segunda Carta aos Coríntios, ao revelar-nos que “A letra mata, mas o espírito comunica a vida”, ou seja, ela racionaliza o ser humano, cinge todos os seus comportamentos a uma tirania, e esta faz-se pela reeducação do pensamento. Subsequentemente, submete o Homem a uma tirania do olhar, sob a arte do esquecimento dos verdadeiros preceitos divinos, relegando para o silêncio e para o esquecimento a verdade. O homem tem medo da verdadeira lei que o criou! Que consequência terá a lei (re)criada pelo homem, à sua maneira, no seu actuar quotidiano? La Boétie introduz na sua obra duas personagens que para o mundo ocidental, o qual cresceu enraizado num pensamento com tradições greco-romanas e judaico-cristãs, assumem um papel mítico e lendário no imaginário de toda uma tradição oral e escrita e uma relevância deveras importante na formação dos actos do Homem. São elas Hércules e Sansão. Se as analisarmos poderemos verificar que há bastantes analogias entre as duas, tanto uma como a outra desempenharam um papel deverás importante no decorrer do nosso tempo cronológico, isto é, elas nascem com um objectivo: repor justiça onde existe abuso de poder, consubstanciando-se em Deus por serem suas enviadas à terra. Todo o seu campo de acção reside sempre num contexto, em que os deuses da mitologia greco-romana e o Deus judaico-cristão procuram manifestar a sua ira face às violações éticas que o Homem comete ao próprio homem. Ora, podemos subentender, em La Boétie, que Deus intervém com o seu braço direito, ao enviar almas intermediárias, para que o percurso da nossa cronologia no tempo possa ter um renovar de consciência para uma nova (re)orientação para a verdadeira igualdade. Uma outra ilação a retirar é que estas manifestações, salvo raras excepções, não incidem em reis ou outro género de governantes, mas sim em indivíduos simples que acabam por alterar, de forma efectiva, o olhar do ser humano, levando-nos para novos horizontes, que em silêncio nos fazem rememorar a memória do esquecimento primordial. Isto indo mesmo contra aqueles que não admitem esta possibilidade no seu silêncio hostil e aterrador perante uma realidade que não lhes interessa admitir como tal. E na finitude de pessoas extraordinárias como estas que poderemos observar, verificar e sentir no seu agir a Infinitude Divina. Tanto Hércules como Sansão são dois bons exemplos apresentados por La Boétie, sendo o primeiro filho de Zeus e de uma mulher mortal, tinha como destino a imortalidade em todo o mundo ocidental ao tornar-se herói perfeito em todo o Mundo Antigo e o segundo, Sansão, “ que desde o seio da mãe ele será consagrado a Deus” para que os homens se questionem repondo a justiça. Nesta perspectiva, o Homem tem de evoluir ética e socialmente para que os grandes mandamentos emanados pela verdadeira Lei, lhe sirvam para a construção de uma utopia, que existe como semente dentro de si, e de reger a igualdade fraterna que deve assumir-se como um dado, não ilusoriamente adquirido, onde não se insista numa existência de falsas ambições silenciadas e hipocritamente escondidas. Só seguindo esta Lei o homem poderá abandonar o terror do seu agir individual perante o seu semelhante, ou seja, ele é a única possibilidade de se refazer a si mesmo e, concomitantemente, um novo mundo, porque ele ao recusar a igualdade natural encaminhou-se para a terra incógnita !

III – A liderança


Contra a Sociedade Aberta ( Cerca de 80 anos mais tarde) O maior de todos os princípios é o que ninguém, homem ou mulher, deve dispensar a orientação de um líder, ou mentalizar-se de que pode ter iniciativas próprias, quer por excesso de zelo, quer por diversão. Na guerra como na paz, é ao líder que ele deve olhar e seguir fielmente, mesmo nos assuntos mais triviais. Deve levantar-se, ou mover-se, lavar-se ou tomar as suas refeições... exactamente como lhe foi dito. A sua alma deverá, paulatinamente, ir renunciando ao sonho de agir por livre iniciativa, até se tornar incapaz de o fazer Platão de Atenas

Parece-me ser pertinente colocar as seguintes questões a La Boétie: género de liderança necessita um povo para ser conduzido à verdade? Um rei com as características dos heróis míticos? Um rei herói? Um rei profeta? Um rei sacerdote? Um rei poeta? Um rei humanista? Ou um rei, cujo o reino não é deste mundo? Aquilo que poderemos deduzir do seu texto é que o rei que para ser verdadeiro líder “ preside à adoração do povo; é ele quem une o povo com o invisível sagrado. É o capitão espiritual do povo; como o profeta é rei espiritual com muitos capitães; guia o povo para o céu, sábio guia que é, através da terra e pela sua obra.” . Ora, os líderes terrenos não assumem esta atitude, o que implica, muitas vezes, uma péssima imitação por parte dos súbditos ao reproduzirem os mesmos gestos perante os outros e La Boétie alerta-nos, na obra, para esse problema, manifestando pesar por esse género de comportamentos humanos, a jorrar a vício e a ganância, por não serem eles os chefes. Assim sendo, a verdade já não provém de Deus mas sim do soberano terrestre. A sua luta será a de submeter os corpos e a maioria das mentes por ele governadas, para o ofuscando-as. Subsequentemente, ele passará a ser adorado como um ídolo, uma vez que o dom da graça lhe está, unicamente e exclusivamente reservado. La Boétie alerta-nos para esta dimensão do agir do poder instituído, porque : “ A idolatria, a adoração de ídolos mortos em vez da viva divindade, uma coisa que eles não conseguem esquecer nem pôr de parte, que hão-de continuamente denunciar e inflamar com inexpiável reprovação; a idolatria é o pecado capital, o que lhe parece mais evidente debaixo do sol.” . Está patente aqui temos uma características que o protestantismo mais repugna, pois na servidão encontramos implicitamente esta forma de estar dos soberanos, isto é, uma, “ idolatria condenável é apenas a idolatria sem sinceridade” . Daí a necessidade de quebrar ídolos, porque as almas estão enfeitiçadas e têm a pretensão errática na sua intimidade de que poderão aceder também a uma certa tirania, face àqueles com quem compartilham mais o seu quotidiano. É óbvio que La Boétie procura demolir toda uma falsa realidade, apontando como única possibilidade de salvação a interioridade de cada um, sendo a preparação para nos harmonizarmos com Deus um dever ser individual. É claro que neste individualismo “profético” e assumido no texto pelo autor como a admissão de um “juízo privado” que está intimamente ligado a Deus, os intermediários não fazem e nem nunca farão sentido algum. Consequentemente, o poder de um soberano terrestre ou de um papa não são necessariamente úteis para uma verdadeira relação com Deus, porque a nossa essência, quer colectiva, enquanto pertencentes à humanidade, quer enquanto individual está íntima e incontornavelmente ligada a Deus. Aquilo que o autor pretende é um regresso ao que de mais natural existe na alma humana, ou seja, à essência que precede a nossa existência e esta posição de La Boétie não traduz nada de novo, porque segundo Thomas Carlyle “Não há nada de genuinamente novo ou de peculiar na Reforma; ela foi um regresso à verdade e à realidade por oposição à falsidade e à aparência, como são e foram todas as espécies de aperfeiçoamento e ensinamentos sinceros. A liberdade de juízo privado; se bem o quisermos considerar, deve necessariamente ter existido em todos os tempos no mundo.” São Justino, O Mártir, afirma “ parecer haver em todos algo como germes de verdade” O que, em certa medida, nos leva a crer que já bem antes de La Boétie se defendia este pensamento. Ao longo dos tempos, a única forma de contrariar as pretensões daqueles que procuram exercer o mal, o poder, a altivez aos olhos dos outros, como sendo um bem que se deve idolatrar, tem sido através do suborno das almas, distribuindo benesses ou punições a um corpo colectivamente ludibriado pelos fascínios dos bens materiais e pelos prazeres egoístas a que a carne apela. Daí que o individualismo tenha que ser banido através de uma educação subversiva para que não haja afrontas por parte de indivíduos mais “ clarividentes”. E já antes, São Justino, O Mártir, afirmava que : “Sabemos que alguns que professavam a doutrina estóica foram odiados e mortos. Pelo menos na ética eles se mostram moderados, assim como os poetas ou determinados pontos, por causa da semente do verbo, que se encontra ingénita em todo o género humano. Assim é Heraclito, como antes dissemos, e entre os do nosso tempo, Musônio e outros que conhecemos. Com efeito, como já anotamos, os demónios sempre se empenharam em tornar odiosos aqueles que, de algum modo, quiseram viver conforme o Verbo e fugir da maldade.” É óbvio que La Boétie era muito prudente e daí o seu texto ter aparecido anonimamente nos circuitos literários da época porque não se sabia quem era quem e mais ainda quando os soberanos não fugiam àquilo que segundo Karen Armstrong afirma ao dizer que na época “Thomas Nash (1467-1601) proclamava que os ambiciosos, os gananciosos, os glutões, os fanfarrões e as prostitutas eram todos ateus.” É claro que poderemos estar aqui perante um certo exagero, mas por aquilo que se conhece da época digamos que há uma certa verdade nestas afirmações, facto que não passou despercebido a La Boétie porque é dele a afirmação seguinte: “ o tirano fisicamente é igual aos restantes seres humanos.” Esta afirmação no texto pode ser um incitamento subtil à violência. Isto, porque a violência sobre os súbditos era característica comum dos tiranos durante o Renascimento e como a obra também mostra ao longo da história. La Boétie por mais paradoxal que pareça tem uma noção muito clara sobre o corpo, porque esta dimensão pública encontra-se limitada a um espaço e a um tempo. Ora, havendo uma consciência da limitação da sua existência no seu começo e no seu futuro e, sendo o tirano o oposto à natureza divina, pode inferir-se que estas duas fronteiras insuperáveis de negatividade e positividade, que são superiores à nossa existência, podendo levar-nos à assumirmos a uma atitude já de per si radical em relação à condição humana e que se traduz no encurtar a vida do tirano, assassinando-o. Mas será esta a atitude mais correcta? Ora na época, na Europa, vivia-se uma conjuntura um tanto ou quanto conturbada devido às guerras religiosas – católicos versus protestantes e calvinistas -, tendo as pessoas por consequência, reforçado “…também o senso do individualismo, facto que sempre arrastou uma rescisão radical das atitudes religiosas do momento. Em vez de exprimir a sua fé de modo exterior e colectivo, o povo da Europa começara a explorar as consequências mais interiores da religião.” Daí este subtil repto não ter tido a resposta merecida. Todavia, esta afirmação também é contrária à posição de La Boétie, pois Montaigne nos seus Ensaios faz-nos uma descrição do seu amigo: “…tinha ele estoutra máxima indelevelmente gravada na alma: obedecer e submeter-se muito escrupulosamente às leis sob as quais nascera. Nunca houve cidadão melhor, nem mais dedicado à paz do seu país, nem mais inimigo das agitações e das inovações do seu tempo.” . A ser verdade este comportamento La Boétie encarna o espírito vigente na época em que vive. Isto é, ao descrever o tirano poderá revelar certas influências dos Anabaptistas aquando da sua conduta bárbara no caso quebra de imagens, liderados por Thomas Munzer, em Karlstadt , reivindicando a igualdade de todos, a comunhão de todos os bens e a instauração de um reino ideal, exigências políticas estas que irão provocar a insurreição em algumas localidades alemãs. Só que esta atitude não é muito favorável aos princípios defendidos pelo protestantismo e nem pelo calvinismo. Martinho Lutero defendia a máxima de que: “A vida cristã era uma batalha contra Satanás” e, mesmo que o tirano fosse a sua personificação seria um contra senso matá--lo porque segundo Karen Armstrong “…o homem não consegue salvar-se a si mesmo. Deus proporciona tudo o que é preciso para a « justificação», a recuperação da relação entre o pecador e Deus. Deus é activo, os seres humanos passivos. As nossas «boas obras» e o cumprimento da lei não constituem a causa da nossa justificação, mas apenas o resultado.” Portanto, a relação tirano versus povo é uma consequência da vontade divina, na qual o servo – arbítrio serve não ao tirano mas a Deus, isto é, a dimensão corporal deixa de ser algo a que se deva dar importância, porque “…os cristãos ocidentais já não se sentiam dispostos a aceitar mediadores, antes estavam a desenvolver o senso da sua inalienável responsabilidade perante Deus.” Digamos que a relação é directa com Deus, relegando para a ignorância todos aqueles que O pretendem personificar na figura do poder tirânico quer temporal e espacial. Ora, La Boétie afirma que “Se nós vivêssemos de acordo com a natureza e com os seus ensinamentos, seríamos naturalmente obedientes aos pais, submissos à razão e de ninguém escravos.” Encontramos aqui uma liberdade espiritual interior de carácter puro que, à primeira vista, poderá ser loucura aos olhos daqueles que procuram contornar os problemas com homicídios em massa , como é o caso dos tiranos. Todavia, São Paulo afirma na sua Primeira Carta aos Coríntios que “ A loucura de Deus é mais sábia do que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” Logo, Deus sabe sempre o que pretende do homem, isto é, a loucura divina é mais sã do que a sanidade do ser humano, facto que justifica, em certa medida, que La Boétie devido à sua vasta cultura histórica sobre o Ocidente, (aliás testemunhada pelo seu amigo Montaigne ao afirmar nos Ensaios que ” O seu espírito estava moldado no modelo de séculos bem diferentes do nosso(…)” ), nos leve a pensar que o seu respeito pela lei ou pela adequação à natureza conduzem a uma forma de vida patenteada na seguinte afirmação: “ O Cosmos,(…) está rodeado por uma quantidade ilimitada de ar ou sopro que impregna e dá vida ao todo. É a mesma coisa que dá vida aos seres vivos individuais. (…) O ar respirado ou a vida do homem e o ar respirado ou a vida do universo infinito e divino são essencialmente a mesma coisa. O universo era uno, eterno e divino. Os homens eram múltiplos e divididos, e eram mortais. Mas a parte essencial do homem, a sua alma, não era mortal e devia a sua imortalidade ao facto de ser um fragmento ou centelha da alma divina, separada e aprisionada num corpo mortal. O homem tinha assim um objectivo na vida, libertar-se da corrupção do corpo e, tornando-se puro espírito, ir ao encontro do espírito universal ao qual pertencia de um modo essencial.” Esta ideia leva-nos a pensar na existência de uma atitude estóica onde o problema se reduz a uma antropologia moral, que acolhe um modelo de vida que caracterizado pela tranquilidade exterior e uma paz interior. Essa interioridade permite ao homem atenuar a alienação que ele criou ao romper com a igualdade primordial, que tinha com Deus. Logo, só por uma via ascética poderá compreender através do tempo, a Eternidade.

IV – Ascese


A questão da interioridade remete-nos para a existência de um ascetismo ou via ascética que se consubstancia numa existência quotidiana impregnada de um “pensamento obsessivo no Além por parte das pessoas mais contemplativas do tempo.” Este olhar e sentir face ao universo e ao divino salientam a importância do modo como a religião está enraizada no ser humano. Aliás, La Boétie, vive numa época em que há fortes convulsões religiosas na Europa, começando o protestantismo e o calvinismo a estender as suas ramificações por toda a Europa Central. Estamos na época da Reforma e da Contra Reforma, o texto bíblico passa a ser (re)lido com um olhar diferente e divulgado numa língua vernácula para que as pessoas tenham acesso livremente ao texto. É óbvio que, face a estas ocorrências, as pessoas passaram a escolher livremente o caminho que mais se adequava à sua consciência, principalmente aquelas que aceitaram as ideias renovadas, da predestinação da alma e da sua plena salvação. Isto implica um novo modo de agir, porque se proclama, no fundo, um regresso à essência primordial, isto é, a Deus. Esta breve explanação sobre o contexto em que La Boétie se enquadra, também poderá ser uma das razões que explicam, na época, o Discurso Sobre Servidão Voluntária, ou seja, o aceitar de forma passiva a realidade vigente. Isto porque o homem enquanto indivíduo, reconhece que deve assumir uma iniciativa de auto-correcção, devido ao facto de olhar para si e de se sentir em dívida perante o erro primordial, isto é, a subversão da igualdade exige a necessidade de salvar a sua alma no além biológico. Daí que “ Para os doutores da Igreja luterana era dogma assente que a graça se pode perder ( amissibilis) e pode voltar a ser recuperada através da humildade penitente e da confiança crente na palavra de Deus,” dando-nos, assim, a ideia de que o ser humano tem sempre a possibilidade de na vida terrena fazer uma retrospectiva da sua própria vida e de ser ele mesmo o princípio do fim. Isto é, a vida é uma prova com obstáculos que a nossa consciência terá irremediavelmente de aperfeiçoar, porque já São Paulo, na Segunda Carta aos Coríntios, nos lança esse repto ao afirmar o seguinte: “Examinai-vos a vós próprios e vede se estais firmas na fé. Fazei uma revisão de vós mesmos. Será que não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? A não ser que não passeis na prova!”, remetendo-nos, por conseguinte, para o gérmen que existe em nós e não abdicando, assim, da verdadeira natureza, ou seja, da profundidade da interioridade onde “ressoaram as sílabas e passaram, a segunda após a primeira, a terceira após a segunda, e todas pela mesma ordem até à última e depois da última: o silêncio.” E será a consciência da existência deste silêncio que leva o homem a aceitar a servidão perante um rei que não se auto-examina? Será esta interioridade aquilo a que Santo Agostinho chama de “... Ó doce luz dos ocultos olhos da minha alma.”? Será esta luz que move os corpos orgânicos uma energia inorgânica que nos escapa? Será que quando estamos perante factos que escapam à nossa compreensão esta luz nos induz a rever a condição individual enquanto seres para a morte? Ou será que ela nos remete para a interrogação universal, presente na introdução deste trabalho sobre “Qual é o papel da humanidade no teatro universal?” Todas estas interrogações sequenciais, em La Boétie, aparecem implícitas sobre a questão da tirania e de toda a servidão que ela carrega mas de forma velada. Ele dá-nos a sensação de que o homem possui a “ fórmula mágica” para se libertar e viver em plena igualdade com o seu criador. A resposta que ele nos dá é a mesma que Platão, em Fédon, através das palavras de Sócrates, afirmando que a vida não é mais do que “Um treino de morrer e de estar morto.”O homem na sua individualidade tem que ter a consciência de que “Não é Deus que existe para os homens, são os homens que existem para Deus,” o que, em certa medida, se compreende pelo facto de ele na sua criação se ter afastado do criador, ao transgredir a lei de igualdade que supostamente aceitou. Dispondo, assim, do seu livre – arbítrio porque pode optar entre viver para o soberano terrestre ou para Deus. Isto é, o homem tem que decidir por si mesmo e não aguardar por um rei predestinado, porque a certeza nunca é absoluta sobre se é ou não predestinado, sendo La Boétie bastante claro a este respeito claro ao afirmar “ ... pois sempre tivemos reis bons em tempo de paz, valorosos, reis que, embora sendo-o de nascença, não parecem ter sido criados como os outros, mas eleitos por Deus Todo-poderoso, antes de tomarem nas mãos as rédeas da governação e a guarda do reino.” Podemos, então, subtrair que existem na terra dois géneros de indivíduos com comportamentos diametralmente opostos, indivíduos pré-eleitos e eleitos e, co-vivendo com estes indivíduos que ainda não estão em condições de serem eleitos. Como diferenciá-los? Os pré-eleitos podem consubstanciar-se com os eleitos, na medida em que a eleição tem como subjacente a pré-eleição e o exemplo mais representativo é o de Sansão e Hércules anteriormente citado. Supostamente os eleitos procuram repor a verdadeira ordem natural de Deus e têm a consciência de que a vida não é mais que um ciclo natural em trânsito para um estádio superior, ou seja, não se trata de uma dívida para com Deus mas sim de uma vontade comum em mostrar a todos os homens que há um caminho, apesar da vida ser uma dívida que temos para com a morte. Os não eleitos são todos os seres humanos que tiranizam o seu próximo, procurando assim satisfazer todos os seus apetites de maneira voraz e aparecendo aos olhos dos outros, escondidos atrás de uma malícia diabólica, exercendo também, uma acção negativa sobre a realidade, ou seja, porque conveniente à circunstância. Deparamo-nos, então, com uma acção humana que produz um efeito duplo ao procurar co-habitar com um modelo de cortesia face a um estado socializado segundo a lei positiva. Já São João alertava para esta situação, ao afirmar que “ Quem nasce da carne é carne, e quem nasce do Espírito é espírito.” Esta duplicidade poderá remeter-nos para a seguinte questão: será que a salvação não é para todos? E é o mesmo São João que nos responde: “Não te admires de Eu dizer que é preciso nascerdes de novo.” Assim sendo, os que não são eleitos têm que morrer e reencarnar novamente, porventura num outro corpo, para crescerem interiormente, aprendendo assim a serem humanos como uma remissão a ser paga pela liberdade mal exercida. E toda esta inteligibilidade invisível da criação porquê? Porque só assim poderemos compreender e justificar, em parte, a afirmação convicta que nos surge no fim do texto, Discurso da Servidão Voluntária, quando La Boétie da profundidade da sua interioridade profere uma sentença em forma de aviso para que “Ergamos os olhos para o céu, seja por amor da própria virtude, ou melhor ainda por amor de Deus Todo-poderoso, testemunha certa dos nossos actos e justo juiz das nossas faltas. Pela minha parte, penso, e creio não me enganar, que visto nada haver mais contrário a um Deus liberal e bondoso do que a tirania, que ele, expressamente, lá reserva aos tiranos e seus cúmplices um castigo singular.” Entramos, pois, de forma mais incisiva na questão da justiça divina e a questão que me cabe colocar, neste momento, a La Boétie é a seguinte: será Deus a julgar ou será o próprio a auto julgar-se após a passagem terrena? Se Deus o criou à sua imagem e semelhança porque o julga Ele? O gérmen está no homem, logo, não será possível que este não contenha um preceito que o obrigue a auto julgar-se? Será que o homem abandonou esta possibilidade? Ou terá La Boétie razão? Se dermos mais atenção a esta afirmação podemos trespassar para uma outra perspectiva, ou seja, a justiça divina não intervém no livre-arbítrio, mas testemunha o seu uso, daí a sua atitude liberal em levar o próprio homem a auto-julgar-se já numa eternidade onde a alma não está envolta num corpo biológico. Assim o homem exercerá a justiça reencarnando não como um eleito puro, mas sim como uma auto-consciência que o obriga no tempo cronológico a auto eleger-se para que a sua salvação seja a reposição da igualdade primordial. Daí que, o homem tenha criado o seu próprio inferno porque abandonou a utopia divina antes de preexistir na terra e criando-o onde antes era o paraíso. A nostalgia do abandono leva-o, obrigatoriamente, a repor em si mesmo a verdade e, por consequência, adquire o direito à entrada no além dos eleitos. A afirmação do final do Discurso da Servidão Voluntária é assaz interessante porque já na tradição do pensamento ocidental, ela nos aparece discutida e perspectivada por Santo Agostinho, quando em Confissões, afirmar que: “Por esses vaticínios é apenas profetizado o futuro já preconcebido na alma. Estes vaticínios, repito, já existem, e aqueles que predizem o futuro, já os vêem como presente juntos de si.” Ideia defendida antes por Platão, em Fédon, quando Sócrates discute o argumento da reminiscência com Cebes e lhe diz: “- É também quanto a mim, Cebes – replicou –, o que podemos ter de mais certo! Não estamos, efectivamente, a ser vítimas do erro ao concordar neste ponto; pelo contrário, tudo isso são realidades mais que evidentes: o renascer, a geração dos vivos a partir dos mortos, a sobrevivência das almas dos que morrem [ - e, sem dúvida, um destino melhor para as almas dos bons e pior para as dos maus!] “ Todo este discorrer, com afirmações bastante controversas, sobre O Discurso da Servidão Voluntária, releva-nos uma dimensão do homem como possuidor de uma vontade para a morte, para o enigmático da complexidade da vida, esforçando-nos, arduamente, em procurar explicações que escapam às limitações da racionalidade humana, ou seja, procuramos um conhecimento para além da lógica. E, em La Boétie, a morte aparece ao homem como esperança, como a única e autêntica realidade, não passando a vida terrena de uma peregrinação individual à qual o ser humano terá de se submeter de modo a aprender a ser humano, ou seja, o homem não anda a aprender a ser espiritual mas é o seu espírito que anda a aprender a ser humano. E, sendo assim, o pensar vai ao encontro de uma solução para o seu problema interno como uma angústia positiva para os que ousam exercer verdadeiramente a sua consciência, onde a libertação terrena é o sentir de uma leveza infinita no anseio de saborear a eterna profundidade da origem Deste modo, seremos mais humanos, autênticos e despojados de egocentrismos intimamente excêntricos tendo o dizer a sua correspondência plena com o fazer. Assim a verdadeira lei será: “ Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Para os aprendizes que (re)educam a sua alma face a Deus, a fim de obterem a salvação, em primeiro lugar, o inverso da positividade da angústia consiste na sua dupla negatividade, ou seja, na incerteza de se saber se se é um eleito ou não. Em segundo lugar, os que assumem uma atitude de indiferença face a Deus, o facto de em certos momentos da vida têm de fazer o confronto com o silêncio da sua intimidade real pois não sabem o que lhes reserva a morte. Na sequência deste raciocino é licito que coloquemos as seguintes questões: quem pode ousar saber se é eleito ou não? Como saber qual dos dois, o crente e o não crente, será punido? Numa abordagem imediata assente no conhecimento do senso comum ou popular e, segundo os valores morais veiculados pela sociedade, a resposta seria a seguinte: os maus e não crentes seguirão para o inferno e os bons e crentes para o céu. É óbvio que esta resposta é demasiado simplista e redutora no tocante às conveniências de cada indivíduo. O problema que se (re)coloca sempre é a enigmacidade da morte e a persistência da questão sobre a nossa eleição face à débil estrutura de convicções íntimas de cada ser humano. Segundo o protestantismo e o calvinismo “O mundo está destinado exclusivamente para servir a auto-glorificação de Deus. O cristão eleito existe unicamente para aumentar, tanto quanto lhe for possível, a glória de Deus no mundo, ao cumprir os seus mandamentos. Mas Deus exige acção social de cristão, pois pretende que a organização social seja moldada segundo os seus mandamentos e lhes corresponda.” Servir a Deus é então uma questão que não se coloca a La Boétie, em termos pessoais. Mas, saber porque os tiranos não servem a Deus é já uma questão que ele coloca de forma insistente. E nesta profilaxia espiritual, La Boétie instiga-nos a praticar a auto-glorificação a Deus como se estivesse na posse de algo mais em relação ao comum dos mortais, ou seja, ele olha para além do horizonte e quer que nós acreditemos nele. Esta atitude revela uma enorme coragem de La Boétie, porque as consequências que daí advêm para a sua integridade imaterial não manifestam um deslumbramento ofuscante mas sim, o sentimento da assunção de uma consciência pura, ao contrário do prisioneiro da Alegoria da Caverna, em República de Platão, o qual ao libertar-se do mundo das sombras sobe até à saída da caverna e após vislumbrar a ideia do Bem, regressa para junto dos prisioneiros, habituados a verem sombras e a confundi-las com a realidade, para lhes contar a verdade. E estes não acreditam nele porque estavam ofuscados. Este género de comportamento de La Boétie leva-nos a subentender que ele pressupostamente se considerava um eleito, face à maioria dos homens do seu tempo e daí a esperança redobrada na existência de uma justiça divina para aqueles que subvertem a liberalidade de Deus. Mas, este comportamento não é único na época, porque já Calvino se sentia um eleito assumindo esta posição publicamente, isto é, ele “...tinha confiança nas suas capacidades e estava seguro da sua condição de eleito. Por conseguinte, a sua resposta a esta questão foi simplesmente: devemos contentar-nos com o conhecimento da decisão de Deus e com a confiança perseverante em Cristo alcançada pela verdadeira fé. Recusa por princípio o facto de se poder julgar ou reconhecer nos outros, pelo seu comportamento, se são eleitos ou condenados, por isso constitui uma tentativa temerária de intromissão nos segredos de Deus.” Assim sendo é lícito questionar a intencionalidade das suas palavras a partir do momento em que ele constrói toda uma igreja rígida na qual “Os perfeitos agiam como «polícias» da moralidade da Reforma e reuniam-se num consistório. [...] Tinham o poder de excomungar e eram responsáveis pelo famoso «regime de terror» de Genebra, que bem se podia ter chamado « reino da moral bíblica» “ É evidente que a problemática que envolve o reconhecimento do eleito ou dos eleitos, exceptuando todos aqueles comummente aceites pelas regras do cânone de um credo religioso, é matéria de difícil aceitação. Alguém considerar-se em público um eleito, pressupõe uma veleidade cujo o direito só foi admitido a Jesus Cristo. Ora, em certa medida, esta atitude tirânica é também assumida pelo orientador espiritual da Igreja Calvinista, o que é um contra-senso. La Boétie vai mais longe, isto é, ele não se assume publicamente mas ao endereçar, o homem, para a justiça divina ele faz aquilo que já referimos, uma profilaxia espiritual, ou seja, ele antecipa-se ao alertar os leitores do seu texto, para se precaverem com as suas acções, libertando-se, assim, da tentação de serem tiranos para com os outros, os mal-afortunados. Podemos, também, reforçar as ideias de individualismo e de silêncio, como sendo exclusivas de uma intimidade absoluta e vias de acesso para uma relação do eu puro com Deus, semelhantes a um esconderijo o qual não se pode revelar através da palavra, mas sim através de uma acção de cariz prático. Deste modo, somos encaminhados para uma vida que deve inclinar o homem “ para o culto de sentimentos místicos e para um comportamento ascético.”, sendo possível, desta sorte, o usufruto da contemplação da eternidade em simultaneidade com o tempo cronológico, como se fôssemos soprados com a brandura de uma Graça que nos vigia e prepara para o auto-julgamento final, Graça esta que consiste em” Todo dom precioso e toda a dádiva perfeita que vem do alto, descendo do Pai das luzes.” Nesta sucessão de ideias, a eleição surte o efeito de uma realidade que preexiste e nos testemunha, observando-nos, ao longo da peregrinação terrena, a qual nos elege, concedendo-nos de forma generosa uma graça, provando assim a sua benevolência para com o homem, ao dispor-lhe uma orientação para se salvar. É assaz curioso verificar que os soberanos terrestres e todos aqueles que ocupam lugares de destaque procuram dar a sua graça profana aos seus súbditos, imitando assim, subvertidamente, um poder de Deus, este modo de proceder poderá explicar, em certa medida, o facto de “ Até os mesmos tiranos se espantavam com a forma como os homens podem suportar um homem que os maltrata.” Todo este agir, desde as suas origens, poderá ser o resultado de um endoutrinamento feito pelo poder aos súbditos guiando levando-os a contrair hábitos e posições face a quem exerce o poder de servidão voluntária. Logo, surge-nos a educação como uma subversão consciente da igualdade primordial, uma vez que os homens “não percebem que, se ainda não estão regenerados, existe um primeiro motivo para que, ao serem repreendidos pela sua desobediência a Deus, desagradem a si mesmos. Este motivo reside no facto de Deus ter criado o homem na rectidão e não existir iniquidade em Deus ( Rm 9,14). Por isso, a primeira perversidade, ou seja, a desobediência a Deus, procede do homem, porque tornou-se perverso, desviando-se da rectidão, pelo mau uso da liberdade, em que foi criado por Deus. E não se há-de corrigir no homem esta perversidade pelo facto de não ter sido própria do que é corrigido, mas comum a todos? Pelo contrário, deve-se corrigir em cada um o que é comum a todos.” Este aspecto é também peculiar a La Boétie, na medida em que no final do Discurso da Servidão Voluntária apela veementemente à auto-correcção dos soberanos terrestres e dos súbditos, como sendo este o único e verdadeiro exercício de liberdade conducente a uma salvação individual e colectiva. Isto porque, salvando-se um só indivíduo é o princípio para um fim, que é a renovação de uma aurora mais esperançosa e conscienciosa. A verdadeira Graça é incriada. É o amor eterno com que Deus nos ama e estando o homem dotado por natureza de um Graça criada, ele pode tornar-se agradável a Deus de forma a santificar-se em silêncio, auto-preparando-se, para contemplar o seu infinito amor e a sua eterna igualdade, induzindo-nos, assim, para um livre-arbítrio que se exerce no âmago da consciência humana e que se expressa numa acção que é exteriorizada em puro silêncio. Que indicia assim algo de inefável porque a pureza deste silêncio é superior às leis que irrompem pela disposição da força da lei de um poder que procura regularizar relações entre os homens com um duplo objectivo: em primeiro lugar, segundo os seus apetites e, em segundo lugar, com a intenção, quando ele é justo, de tornar a sociedade humana mais salubre, salvaguardando assim, a sua posição, legitimando-se. Nesta sequência somos conduzidos para um servo-arbítrio que é legitimado como sendo a única e autêntica realidade, o que em La Boétie, não tem correspondência real. Ou seja, esta realidade é inautêntica e a possibilidade de exercer o seu livre-arbítrio consiste na escolha entre o silêncio da sua consciência e a sua submissão à realidade que o circunda. Mas, o homem ao optar pela realidade inautêntica, o mundo da servidão, será que ficará alienado? É claro que La Boétie nos mostra que o homem pode co-habitar com esta realidade e o exemplo é o olhar retrospectivo, inspectivo e prospectivo com que analisa a peregrinação humana no mundo terrestre. Daí ele afirmar que: “ Sempre há-de haver algumas poucas almas mais bem nascidas do que outras, que sentem o peso do jugo [...].Nunca se esquecem dos seus privilégios naturais, nem dos antepassados e da sua antiga condição.” Porque estes são “dotados de claro entendimento e espírito clarividente.” Ou seja, possuem uma qualidade primordial que se personifica num carácter em que a regra de ouro consiste numa felicidade a ser observada por aqueles que com eles (con)vivem de modo a verificarem que a predestinação não é uma ilusão na inautenticidade da existência terrena. Os que são agraciados com uma graça exterior são poucos entre muitos. Daí Santo Agostinho chamar-nos à atenção para que tenhamos a consciência de que os “predestinados ao reino de Deus, cujo o número é tão determinado, que não é possível nenhum acréscimo ou diminuição.” Saber quem é predestinado é um conhecimento de Deus e não dos Homem e este, em segredo, caso saiba da sua predestinação, tem que agir em silêncio com amor e compaixão em conexão o próximo. Este agir é subtil e tem como objectivo alertar-nos para que nos possamos autocorrigir, isto é, indica-nos o caminho correcto ocultando-se perante o próximo, porque: “ É necessário que exista o segredo neste mundo, onde se deve precaver de vanglória.” A razão desta atitude deve-se ao facto do grande “desígnio de Deus é que todos os homens se salvem e atinjam o conhecimento da verdade” esquecido pela ganância de nos querermos auto intitular de deuses, face aos nossos semelhantes, rejeitando a igualdade da verdadeira utopia. Deus é benevolente para com o Homem. Porque, Ele preparou o reino dos eleitos “ desde a criação do mundo.” Como “a predestinação é gratuita,” só ao Homem compete única e exclusivamente a tarefa de saber usar o seu livre-arbítrio, não devendo lastimar-se a Deus pelos obstáculos que Ele nunca lhe criou. O Homem em La Boétie, ou co-habita com uma lei fraca sujeito a uma servidão artificial, ou então co-habita com uma liberdade silenciosa e em igualdade com Deus.


V - Tempo


“ (...) a verdadeira diferença entre a eternidade e o tempo consiste em que não há tempo sem mudança sucessiva, ao passo que a eternidade não admite mudança alguma.” Santo Agostinho, A Cidade de Deus

Em Discurso da Servidão Voluntária, deparamo-nos com um conceito que é o de tempo. Este, apresenta-se disposto sob uma acuidade que nos remete para uma revelação de extrema importância, isto é, o modelo de tempo é essencial para uma melhor explicação e compreensão do problema da relação poder/Homem, na história da humanidade. La Boétie é cirúrgico e ininterrupto ao abordar esta mesma relação fazendo-a emergir num tempo, como se o Homem estivesse submetido a uma vivência trágica, com a qualidade inerente de subversão de todo e qualquer princípio sagrado à sua própria natureza, mas também, como um ser que possui uma vontade louca de imitar ou equipara-se a Deus, que o criou na eternidade, facultando-lhe um tempo biológico, imbuído de uma esperança transformadora face à relação que mantém com o seu semelhante, ou seja, de uma humanização plena e não aparente. Tudo isto nos indicia que o homem possui em si um tempo que é eterno, isto é, o tempo de Deus. Nele se consubstancia o princípio e o fim da vida terrena ou cronológica. La Boétie alerta-nos para esta realidade ao afirmar “ [...] Se nós vivêssemos de acordo com a natureza e com os seus ensinamentos, seríamos naturalmente obedientes aos pais, submissos à razão e de ninguém escravos.” A um primeiro olhar, o efeito que a sua afirmação tem sobre nós, é a interiorização da ideia de que existem diferentes modos de se experienciar o tempo espacial, isto é, em primeiro lugar, de forma biológica, com sentidos que percepcionam o tempo corporal, através da sua decomposição natural, comum a todo o ser vivo, sendo a noção de fim é uma ideia clara e evidente. Em segundo lugar, deparamo-nos com um tempo muito mais complexo, um tempo de consciência, porque esta possui na sua subjectividade um presente que transportar em si um passado, com uma história colectiva e pessoal. Subsequentemente, estas duas formas de percepcionar e sentir o tempo dão-lhe a possibilidade de se projectar num futuro, com horizontes que são a sua oportunidade de salvação, por fim, em terceiro lugar, dispomos um tempo eterno ou divino que pré-existe ao homem, compartilha o seu passado, presente e futuro, conforme todas as suas angústias e alegrias. Este tempo que surge ao olhar do homem é o da eterna esperança. O tempo onde não há tempo. É onde todas as agruras da vida, todos os sacrifícios e todas as atrocidades que foram cometidas serão submetidas a uma análise justa, isto é, a uma eternidade onde La Boétie deposita a esperança no julgamento daqueles que subverteram a lei natural por terem criado um inferno onde existia um paraíso.Ora, todas estas manifestações de tempo emergentes em o Discurso Sobre Servidão Voluntária, consubstanciam-se na natureza humana. Aliás, pensamento muito popularizado no Renascimento. E Pico della Mirandola veicula-nos esse pensar ao afirmar que “ Já o Sumo Pai, Deus arquitecto, tinha construído segundo leis de arcana sabedoria este lugar do mundo como nós o vemos, augustíssimo templo da divindade.” Esta afirmação vem reforçar a questão da relação do homem com a eternidade também presente em Discurso Sobre Servidão Voluntária. Como resultado natural, esta posição direcciona-nos para uma eternidade vivenciada na terra inconscientemente e para uma pré-existência conscientemente vivenciada. Temos na obra uma concepção de tempo que se mede mas que se subsume numa natureza divina em que “O olhar absoluto abraça todos os modos” de vida. A questão que se coloca de forma premente na obra é a do tempo existencial, onde decorre a relação do eu com o outro, uma vez que “ tal igualdade, porém, é infinidade, e, assim, não é igualdade do modo pelo qual à igualdade se opõe o desigual, mas aqui, a desigualdade é igualdade.” E para La Boétie esta subversão foi forçada pela vontade do homem em querer superiorizar-se à natureza divina. Se examinarmos a obra Discurso Sobre a Servidão Voluntária, apercebemo-nos de que para além de existir a noção clara de infinidade, também há exemplos de factos históricos, os quais quando confrontados uns com os outros remetem-nos para um conjunto de questões assaz pertinentes, a saber: que diferença existe entre Ciro e Nero, se exceptuarmos o tempo existencial que os medeia? A essência que os levou à prática de actos pouco abonatórios para com a humanidade será diferente? E não será de extrema importância remetermos estes actos para uma dimensão cíclica do tempo existencial diluído na subversão da eternidade? E nesta sequência interrogativa, não podemos colocar com pertinência e ousadia a ideia de reencarnação devido ao facto de a tirania ser mediada, ciclicamente, pelo corpo num tempo existencial? Questões como estas e outras fazem-nos subentender que existe a concepção de um tempo de carácter cíclico, isto é, de eterno retorno. Logo, a máxima de Heraclito válida para toda a vida orgânica “ Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio.” É contrariada por La Boétie pelo facto de a tirania reencarnar, como uma endemia, no ciclo temporal. Ora, esta abordagem histórica leva-nos ao encontro de factos e comportamentos, que similares ao longo da história, repetindo-se sucessivamente, numa memória colectiva com propensão para esquecer conscienciosamente as atrocidades que aparentemente nada têm a ver com a memória humana, na sua individualidade. Será este procedimento, uma das razões do Discurso Sobre Servidão Voluntária? Isto porque, os factos na sua cronologia corporal são cíclicos e contínuos, tendo o homem tem cometido uma infinidade de erros que, em certa medida, não se decide a querer decifrá-los e a corrigi-los, caminhando, assim, para uma atitude estacionária no que concerne à sua evolução moral e social, perante o seu igual. A soberba, a ganância, a altivez, a luxúria e tudo o que estes conceitos representam em toda a sua extensão, são a contradição da eternidade divina no tempo existencial. Um notabilíssimo escritor português referiu, com ironia num dos seus livros que “«A história é uma velhota que se repete sem cessar.»” O conceito de tempo, que temos tentado abordar para compreendermos o Discurso Sobre a Servidão Voluntária, pode ser denominado de mítico, pois aduz uma atitude de homem perante o mundo, como sendo um ser passivo e receptivo na presença do poder, induzindo-nos para uma dimensão de ser humano que nunca descobriu a utilidade do seu pensamento crítico porque, “o homem das sociedades arcaicas: para ele, as coisas repetem-se até ao infinito, e, de facto, não se passa nada sob o sol.” Quiçá La Boétie, ao escrever o Discurso Sobre Servidão Voluntária, procure fazer uma profilaxia espiritual ao alertar os detentores do poder, para o facto que uma comunidade verdadeiramente humana deve proceder segundo a verdade da natureza divina. São Paulo, numa das epístolas, já alertava para este problema ao afirmar “ Ora, vós sois o corpo de Cristo e sois seus membros, cada um no seu lugar. Aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, Apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres… A seguir vêm os dons dos milagres, das curas, da assistência, da direcção e o dom de falar em línguas. Acaso são todos apóstolos? Todos profetas? Todos mestres? Todos realizam milagres? Têm todos o dom de curar? Todos falam línguas? Todos as interpretam? Aspirai aos dons mais altos. Aliás, vou indicar-vos um caminho que ultrapassa a todos.” Este sinal possui ainda mais acutilância, quando a tendência dos tiranos é a de explorarem os comportamentos dos deuses da mitologia clássica e a vida dos santos cristãos, dando um significado e um valor às suas próprias acções, através de arquétipos de repetição, valorizando assim metafisicamente, a sua própria existência humana face aos outros. Estas acções por parte dos tiranos acarretam logicamente: uma deturpação, um desvirtuamento e uma diabolização da verdadeira criação de Deus no tempo. A memória popular é a-temporal face aos milagres, pois “ Diga-se de passagem que entre os « primitivos» não só os rituais têm um modelo mítico, como toda a acção humana adquire significado na medida em que repete exactamente uma acção realizada no princípio dos tempos por um deus, um herói ou um antepassado.”O tirano, ao ter o conhecimento de que os seus súbditos estão ligados a um formato extremamente ancestral e com uma profunda relação com o divino, domina a psicologia colectiva, através das suas mais puras emoções, e indo contra a natureza divina, quer aproximar-se maleficamente dos seus arquétipos divinos para, em certa medida, manter o poder ou exerce-lo, eficazmente, segundo os seus intentos. Deste modo, procura sempre aparecer como um Deus, um ungido, com capacidades taumatúrgicas, de modo a provocar espanto, admiração e terror face aos súbditos. Age sempre, sob uma capa que o ajude a criar uma imagem, “seja qual for a sua importância, o acontecimento histórico em si só perdurará na memória popular e a sua recordação só inspira a imaginação poética na medida em que esse acontecimento se aproxima de um modelo mítico.” Verificámos, em Discurso Sobre a Servidão Voluntária, que La Boétie, ao analisar a história, está a dar testemunho a Deus do que acção humana realiza no tempo. Alertando o Homem para as consequências no além biológico. Aliás, esta sua atitude não é inédita. Se recuarmos até Santo Agostinho, em Confissões, logo no início do livro onze, este interroga Deus da seguinte maneira: “Sendo vossa a eternidade, ignorais porventura, Senhor, o que eu Vos digo, ou não vedes no tempo o que se passa no tempo?” Esta interrogação porquê? Porque em Discurso Sobre a Servidão Voluntária, La Boétie, ao dar-nos um testemunho procura também consciencializar-nos de que existe uma eternidade após a finitude do corpo passar para uma realidade que é a verdadeira natureza. E Santo Agostinho notifica esta ideia, uma vez mais, em Confissões, quando nos afirma que “Sabemos Senhor, sabemos que uma coisa morre e nasce, consoante deixa de ser o que era e passa a ser o que não era” . Portanto, na obra temos uma noção escatológica de tempo, que se mede pela passagem na vida terrena. Por outro lado, deparamo-nos com uma noção de tempo dito cíclico, que permite abordar a preexistência da alma com os exemplos de Hércules e Sansão que o Discurso Sobre a Servidão Voluntária apresenta. Platão, já antes tinha chamado à atenção para esta situação, quando em Fédon, no o decorrer do diálogo, Sócrates diz a Cebes : “ -Consequentemente, também neste ponto estamos de acordo: os seres vivos procedem dos mortos, tal como os mortos procedem dos vivos. E se assim é, quer-me parecer que os dados que temos são suficientes para concluir que, por força, as almas dos mortos subsistem algures, donde precisamente voltam para renascer.” nas sociedades tradicionais e as duas medidas de tempo coexistem harmoniosamente subsumidas numa eternidade que lhes deu origem pela criação. Se o ser humano não compreende o Tempo e a Eternidade, então, para La Boétie a Humanidade perdeu a noção de verdade, ao recusar a igualdade natural. Saber questionar o tempo é saber perscrutar o silêncio. E como o silêncio que se perscruta é sempre o dos outros, logo o nosso é sempre resultado de uma conveniência. Este estar no mundo é um dos efeitos da decadência e para Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, “A decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração se pudesse pensar, pararia.”


VI - Conclusão


Em La Boétie, experienciamos a relação causa e efeito da existência humana. Nesta relação vivemos o esquecimento da causa e questionamos os resultados das nossas próprias causas, em todo este processo reavivamos memórias, aparentemente, relegadas para um esquecimento, que se pretende em harmonia com a incessante procura de um sentido que nos faz sentir numa realidade enigmática. O sentir acaba por ser um acto praticado pela imposição do silêncio, e a sua verdade ou nos reduz à nossa insignificância face a todo o universo, ou nos remete para um triunfo sobre a vida. E este triunfo eleva-nos para um horizonte, onde assumimos a origem de uma consciência e uma participação num mundo de compartilha, fraternidade, igualdade, ou seja, um mundo de utopia. Falar em poder em La Boétie é o mesmo que falar em tirania e em tiranização do homem. Tirania, porque o poder coage todos aqueles que a ela se submetem e tiranização porque há toda uma acção violenta exercida por todos aqueles que a multiplicam. No fundo em La Boétie, sentimos uma ânsia e uma angústia para encontrarmos uma resposta a uma simples questão: que homem é que habita a terra? Este homem para La Boétie é um desnaturado arrogante que corrompeu o seu verdadeiro gérmen. E é tão débil e desorientado que necessita de chefes para o guiarem. Débil, porque habita um corpo, no qual não aceita admitir a realidade que adoptou como verdadeira e inautêntica e, na arrogância de desafiar a superação do corpo, sai sempre perdedor, ou seja, a morte conquista-o ao triunfar sobre a sua passagem terrena, porque a lei é inalterável ! Neste enorme paradoxo de causa/efeito, o homem é uma oportunidade adiada, na medida em que (ele) abdicou da autêntica liberdade para criar uma desigualdade entre os seus, onde todos se submetem a todos. Subsequentemente, ajudou a erigir um mundo onde para seu prazer sádico teve de criar leis para se regular entre o bem e o mal. Ele matou a utopia que germinava dentro de si. Em La Boétie, só há uma salvação. Esta consiste numa única lei, a da consciência para com Deus. O homem tem que sentir a luz que ilumina o seu silêncio e agir em conformidade com ela para poder assim, accioná-la em segredo para com o seu próximo. Para além da primeira questão formulada sobre o texto de La Boétie, referente a acção do homem que habita a terra, outras questões lhe estão subjacentes, as quais são sempre terrenamente intemporais porque co-habitam no silêncio da nossa angústia. Por isso, vivemos e sobrevivemos sempre com elas, porque a grandeza desse questionar reduz-se a uma só palavra: simplicidade! Se questionarmos alguém com o intuito de sabermos as respostas subjacentes à questão que tem vindo a ser reforçada, a esse alguém dir-nos-á que tentemos perscrutar o silêncio em consciência. La Boétie, em a Servidão Voluntária, faz-nos sentir uma vida em que há sonhos! Sonhos que se consubstanciam numa ideia: amor e que nos movem com a força de uma energia natural, harmoniosa, pacificadora e vivificada num silêncio sereno, deixando diluir a ideia essencial, na luta saudável perante os percalços, agruras e as alegrias da vida, na tentativa de concretizar a possibilidade do sentir divino na terra. É móbil natural de qualquer condição humana, concretizar a unificação entre o amor celestial e um agir sobre a matéria, para a tornar esteticamente vivenciada em paz e olhar com amor e compaixão em redor da nossa pessoa. Em La Boétie, o ser humano tem que possuir bom senso e prudência para com a Divina Providência.



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Autor CGer

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