Ecossistemas Amazônicos : Igapós
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Igapós são florestas alagadas da Amazônia com vegetação adaptada aos períodos de inundação. Essas áreas abrigam árvores de porte médio e uma rica biodiversidade, servindo como habitat para várias espécies de fauna e flora adaptadas ao ambiente alagado. As florestas pantanosas de água doce são encontradas em diversas zonas climáticas, desde as boreais, passando pelas temperadas e subtropicais até as tropicais. Na bacia do rio Amazonas, uma floresta sazonalmente inundada por água branca é conhecida como várzea, que é semelhante ao igapó em muitos aspectos; a principal diferença entre os dois habitats está no tipo de água que inunda a floresta. [1]O igapó é periodicamente inundada por rios de águas claras ou pretas que drenam formações geológicas antigas e com baixos a intermediários níveis de nutrientes e acidez.[2]
Etimologia
[editar | editar código-fonte]"Igapó" é um termo oriundo do tupi antigo e significa "raízes d'água", através da junção dos termos 'y ("água") e apó ("raiz").[3]
Tipos de Igapós
[editar | editar código-fonte]- Igapós de águas pretas:
O rio Negro, principal rio de águas pretas do Brasil e grande afluente do Rio Amazonas, drena sedimentos terciários constituídos por solos cauliníticos. A coloração escura de suas águas é atribuída ao alto teor de substâncias húmicas provenientes da lixiviação de solos podzólicos.[4][5] Sua origem remonta ao escudo pré-cambriano da região norte da Bacia Amazônica. A água é pobre em nutrientes e eletrólitos, com predominância de sódio entre os cátions, e apresentando baixa alcalinidade. Os valores de pH e condutividade elétrica são inferiores a 5,0 e 25 μS cm-1, respectivamente[6]. Além disso, nesses igapós, são comuns espécies de plantas flutuantes ou emergentes como as Nymphaeaceae, Marantaceae, Araceae e Pontederiaceae. [7][8][9]
- Igapós de águas claras:
Os rios de água clara, como o Xingu e o Tapajós, drenam sedimentos terciários intensamente degradados, compostos por solos cauliníticos, apresentando grande variabilidade em suas características físico-químicas. Nesse sentido, são considerados intermediários, em termos de conteúdo nutritivo, entre os de água preta e branca[10][11]. As bacias hidrográficas desses rios têm suas cabeceiras nos escudos arqueanos/pré-cambrianos do Brasil Central e da Guiana, sendo caracterizadas por valores de pH que variam entre 5,0 e 7,0 e condutividade elétrica na faixa de 10–53,6 μS cm-1. A transparência da água pode atingir até 355 cm ou mais; mas valores de transparência inferiores a 100 cm também são comuns nesses rios.[6]
Flora e Fauna
[editar | editar código-fonte]Entre as famílias de plantas que mais se destacam em ecossistemas amazônicos de igapós estão as Fabaceae, Lecythidaceae, Euphorbiaceae, Malvaceae e Aracaceae. Algumas espécies são a Ceiba pentandra e a Hevea brasiliensis.[12]O crescimento de árvores e arbustos nos igapós é menor em altura, porém apresenta uma maior densidade de madeira em comparação com aqueles encontrados em planícies de várzeas.[13] A estrutura da floresta, a composição florística e a fenologia das árvores são influenciadas pelos padrões de inundação das florestas amazônicas devido às diferenças na carga de nutrientes das águas de inundação. Além disso, o excesso de água em condições complexas, como a restrição de troca de gases, hipóxia, anóxia, e altas concentrações de CO2 no sistema radicular, submete as florestas inundadas a um estresse ambiental, o que molda sua estrutura[14]
Essa dinâmica não apenas influencia a estrutura das comunidades de plantas, mas também a distribuição dos animais em escala local e de paisagem. [15][16][17] Diversos estudos indicam que os padrões de inundação na Amazônia exercem forte influência na estruturação de assembleias de aves, mamíferos voadores e não voadores, primatas e tartarugas. Entre as espécies de morcegos mais abundantes em igapós, destacam-se Carollia perpicillata e Artibeus obscurus.[18] E o primatas Cacajao ouakary, utiliza os igapós como um habitat principal, outras, como os Alouatta, apresentam registros ocasionais nesses ambientes.[19]
Muitos estudos demonstram que os igapós, em comparação com várzeas e terra firme, apresentam menor diversidade e abundância de animais, devido a influência das inundações. No entanto, as tartarugas não seguem esse padrão, pois os igapós apresentam maiores concentrações de fósforo em seus solos, comparáveis aos de várzea e terra firme. Esse fósforo é absorvido pelas tartarugas através da alimentação de perifíton.[20]
As áreas de igapó são cruciais para a sobrevivência das tartarugas, e sua ecologia e fisiologia são altamente influenciadas pelas inundações. Durante as estações de cheia, as tartarugas entram nos igapós para se alimentar de frutos, algas e sementes. Na estação seca, os adultos migram para os rios, enquanto os juvenis e subadultos permanecem em lagos e poças formadas pelo recuo das águas.[21]
O igapó é um ambiente dinâmico. À medida que a floresta é inundada, novos territórios são cobertos pela água diariamente, até que os níveis de água atinjam o pico após cerca de 7 meses. Essa dinâmica proporciona uma variedade de habitats durante o período de inundação. Algumas espécies, como a Tartarugas gigantes da Amazônia adultas e as tartarugas pintadas de rio, exploram o chão da floresta em busca de alimento e, durante o pico das águas, quando os níveis podem ultrapassar 8 metros acima dos níveis da estação seca, essas tartarugas buscam alimento nas copas das árvores.[22]
Entre as espécies de tartarugas registradas em igapós, destacam-se Podocnemis erythrocephala, Podocnemis unifilis, Podocnemis expansa, Podocnemis sextuberculata, Peltocephalus dumerilianus, Chelus fumbriatus e Mesoclemmys raniceps.[23]
Impactos Ambientais
[editar | editar código-fonte]Os Igapós, enfrentam sérias ameaças causadas por atividades humanas. Entre elas, a construção de barragens para hidrelétricas tem causado um impacto severo nos ciclos de inundação, essenciais para a dinâmica ecológica dessas florestas, alterando processos como germinação de sementes e padrões de distribuição de espécies. Além disso, o desmatamento para agricultura, pecuária e expansão urbana resulta em fragmentação de habitats, perda de espécies endêmicas e redução da capacidade de regeneração natural. A mineração e a poluição por mercúrio, comprometem a qualidade da água e afetam negativamente a fauna local, incluindo peixes e quelônios, essenciais para o equilíbrio ecológico. A exploração madeireira seletiva também degrada áreas sensíveis, alterando sua composição florística e funcionalidade ecológica. Tais intervenções destacam a necessidade urgente de políticas públicas voltadas para a conservação e o manejo sustentável, além de esforços científicos para compreender melhor os efeitos das mudanças climáticas e promover a recuperação de áreas degradadas.[1]
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