Saltar para o conteúdo

Ecossistemas Amazônicos : Igapós

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Igapós são florestas alagadas da Amazônia com vegetação adaptada aos períodos de inundação. Essas áreas abrigam árvores de porte médio e uma rica biodiversidade, servindo como habitat para várias espécies de fauna e flora adaptadas ao ambiente alagado. As florestas pantanosas de água doce são encontradas em diversas zonas climáticas, desde as boreais, passando pelas temperadas e subtropicais até as tropicais. Na bacia do rio Amazonas, uma floresta sazonalmente inundada por água branca é conhecida como várzea, que é semelhante ao igapó em muitos aspectos; a principal diferença entre os dois habitats está no tipo de água que inunda a floresta. [1]O igapó é periodicamente inundada por rios de águas claras ou pretas que drenam formações geológicas antigas e com baixos a intermediários níveis de nutrientes e acidez.[2]

"Igapó" é um termo oriundo do tupi antigo e significa "raízes d'água", através da junção dos termos 'y ("água") e apó ("raiz").[3]

Tipos de Igapós

[editar | editar código-fonte]
  • Igapós de águas pretas:

O rio Negro, principal rio de águas pretas do Brasil e grande afluente do Rio Amazonas, drena sedimentos terciários constituídos por solos cauliníticos. A coloração escura de suas águas é atribuída ao alto teor de substâncias húmicas provenientes da lixiviação de solos podzólicos.[4][5] Sua origem remonta ao escudo pré-cambriano da região norte da Bacia Amazônica. A água é pobre em nutrientes e eletrólitos, com predominância de sódio entre os cátions, e apresentando baixa alcalinidade. Os valores de pH e condutividade elétrica são inferiores a 5,0 e 25 μS cm-1, respectivamente[6]. Além disso, nesses igapós, são comuns espécies de plantas flutuantes ou emergentes como as  Nymphaeaceae, Marantaceae, Araceae e Pontederiaceae. [7][8][9]

  • Igapós de águas claras:

Os rios de água clara, como o Xingu e o Tapajós, drenam sedimentos terciários intensamente degradados, compostos por solos cauliníticos, apresentando grande variabilidade em suas características físico-químicas. Nesse sentido, são considerados intermediários, em termos de conteúdo nutritivo, entre os de água preta e branca[10][11]. As bacias hidrográficas desses rios têm suas cabeceiras nos escudos arqueanos/pré-cambrianos do Brasil Central e da Guiana, sendo caracterizadas por valores de pH que variam entre 5,0 e 7,0 e condutividade elétrica na faixa de 10–53,6 μS cm-1. A transparência da água pode atingir até 355 cm ou mais; mas valores de transparência inferiores a 100 cm também são comuns nesses rios.[6]

Flora e Fauna

[editar | editar código-fonte]

Entre as famílias de plantas que mais se destacam em ecossistemas amazônicos de igapós estão as Fabaceae, Lecythidaceae, Euphorbiaceae, Malvaceae e Aracaceae. Algumas espécies são a Ceiba pentandra e a Hevea brasiliensis.[12]O crescimento de árvores e arbustos nos igapós é menor em altura, porém apresenta uma maior densidade de madeira em comparação com aqueles encontrados em planícies de várzeas.[13] A estrutura da floresta, a composição florística e a fenologia das árvores são influenciadas pelos padrões de inundação das florestas amazônicas devido às diferenças na carga de nutrientes das águas de inundação. Além disso, o excesso de água em condições complexas, como a restrição de troca de gases, hipóxia, anóxia, e altas concentrações de CO2 no sistema radicular, submete as florestas inundadas a um estresse ambiental, o que molda sua estrutura[14]

Essa dinâmica não apenas influencia a estrutura das comunidades de plantas, mas também a distribuição dos animais em escala local e de paisagem. [15][16][17] Diversos estudos indicam que os padrões de inundação na Amazônia exercem forte influência na estruturação de assembleias de aves, mamíferos voadores e não voadores, primatas e tartarugas. Entre as espécies de morcegos mais abundantes em igapós, destacam-se Carollia perpicillata e Artibeus obscurus.[18] E o primatas Cacajao ouakary, utiliza os igapós como um habitat principal, outras, como os Alouatta, apresentam registros ocasionais nesses ambientes.[19]

Muitos estudos demonstram que os igapós, em comparação com várzeas e terra firme, apresentam menor diversidade e abundância de animais, devido a influência das inundações. No entanto, as tartarugas não seguem esse padrão, pois os igapós apresentam maiores concentrações de fósforo em seus solos, comparáveis ​​aos de várzea e terra firme. Esse fósforo é absorvido pelas tartarugas através da alimentação de perifíton.[20]

As áreas de igapó são cruciais para a sobrevivência das tartarugas, e sua ecologia e fisiologia são altamente influenciadas pelas inundações. Durante as estações de cheia, as tartarugas entram nos igapós para se alimentar de frutos, algas e sementes. Na estação seca, os adultos migram para os rios, enquanto os juvenis e subadultos permanecem em lagos e poças formadas pelo recuo das águas.[21]

O igapó é um ambiente dinâmico. À medida que a floresta é inundada, novos territórios são cobertos pela água diariamente, até que os níveis de água atinjam o pico após cerca de 7 meses. Essa dinâmica proporciona uma variedade de habitats durante o período de inundação. Algumas espécies, como a Tartarugas gigantes da Amazônia adultas e as tartarugas pintadas de rio, exploram o chão da floresta em busca de alimento e, durante o pico das águas, quando os níveis podem ultrapassar 8 metros acima dos níveis da estação seca, essas tartarugas buscam alimento nas copas das árvores.[22]

Entre as espécies de tartarugas registradas em igapós, destacam-se Podocnemis erythrocephala, Podocnemis unifilis, Podocnemis expansa, Podocnemis sextuberculata, Peltocephalus dumerilianus, Chelus fumbriatus e Mesoclemmys raniceps.[23]

Impactos Ambientais

[editar | editar código-fonte]

Os Igapós, enfrentam sérias ameaças causadas por atividades humanas. Entre elas, a construção de barragens para hidrelétricas tem causado um impacto severo nos ciclos de inundação, essenciais para a dinâmica ecológica dessas florestas, alterando processos como germinação de sementes e padrões de distribuição de espécies. Além disso, o desmatamento para agricultura, pecuária e expansão urbana resulta em fragmentação de habitats, perda de espécies endêmicas e redução da capacidade de regeneração natural. A mineração e a poluição por mercúrio, comprometem a qualidade da água e afetam negativamente a fauna local, incluindo peixes e quelônios, essenciais para o equilíbrio ecológico. A exploração madeireira seletiva também degrada áreas sensíveis, alterando sua composição florística e funcionalidade ecológica. Tais intervenções destacam a necessidade urgente de políticas públicas voltadas para a conservação e o manejo sustentável, além de esforços científicos para compreender melhor os efeitos das mudanças climáticas e promover a recuperação de áreas degradadas.[1]

  1. a b Myster, Randall W., ed. (2018). Igapó (Black-water flooded forests) of the Amazon Basin (em inglês). Cham: Springer International Publishing 
  2. Prance, Ghillean T. (1 de janeiro de 1979). «Notes on the vegetation of amazonia III. The terminology of amazonian forest types subject to inundation». Brittonia (em inglês) (1): 26–38. ISSN 1938-436X. doi:10.2307/2806669. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  3. Eduardo De Almeida Navarro (2007). Dicionário Tupi Antigo A Língua Indígena Clássica Do Brasil. [S.l.: s.n.] 
  4. Sioli, Harald (1968). «Hydrochemistry and geology in the Brazilian Amazon region» (PDF). Amazoniana. 3: 267-277 
  5. Furch, K. (1984). Sioli, Harald, ed. «Water chemistry of the Amazon basin: The distribution of chemical elements among freshwaters». Dordrecht: Springer Netherlands: 167–199. ISBN 978-94-009-6544-7. doi:10.1007/978-94-009-6542-3_6. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  6. a b «Chemistry Of Different Amazonian Water Types For River Classification: A Preliminary Review». doi:10.2495/ws130021. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  7. Junk, Wolfgang J (1983). «Ecologia de pântanos no Médio Amazonas.». Elsevier Science Ltd: 269-294 
  8. Ferreira, Cristiane Silva; Piedade, Maria Teresa Fernandez; Wittmann, Astrid de Oliveira; Franco, Augusto César (5 de agosto de 2010). «Plant reproduction in the Central Amazonian floodplains: challenges and adaptations». AoB PLANTS (em inglês). ISSN 2041-2851. PMC PMC3000700Acessível livremente Verifique |pmc= (ajuda). PMID 22476067. doi:10.1093/aobpla/plq009. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  9. Lopes, Aline; Wittmann, Florian; Schöngart, Jochen; Piedade, Maria Teresa Fernandez (1 de junho de 2014). «HERBÁCEAS AQUÁTICAS EM SEIS IGAPÓS NA AMAZÔNIA CENTRAL: COMPOSIÇÃO E DIVERSIDADE DE GÊNEROS». REVISTA GEOGRÁFICA ACADÊMICA (1). ISSN 1678-7226. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  10. Prance, Ghillean T. (janeiro de 1979). «Notes on the Vegetation of Amazonia III. The Terminology of Amazonian Forest Types Subject to Inundation». Brittonia (1). 26 páginas. doi:10.2307/2806669. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  11. Ayres, José Marció (1993). «As matas de várzea do Mamirauá (MCT-CNPq- Programa do trópico úmido)» (PDF). Sociedade civil de Mamirauá, Brasil 
  12. «Portal .periodicos. CAPES - Portal .periodicos. CAPES». Portal de Periódicos da CAPES. doi:10.1007/s40415-016-0315-6. Consultado em 13 de dezembro de 2024 
  13. Junk, Wolfgang J.; Piedade, Maria T. F.; Parolin, Pia; Wittmann, Florian; Schöngart, Jochen (2011). Junk, Wolfgang J.; Piedade, Maria T. F.; Wittmann, Florian; Schöngart, Jochen; Parolin, Pia, eds. «Ecophysiology, Biodiversity and Sustainable Management of Central Amazonian Floodplain Forests: A Synthesis». Dordrecht: Springer Netherlands (em inglês): 511–540. ISBN 978-90-481-8725-6. doi:10.1007/978-90-481-8725-6_24. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  14. Bailey-Serres, Julia; Colmer, Timothy D. (2014). «Plant tolerance of flooding stress – recent advances». Plant, Cell & Environment (em inglês) (10): 2211–2215. ISSN 1365-3040. doi:10.1111/pce.12420. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  15. Kubitzki, K. (1 de março de 1989). «The ecogeographical differentiation of Amazonian inundation forests». Plant Systematics and Evolution (em inglês) (1): 285–304. ISSN 1615-6110. doi:10.1007/BF00936922. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  16. Junk, Wolfgang J (1983). «Ecologia de pântanos no Médio Amazonas.». Elsevier Science Ltd: 269-294 
  17. Haugaasen, Torbjørn; Peres, Carlos Augusto (março de 2006). «Floristic, edaphic and structural characteristics of flooded and unflooded forests in the lower Rio Purús region of central Amazonia, Brazil». Acta Amazonica (1): 25–35. ISSN 0044-5967. doi:10.1590/S0044-59672006000100005. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  18. Pereira, Maria João Ramos; Marques, João Tiago; Santana, Joana; Santos, Carlos David; Valsecchi, João; De Queiroz, Helder Lima; Beja, Pedro; Palmeirim, Jorge M. (novembro de 2009). «Structuring of Amazonian bat assemblages: the roles of flooding patterns and floodwater nutrient load». Journal of Animal Ecology (em inglês) (6): 1163–1171. ISSN 0021-8790. doi:10.1111/j.1365-2656.2009.01591.x. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  19. Lehman, Shawn; McCoogan, Kerriann; Barnett, Adrian A. (3 de janeiro de 2019). Nowak, Katarzyna; Barnett, Adrian A.; Matsuda, Ikki, eds. «Primates of Riverine and Gallery Forests: A Worldwide Overview». Cambridge University Press: 259–262. ISBN 978-1-316-46678-0. doi:10.1017/9781316466780.032. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  20. «Chemistry Of Different Amazonian Water Types For River Classification: A Preliminary Review». doi:10.2495/ws130021. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  21. Vogt, Richard (2008). Amazon Turtles. [S.l.]: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia INPA. Trust Editions, Grafica Biblos, Lima, Perú. 
  22. Haugaasen, Torbjørn; Peres, Carlos A. (dezembro de 2005). «Tree Phenology in Adjacent Amazonian Flooded and Unflooded Forests 1». Biotropica (em inglês) (4): 620–630. ISSN 0006-3606. doi:10.1111/j.1744-7429.2005.00079.x. Consultado em 12 de dezembro de 2024 
  23. Schneider, Larissa; Vogt, Richard C. (2018). Myster, Randall W., ed. «Turtles of the Igapó: Their Ecology and Susceptibility to Mercury Uptake». Cham: Springer International Publishing (em inglês): 161–182. ISBN 978-3-319-90122-0. doi:10.1007/978-3-319-90122-0_11. Consultado em 12 de dezembro de 2024