Eleições presidenciais na Argentina de setembro de 1973

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Eleições presidenciais na Argentina de setembro de 1973
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23 de setembro de 1973
Candidato Juan Domingo Peron Ricardo Balbín
Partido PJ UCR
Companheiro de chapa María Estela Martínez de Perón Fernando de la Rúa
Votos 7 359 252 2 905 719
Porcentagem 61,86% 24,42%

As eleições presidenciais de Argentina de setembro de 1973 foram vencidas por Juan Domingo Perón, com um 61,86% dos votos - a segundo maior percentagem, atrás só do registrado em 1951-, depois de dezoito anos de perseguições antiperonistas desde que fosse derrubado por um golpe de Estado em 1955 e obrigado a viver no exílio. Perón não disputou as eleições de março de 1973, devido a uma decisão da Regime militar, gerando assim uma situação institucional altamente instável, que levou à renúncia simultânea do presidente Héctor J. Cámpora e seu vice-presidente Vicente Solano Lima, e à realização de novas eleições para completar o mandato, desta vez sem exclusões de candidatos. Sua candidata a vice-presidente foi María Estela Martínez de Perón, conhecida como Isabelita, foi a primeira vez na história mundial que uma mulher foi eleita por voto popular numa chapa presidencial. Com esta vitória Perón transformou-se na única pessoa em presidir a Argentina em três ocasiões. Tinha 77 anos e morreria nove meses depois, substituído por sua vice.[1][2] Martínez também não pôde finalizar seu mandato, derrocada por um golpe de Estado o 24 de março de 1976, que tomaria o governo até dezembro de 1983.

As regras eleitorais foram as mesmas que na eleição de março anterior. A ditadura tinha realizado em 1972 uma reforma constitucional que reformou o sistema eleitoral estabelecendo que o presidente devia ser elegido por voto direto e maioria absoluta de votos, e sancionado uma legislação eleitoral estabelecendo que em caso de não atingir essa percentagem na eleição, devia se realizar um segundo turno entre os candidatos que tivessem somado mais de 15%.[3] Ademais reduziu o mandato presidencial a quatro anos e sincronizou todos os mandatos executivos e legislativos, de modo que tivesse eleições só uma vez a cada quatro anos.

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Primavera Camporista[editar | editar código-fonte]

O clima de júbilo que seguiu à restauração da democracia o 25 de maio de 1973, ao se celebrar as eleições de março onde se permitiu a candidatura peronista de Héctor José Cámpora, foi tomado por atritos políticos e acontecimentos imprevistos. O presidente Héctor Cámpora, que foi juramentado em presença do Presidente de Cuba Osvaldo Dorticós Torrado e o Presidente de Chile Salvador Allende, ambos representantes do marxismo na Latino-americano da Guerra Fria, declarou uma anistia quase total para os vários centos de presos políticos detentos pelo regime de Alejandro Lanusse, muitos em acampamentos inóspitos como o de Trelew, lugar onde se deu uma execução em massa em 1972.[4][5]

Durante sua curta gestão, Cámpora fez nomeações que foram questionadas por setores da direita: Rodolfo Puiggrós como interventor da Universidade de Buenos Aires, Esteban Righi como Ministro do Interior e Julio Troxler como subchefe da Polícia de Buenos Aires, ligada a setores da esquerda violenta do peronismo, como a organização guerrilheira Montoneros, entre outros. Essa nova ascensão da esquerda argentina provocou uma reação cada vez mais violenta dos setores mais duros da direita. Entre as nomeações neste setor, destaca-se José López Rega, que, sob pressão de Perón, foi empossado como ministro da Previdência Social.[6]

Uma vez no posto de Ministro, López Rega utilizou mais de 30% do orçamento nacional para financiar a criação e operação da Aliança Anticomunista Argentina (Triplo A), uma organização paramilitar. Enquanto, Cámpora viajou a Espanha para acompanhar a Perón em sua iminente volta à Argentina, o 20 de junho de 1973. O voo de Perón estava destinado a aterrar em Ezeiza, mas enquanto preparava-se o palco onde o ex-presidente falaria, a direita peronista tendeu uma emboscada aos setores de esquerda peronista ainda que a correlação de forças o propôs como um tiroteio entre a direita e a esquerda.[7] Isso causou a morte de treze pessoas e 365 feridos, no que passou a se conhecer como o Massacre de Ezeiza.[8]

Renuncia de Cámpora e interino de Lastiri[editar | editar código-fonte]

Em 12 de julho, o vice-presidente Vicente Solano Lima anunciou que ele e o presidente Cámpora assinariam suas renúncias no dia seguinte e que haveria novas eleições, argumentando que o verdadeiro candidato da Frente Justicialista de Libertação havia sido Perón, e que o único objetivo da sua candidatura tinha sido para permitir seu retorno.[9] No dia seguinte, Raúl Lastiri fez o juramento constitucional como presidente da Nação.[9] Em 20 de julho, o Gabinete se reuniu para deliberar e anunciar a convocação de eleições presidenciais para domingo, 23 de setembro, ocorrendo simultaneamente ao segundo turno para governador nas eleições provinciais de Santiago del Estero (suspensas desde abril). Na reunião também foi definido que os cargos eleitos tomariam posse no dia 12 de outubro, e que seria utilizado o mesmo sistema eleitoral das eleições de março.[10]

Juan Domingo Perón María Estela Martínez de Perón
para presidente para vice-presidente
Presidente da Nação Argentina
(1946-1955)
Sem cargos anteriores
Partes que compunham a aliança:
  • Partido Justicialista
  • Movimento de Integração e Desenvolvimento
  • Partido Conservador do Povo
  • Partido Popular Cristão
  • Movimento Socialista de Libertação Nacional
  • Movimento da Revolução Nacional
  • Movimento Nacional Yrigoyenista
  • União Democrata Cristã Federal
  • Encontro Nacional de Argentinos

A futura candidatura presidencial de Juan Domingo Perón havia sido definida praticamente desde a convocação das eleições de março de 1973, mas a cláusula que exigia que os candidatos presidenciais estabelecessem seu domicílio na Argentina até 25 de agosto de 1972 funcionou, na prática, como uma manobra para impedir que Perón de concorrer como candidato. Poucos meses depois, porém, a escalada da violência havia convencido grande parte da elite política e militar, inclusive setores antiperonistas, de que só Perón tinha respeito suficiente para convencer a guerrilha extremista a encerrar as hostilidades sem comprometer o governo constitucional. Além disso, e apesar da certeza absoluta de que Perón venceria de longe qualquer eleição a que se candidatasse, sua saúde começava a piorar e era sabido no meio político que, se eleito, morreria sem terminar o mandato. Por outro lado, a situação regional não era propícia a um regime democrático na América Latina. Os dois únicos governos democráticos que existiram no Cone Sul além da Argentina (Uruguai e Chile) foram derrubados em sucessivos golpes de 27 de junho e 11 de setembro, instaurando-se ditaduras militares. Esses cenários instáveis deixariam o governo argentino em uma situação muito difícil com a morte de Perón, então uma candidatura estável à vice-presidência com peso político era essencial para garantir a sobrevivência do próximo governo.

Em 27 de julho, durante uma homenagem a Eva Perón em comemoração ao vigésimo primeiro aniversário de sua morte, o Movimiento Nacional Justicialista proclamou a candidatura de Perón à presidência, sem especificar quem seria seu vice.[11] No final do mesmo mês, a ideia de uma fórmula Perón - Isabel de Perón foi discutida pela mídia e em 31 de julho, o ex-presidente Cámpora declarou publicamente que a ideia estava sendo considerada.[12] Além do próprio Perón, a única figura do PJ que não era publicamente favorável a nenhum dos dois setores do Justicialismo era sua esposa, María Estela Martínez de Perón, apelidada de Isabel, que carecia completamente de experiência política. López Rega, ministro da Previdência Social, dissipou as dúvidas de Perón sobre a possível candidatura de sua esposa, a quem o líder se opunha fortemente, argumentando que não queria expô-la à situação em que ela estaria se ele morresse. No entanto, López Rega recomendou a candidatura de Isabel, dissipando as dúvidas de Perón sobre tal escolha.[13] Por fim, a proclamação da fórmula Perón-Perón ocorreu em 5 de agosto de 1973 no Teatro Colón.[14]

União Cívica Radical[editar | editar código-fonte]

Ricardo Balbín Fernando de la Rúa
para presidente para vice-presidente
Deputado nacional
por Buenos Aires
(1946-1950)
Senador nacional
pela cidade de Buenos Aires
(1973-1976)

A Convenção Nacional da União Cívica Radical reuniu-se a 29 de julho com o objetivo de definir a sua posição face às próximas eleições. A essa altura, o radicalismo já estava dividido em duas vertentes: a Linha Nacional encabeçada pelo ex-presidenciável Ricardo Balbín, que liderou o partido após sua vitória nas eleições internas do ano anterior, e o Movimento de Renovação e Mudança, liderado por Raúl Alfonsín, que conseguiu com sucesso representação na Comissão Nacional depois de ter obtido mais de 25% dos votos nas referidas internas. Em plena Convenção ocorreram fatos violentos quando uma ala da Juventude Radical, a favor de Alfonsín, entrou no camarote reservado aos jornalistas e irrompeu em gritos contra Balbín, o que fez com que a imprensa abandonasse o local e o local fosse desocupado.[15] O líder do JR, Leopoldo Moreau, protestou contra essa medida, afirmando que se tratava de um atentado contra a juventude do partido.[15]

jornada eleitoral[editar | editar código-fonte]

A campanha eleitoral foi muito tranquila, em grande parte pela certeza quase absoluta da vitória de Perón. A votação foi realizada em 23 de setembro. Cerca de 200.000 soldados armados guardaram as assembleias de voto durante o dia das eleições. Embora Perón e sua esposa tenham declarado que não poderiam votar nas eleições, pois ambos estavam registrados na Embaixada da Argentina em Madri, as autoridades eleitorais tomaram providências para que o casal pudesse votar em uma seção de votação no Barrio Norte, Capital Federal.[16][17] Manrique votou na Escola Normal Nacional Mary O'Graham em La Plata, mesmo local onde Balbín votou,[18] e Coral votou no Colégio Corazón de María, em Buenos Aires.[19][20]

Resultados[editar | editar código-fonte]

O resultado foi uma vitória esmagadora de Perón com 61,85% dos votos, contra 24,42% obtidos por Balbín, 12,19% de Manrique e 1,54% de Coral. Balbín reconheceu a derrota quando 90% das mesas foram escrutinadas, e Manrique fez o mesmo no final da contagem.[16] Perón obteve maioria absoluta de votos em 22 das 24 entidades federativas, e maioria simples de votos na Capital Federal (onde obteve exatamente a metade) e Entre Ríos. Manrique conseguiu terminar em segundo lugar em Mendoza e Jujuy.

Com esta eleição, Perón bateu o recorde de diferença entre o primeiro e o segundo candidatos mais votados, superando Balbín por 37,43 pontos percentuais, feito que não foi alcançado até hoje. Foi também a única ocasião em que um candidato foi eleito presidente pela terceira vez. Perón foi empossado para o que seria seu terceiro e último mandato em 12 de outubro.

Fórmula Partido o alianza Votos %
Presidente Vicepresidente
Juan Domingo Perón María Estela Martínez de Perón bgcolor=Predefinição:Color político| Frente Justicialista de Liberación 6.469.525 54,38
bgcolor=Predefinição:Color político| Frente de Izquierda Popular 889.727 7,48
Total Perón - Perón 7.359.252 61,86
Ricardo Balbín Fernando de la Rúa bgcolor=Predefinição:Color político| Unión Cívica Radical 2.905.719 24,42
Francisco Manrique Rafael Martínez Raymonda bgcolor=Predefinição:Color político| Alianza Popular Federalista 1.450.996 12,20
Juan Carlos Coral José Francisco Páez bgcolor=Predefinição:Color político| Partido Socialista de los Trabajadores 181.474 1,53
Votos positivos 11.897.441 98,69
Votos en blanco 108.785 0,90
Votos anulados 49.412 0,41
Participación 12.055.638 84,23
Abstenciones 2.256.767 15,77
Electores registrados 14.312.405 100
Fuente:[21]

Resultado por provincia[editar | editar código-fonte]

Perón/Perón
(FREJULI)
Balbín/De la Rúa
(UCR)
Manrique/Martínez
(APF)
Coral/Páez
(PST)
Votos % Votos % Votos % Votos %
Buenos Aires 2.886.235 64.41 1.129.220 26.52 447.914 8.11 78.386 1.95
Capital Federal 885.330 50.00 597.121 34.46 302.089 14.06 21.112 1.48
Catamarca 42.601 70.17 12.875 21.21 5.236 8.62 0 0.00
Chaco 160.618 67.02 66.306 27.67 12.122 5.06 609 0.15
Chubut 42.875 60.49 18.481 26.07 7.772 10.97 1.750 2.47
Córdoba 631.189 56.19 374.295 33.32 104.053 9.26 13.783 1.23
Corrientes 155.315 58.64 99.223 37.46 10.037 3.79 304 0.11
Entre Ríos 159.179 47.83 133.805 40.21 36.024 10.83 3.761 1.13
Formosa 43.043 65.79 18.978 29.01 2.373 3.63 1.034 1.57
Jujuy 87.629 76.07 13.269 11.52 14.300 12.41 0 0.00
La Pampa 57.653 59.74 25.891 26.83 11.615 12.04 1.351 1.39
La Rioja 45.965 70.34 17.768 27.19 1.611 2.46 1 0.01
Mendoza 331.818 64.83 83.472 16.31 92.085 17.99 4.462 0.87
Misiones 92.501 65.42 37.865 26.78 10.179 7.20 848 0.60
Neuquén 41.779 69.30 12.056 20.00 5.138 8.52 1.318 2.18
Río Negro 62.842 62.46 25.920 25.76 9.135 9.08 2.722 2.70
Salta 144.821 72.96 30.089 15.16 23.174 11.67 414 0.21
San Juan 132.603 65.65 53.932 26.70 13.384 6.63 2.058 1.02
San Luis 64.526 67.50 20.691 21.65 9.481 9.92 891 0.93
Santa Cruz 15.609 63.63 6.698 27.31 2.222 9.06 0 0.00
Santa Fe 746.754 60.24 202.227 16.31 274.369 22.13 16.281 1.32
Santiago del Estero 137.185 78.45 25.287 14.46 9.816 5.61 2.572 1.48
Tierra del Fuego 1.654 54.97 686 22.80 669 22.23
Tucumán 265.054 75.82 56.101 16.05 25.212 7.21 3.237 0.92
Total 7.359.252 61.85 2.905.719 24.42 1.450.996 12.19 181.474 1.54

Ver também[editar | editar código-fonte]

  • Eleições presidenciais de Argentina de março de 1973
  • Peronismo

Referências

  1. «Isabel Peron | Biography & Facts | Britannica». www.britannica.com (em inglês). Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  2. «First female President». Guinness World Records (em inglês). Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  3. Jiménez Peña, Oscar (2007). Candarle, ed. «En vísperas del ballotage N° 39. Antecedentes de otros ballotages en la República Argentina» (PDF). UCES 
  4. «Página/12 :: El país :: Recuerdos del 25». www.pagina12.com.ar (em espanhol). Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  5. «Día de libertades». HIJOS Capital. Consultado em 7 de setembro de 2017. Cópia arquivada em 20 de fevereiro de 2017 
  6. Page, Joseph. Perón: A biography. Random House, 1983.
  7. Verbitsky, Horacio: Ezeiza. Editorial Contrapunto, 1985
  8. «A 30 años de la Masacre de Ezeiza, el inicio del despegue de Perón de Montoneros y FAR, y la guerra interna del PJ». Urgente24 - primer diario online con las últimas noticias de Argentina y el mundo en tiempo real (em espanhol). Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  9. a b «Revista de Ciencia Politica». www.revcienciapolitica.com.ar. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  10. «Hemeroteca Digital - Diarios Históricos en Internet - Prov. Santa Fé - República Argentina». www.santafe.gov.ar. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  11. «Hemeroteca Digital - Diarios Históricos en Internet - Prov. Santa Fé - República Argentina». www.santafe.gov.ar. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  12. «Hemeroteca Digital - Diarios Históricos en Internet - Prov. Santa Fé - República Argentina». www.santafe.gov.ar. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  13. Martínez, Tomás Eloy. La novela de Perón. Random House, 1985.
  14. «Hemeroteca Digital - Diarios Históricos en Internet - Prov. Santa Fé - República Argentina». www.santafe.gov.ar. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  15. a b «Hemeroteca Digital - Diarios Históricos en Internet - Prov. Santa Fé - República Argentina». www.santafe.gov.ar. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  16. a b «PERON AND WIFE WIN IN ARGENTINA». The New York Times (em inglês). 24 de setembro de 1973. ISSN 0362-4331. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  17. Juan Domingo Peron y Ricardo Balbin - Elecciones legislativas 1973, consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  18. «Hemeroteca Digital - Diarios Históricos en Internet - Prov. Santa Fé - República Argentina». www.santafe.gov.ar. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  19. DiFilm - Vota Juan Carlos Coral elecciones presidenciales 1973, consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  20. DiFilm - Vota Francisco Manrique elecciones presidenciales 1973, consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  21. Elecciones (PDF). Col: Estudios e Investigaciones Nº7. Volumen I. [S.l.]: Dirección de Información Parlamentaria del Congreso de la Nación. Abril de 1993. p. 231. ISBN 987-685-009-7 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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