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[[Imagem:Rolandfealty.jpg|thumb|right|220px|Rolando é feito cavaleiro por Carlos Magno em uma [[iluminura]] medieval.]] |
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'''Rolando''', também referido como '''Roldão''' (''Roland'' em [[língua francesa|francês]] e [[língua alemã|alemão]], ''Rolando'' ou ''Roldán'' em [[língua castelhana|castelhano]], ''Orlando'' em [[língua italiana|italiano]], ''Rotllà'' ou ''Rottlant'' em [[língua catalã|catalão]]) é um personagem da [[literatura medieval]] e [[literatura do renascimento|renascentista]] europeia inspirado num obscuro conde que viveu no século VIII, na época da [[dinastia carolíngia]]. Segundo a lenda, Rolando foi sobrinho e [[paladino]] do imperador [[Francos|franco]] [[Carlos Magno]] e morreu heroicamente lutando contra os [[mouros]] da [[Península Ibérica]]. Tradicionalmente é associado a sua espada [[Durindana]] (''Durandal'') e seu cavalo Vigilante (''Veillantif''). |
'''Rolando''', também referido como '''Roldão''' (''Roland'' em [[língua francesa|francês]] e [[língua alemã|alemão]], ''Rolando'' ou ''Roldán'' em [[língua castelhana|castelhano]], ''Orlando'' em [[língua italiana|italiano]], ''Rotllà'' ou ''Rottlant'' em [[língua catalã|catalão]]) é um personagem da [[literatura medieval]] e [[literatura do renascimento|renascentista]] europeia inspirado num obscuro conde que viveu no século VIII, na época da [[dinastia carolíngia]]. Segundo a lenda, Rolando foi sobrinho e [[paladino]] do imperador [[Francos|franco]] [[Carlos Magno]] e morreu heroicamente lutando contra os [[mouros]] da [[Península Ibérica]]. Tradicionalmente é associado a sua espada [[Durindana]] (''Durandal'') e seu cavalo Vigilante (''Veillantif''). |
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A destruição da retaguarda e a morte de Rolando passaram a ser material para os poemas cantados pelos jograis medievais, num contexto em que Carlos Magno era lembrado como o imperador que livrou várias campanhas contra os povos [[pagão]]s da Europa, como os saxões e os muçulmanos ibéricos. Nos séculos seguintes, as histórias sobre Rolando e as campanhas de Carlos Magno (e também de [[Carlos Martel]]) passaram a ser fonte de inspiração para a [[Reconquista]] e as [[Cruzadas]], que também tratavam da luta entre cristãos e povos pagãos. |
A destruição da retaguarda e a morte de Rolando passaram a ser material para os poemas cantados pelos jograis medievais, num contexto em que Carlos Magno era lembrado como o imperador que livrou várias campanhas contra os povos [[pagão]]s da Europa, como os saxões e os muçulmanos ibéricos. Nos séculos seguintes, as histórias sobre Rolando e as campanhas de Carlos Magno (e também de [[Carlos Martel]]) passaram a ser fonte de inspiração para a [[Reconquista]] e as [[Cruzadas]], que também tratavam da luta entre cristãos e povos pagãos. |
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[[Imagem:Mort de Roland.jpg|thumb|left|220px|Carlos Magno lamenta-se ao encontrar o corpo de Rolando (iluminura de [[Jean Fouquet]] em uma crónica francesa, meados do século XV).]] |
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A primeira obra literária conhecida sobre Rolando é o épico francês ''[[A Canção de Rolando]]'', cujo manuscrito mais antigo data de meados do século XII mas que poderia ter origem mais antiga, ainda nos finais do século XI, na época da [[Primeira Cruzada]]. O poema descreve a traição de Rolando por Ganelão, outro vassalo de Carlos Magno, que faz um pacto com o [[rei Marsílio]] de [[Saragoça]] para matar o paladino. A retaguarda do exército comandada por Rolando e que incluía outros paladinos de Carlos Magno - os chamados [[Os Doze Pares de Carlos Magno|doze pares de França]] - é emboscada na passagem de [[Roncesvales]]. Entre os paladinos está Oliveiros, apresentado como melhor amigo de Rolando e irmão de sua prometida, Auda. Durante a batalha, Oliveiros implora ao herói que soe seu [[olifante]] - uma espécie de trombeta - e assim chame o exército principal de Carlos para ajudá-los. Rolando se recusa, alegando que pedir por auxílio seria uma deshonra. Na luta feroz entre os francos e os mouros, Rolando mata o filho de Marsílio e corta a mão do rei, que morre mais tarde devido ao ferimento. Mas os soldados mouros são muitos e os francos vão sendo vencidos um por um. Já no final da luta Rolando soa o olifante e Carlos Magno começa a retornar com o seu exército. Rolando morre antes que chegue seu tio, não sem antes tentar quebrar - sem sucesso - sua espada Durindana contra uma rocha, para impedir que a arma caia em mãos de infiéis. Carlos Magno chega e, após lamentar-se profundamente por haver sido enganado por Ganelão, vinga seus paladinos vencendo os líderes muçulmanos e conquistando Saragoça. O traidor Ganelão termina sendo executado. Rolando é enterrado em [[Blaye]], na atual França. |
A primeira obra literária conhecida sobre Rolando é o épico francês ''[[A Canção de Rolando]]'', cujo manuscrito mais antigo data de meados do século XII mas que poderia ter origem mais antiga, ainda nos finais do século XI, na época da [[Primeira Cruzada]]. O poema descreve a traição de Rolando por Ganelão, outro vassalo de Carlos Magno, que faz um pacto com o [[rei Marsílio]] de [[Saragoça]] para matar o paladino. A retaguarda do exército comandada por Rolando e que incluía outros paladinos de Carlos Magno - os chamados [[Os Doze Pares de Carlos Magno|doze pares de França]] - é emboscada na passagem de [[Roncesvales]]. Entre os paladinos está Oliveiros, apresentado como melhor amigo de Rolando e irmão de sua prometida, Auda. Durante a batalha, Oliveiros implora ao herói que soe seu [[olifante]] - uma espécie de trombeta - e assim chame o exército principal de Carlos para ajudá-los. Rolando se recusa, alegando que pedir por auxílio seria uma deshonra. Na luta feroz entre os francos e os mouros, Rolando mata o filho de Marsílio e corta a mão do rei, que morre mais tarde devido ao ferimento. Mas os soldados mouros são muitos e os francos vão sendo vencidos um por um. Já no final da luta Rolando soa o olifante e Carlos Magno começa a retornar com o seu exército. Rolando morre antes que chegue seu tio, não sem antes tentar quebrar - sem sucesso - sua espada Durindana contra uma rocha, para impedir que a arma caia em mãos de infiéis. Carlos Magno chega e, após lamentar-se profundamente por haver sido enganado por Ganelão, vinga seus paladinos vencendo os líderes muçulmanos e conquistando Saragoça. O traidor Ganelão termina sendo executado. Rolando é enterrado em [[Blaye]], na atual França. |
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A história contada n'''A Canção de Rolando'' e outras lendas sobre o personagem foram logo traduzidas e reelaboradas em vários lugares da Europa. A própria ''Canção'' foi objeto de uma tradução ao alemão já nos finais do século XII, seguida de outras em diversas línguas. Na ''Historia Caroli Magni'' (também chamada ''Pseudo-Turpin''), escrita no século XII em [[latim]] e incluída no ''[[Codex Calixtinus]]'', a história da ''Canção'' é recontada e inclui o episódio da luta de Rolando contra o gigante sarraceno Ferracutus. Também do século XII datam várias canções de gesta francesas sobre o herói. Assim, em ''Girart de Vienne'' é narrada a história da amizade entre Rolando e Oliveiros e o noivado com Auda. Em ''Aspremont'' conta-se como o herói conseguiu a espada [[Durindana]] e o cavalo Vigilante. |
A história contada n'''A Canção de Rolando'' e outras lendas sobre o personagem foram logo traduzidas e reelaboradas em vários lugares da Europa. A própria ''Canção'' foi objeto de uma tradução ao alemão já nos finais do século XII, seguida de outras em diversas línguas. Na ''Historia Caroli Magni'' (também chamada ''Pseudo-Turpin''), escrita no século XII em [[latim]] e incluída no ''[[Codex Calixtinus]]'', a história da ''Canção'' é recontada e inclui o episódio da luta de Rolando contra o gigante sarraceno Ferracutus. Também do século XII datam várias canções de gesta francesas sobre o herói. Assim, em ''Girart de Vienne'' é narrada a história da amizade entre Rolando e Oliveiros e o noivado com Auda. Em ''Aspremont'' conta-se como o herói conseguiu a espada [[Durindana]] e o cavalo Vigilante. |
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[[Imagem:Bremen Roland.jpg|thumb|[[Câmara Municipal e estátua de Rolando no Mercado de Bremen|Estátua de Rolando em Bremen]] (Património Mundial)]] |
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Em [[castelhano]] preserva-se um manuscrito do século XIII da chamada ''Canção de Roncesvales''. O fragmento preservado conta a lamentação de Carlos Magno por Rolando após sua morte em Roncesvales e contém vários detalhes que a afastam da tradição francesa da ''Canção de Rolando'', o que sugere que na Península Ibérica houve uma tradição lendária e literária independente sobre o personagem. Na [[Itália]] as lendas sobre Rolando - localmente chamado Orlando - tiveram grande aceitação na época medieval, inspirando obras como ''Entré d'Espagne'' e ''Prise de Pampelune'', ambas escritas no século XIV em língua franco-vêneta. |
Em [[castelhano]] preserva-se um manuscrito do século XIII da chamada ''Canção de Roncesvales''. O fragmento preservado conta a lamentação de Carlos Magno por Rolando após sua morte em Roncesvales e contém vários detalhes que a afastam da tradição francesa da ''Canção de Rolando'', o que sugere que na Península Ibérica houve uma tradição lendária e literária independente sobre o personagem. Na [[Itália]] as lendas sobre Rolando - localmente chamado Orlando - tiveram grande aceitação na época medieval, inspirando obras como ''Entré d'Espagne'' e ''Prise de Pampelune'', ambas escritas no século XIV em língua franco-vêneta. |
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Revisão das 21h29min de 4 de outubro de 2009
Rolando, também referido como Roldão (Roland em francês e alemão, Rolando ou Roldán em castelhano, Orlando em italiano, Rotllà ou Rottlant em catalão) é um personagem da literatura medieval e renascentista europeia inspirado num obscuro conde que viveu no século VIII, na época da dinastia carolíngia. Segundo a lenda, Rolando foi sobrinho e paladino do imperador franco Carlos Magno e morreu heroicamente lutando contra os mouros da Península Ibérica. Tradicionalmente é associado a sua espada Durindana (Durandal) e seu cavalo Vigilante (Veillantif).
As histórias sobre Rolando e outros personagens da corte de Carlos Magno são coletivamente referidos como Matéria de França e foram objeto de inúmeras obras literárias. A obra mais antiga sobre Rolando é o poema épico A Canção de Rolando (La chanson de Roland), datado do século XII. A tradição chega até os épicos renascentistas italianos Orlando apaixonado (Orlando innamorato) de Matteo Maria Boiardo e Orlando furioso de Ludovico Ariosto.
Rolando histórico
As lendas que se desenvolveram ao redor de Rolando estão relacionadas com um personagem real, um tal conde Hruodland, vassalo de Carlos Magno e prefeito da marca da Bretanha. Este conde participou da campanha militar que o rei levou a cabo na península ibérica em 778, à época dominada em sua maior parte por muçulmanos. No curso da campanha, Carlos aliou-se a certos líderes muçulmanos contra outros, saqueou Pamplona e sitiou Saragoça. Um levantamento dos saxões obrigou o rei a retirar-se para assegurar a fronteira oriental do reino. No dia 15 de agosto de 778, a retaguarda do exército franco foi atacada por bascos cristãos (vascones) ao transitar pelos Pireneus - possivelmente na passagem de Roncesvales (na atual Navarra, Espanha). Essa batalha ou escaramuça é citada por Eginhardo, biógrafo de Carlos Magno, que em sua Vita Caroli Magni (c. 830) relata que os soldados francos da retaguarda, incluído "Hruodland, prefeito das marcas da Bretanha" (Hruodlandus Brittannici limitis praefectus), foram todos mortos. Essa menção na obra de Eginhardo é a única referência histórica a Rolando que data da época carolíngia.
Lenda
A destruição da retaguarda e a morte de Rolando passaram a ser material para os poemas cantados pelos jograis medievais, num contexto em que Carlos Magno era lembrado como o imperador que livrou várias campanhas contra os povos pagãos da Europa, como os saxões e os muçulmanos ibéricos. Nos séculos seguintes, as histórias sobre Rolando e as campanhas de Carlos Magno (e também de Carlos Martel) passaram a ser fonte de inspiração para a Reconquista e as Cruzadas, que também tratavam da luta entre cristãos e povos pagãos.
A primeira obra literária conhecida sobre Rolando é o épico francês A Canção de Rolando, cujo manuscrito mais antigo data de meados do século XII mas que poderia ter origem mais antiga, ainda nos finais do século XI, na época da Primeira Cruzada. O poema descreve a traição de Rolando por Ganelão, outro vassalo de Carlos Magno, que faz um pacto com o rei Marsílio de Saragoça para matar o paladino. A retaguarda do exército comandada por Rolando e que incluía outros paladinos de Carlos Magno - os chamados doze pares de França - é emboscada na passagem de Roncesvales. Entre os paladinos está Oliveiros, apresentado como melhor amigo de Rolando e irmão de sua prometida, Auda. Durante a batalha, Oliveiros implora ao herói que soe seu olifante - uma espécie de trombeta - e assim chame o exército principal de Carlos para ajudá-los. Rolando se recusa, alegando que pedir por auxílio seria uma deshonra. Na luta feroz entre os francos e os mouros, Rolando mata o filho de Marsílio e corta a mão do rei, que morre mais tarde devido ao ferimento. Mas os soldados mouros são muitos e os francos vão sendo vencidos um por um. Já no final da luta Rolando soa o olifante e Carlos Magno começa a retornar com o seu exército. Rolando morre antes que chegue seu tio, não sem antes tentar quebrar - sem sucesso - sua espada Durindana contra uma rocha, para impedir que a arma caia em mãos de infiéis. Carlos Magno chega e, após lamentar-se profundamente por haver sido enganado por Ganelão, vinga seus paladinos vencendo os líderes muçulmanos e conquistando Saragoça. O traidor Ganelão termina sendo executado. Rolando é enterrado em Blaye, na atual França.
A história contada n'A Canção de Rolando e outras lendas sobre o personagem foram logo traduzidas e reelaboradas em vários lugares da Europa. A própria Canção foi objeto de uma tradução ao alemão já nos finais do século XII, seguida de outras em diversas línguas. Na Historia Caroli Magni (também chamada Pseudo-Turpin), escrita no século XII em latim e incluída no Codex Calixtinus, a história da Canção é recontada e inclui o episódio da luta de Rolando contra o gigante sarraceno Ferracutus. Também do século XII datam várias canções de gesta francesas sobre o herói. Assim, em Girart de Vienne é narrada a história da amizade entre Rolando e Oliveiros e o noivado com Auda. Em Aspremont conta-se como o herói conseguiu a espada Durindana e o cavalo Vigilante.
Em castelhano preserva-se um manuscrito do século XIII da chamada Canção de Roncesvales. O fragmento preservado conta a lamentação de Carlos Magno por Rolando após sua morte em Roncesvales e contém vários detalhes que a afastam da tradição francesa da Canção de Rolando, o que sugere que na Península Ibérica houve uma tradição lendária e literária independente sobre o personagem. Na Itália as lendas sobre Rolando - localmente chamado Orlando - tiveram grande aceitação na época medieval, inspirando obras como Entré d'Espagne e Prise de Pampelune, ambas escritas no século XIV em língua franco-vêneta.
No Renascimento italiano surgem várias obras sobre Rolando com grande significado literário, ainda que as narrativas tenham pouco a ver com as velhas lendas medievais sobre o personagem. Assim, Orlando é o herói do poema épico Orlando Innamorato de Matteo Maria Boiardo, publicado em 1495. Após a morte de Boiardo, o épico ganhou uma continuação como Orlando furioso, escrito por Ludovico Ariosto e publicado primeiramente em 1516. A obra de Ariosto fez com que o personagem de Rolando/Orlando recuperasse importância na arte europeia. Várias obras literárias e musicais, incluindo óperas de Vivaldi e Händel, usaram episódios do épico de Ariosto como fonte de inspiração.
Estátuas de Rolando
Na cidades da Alemanha medieval, Rolando foi um símbolo do poder da burguesia frente à nobreza local. A partir do século XIV, várias cidades germânicas erigiram grandes estátuas do herói nas suas praças de mercado, como símbolo de sua independência. Uma das mais famosas destas estátuas, datando de 1405, encontra-se em frente à casa da câmara de Bremen, sendo inscrita na lista do Património Mundial da UNESCO.